O CONFLITO ARMADO QUE ABALOU VÁRZEA ALEGRE NO FINAL DA DÉCADA DE 20

Antônio Anicete de Lima[1], Antônio Ferreira Lima[2]

Aniceto era um agricultor muito trabalhador, levantava-se muito cedo, assim sendo antes do sol raiar, ele já estava chegando com os seus filhos para a labuta diária nas Queimadas, quase uma légua de distância de sua residência.

Era o ano de 1926, exatamente no mês de novembro, nessa época, Aniceto tinha 53 anos de idade, estava cercando vinte e quatro tarefas de um novo roçado na divisa de suas terras com o Pau D’Arco.

Quando o dia ia clareando e seus raios se vislumbravam no topo da Serra da Vaca Morta, Anicete, colocou a cabaça d’água debaixo de um rebento de juazeiro e empunhou a cavadeira manual e começou a cavar, enquanto isso, Antônio e Victor ainda se espreguiçavam, quando de repente, ouviu-se uma pipoqueira infernal disparada por uma salva de uns 50 tiros de rifles, proveniente da serra do Rubão, rumo Riacho Verde. Naquele momento de pânico, Aniceto soltou cavador e os dois meninos apavorados, correram em direção ao seu pai, agarrando-se trêmulos as suas pernas.

Foi exatamente nesse momento de muita tensão que se ouviu um barulho na trilha do roçado, quando de repentinamente, apareceu Mariano da Fortuna, vinha correndo feito uma gazela aturdida e parou em frente a Aniceto. Era o cozinheiro da tropa contratada por Jorge de Lima Siebra, vinha fugindo do conflito que abalou Várzea Alegre no do dia 10 de novembro de 1926.

Mariano tremia mais do que uma vara verde de taboca agitada pelo vento, porém, Aniceto lhe disse:

- Calma Mariano, aqueles disparos foram lá para as bandas do alto do Rubão, fica bem distante daqui!

- Talvez estejam chamando os companheiros que ficaram atrasados.

Esse conflito armado ocorreu entre o grupo aliado do coronel Antônio Correia e os grupos políticos de oposição, que durou cerca de quatro horas, fato conhecido como "A Guerra de 26”. O prefeito eleito pelo voto popular nessa época foi o Coronel José Correia Lima (Morais, 2019).

O conflito aconteceu quando os partidários de Serra, perderam as eleições para o Coronel José Correia Lima, candidato vencedor nas eleições de 1926 a prefeitura municipal de Várzea Alegre. Então esse grupo político não conformado com o resultado das eleições, entrou em conflito com os partidários do Coronel Correia Lima, chegando as vias de fato. Esse tipo de conflito era comum na República Velha até os idos de 1930, caracterizado pela fraude eleitoral, pelo “o mandonismo, clientelismo, coronelismo, desigualdade social e a corrupção, motivando assim muitas revoltas em diversas partes do país” (Escola Brasil, 2019).

Antônio Leopoldo Serra um dos líderes do levante foi um antigo morador de Várzea Alegre, tornou-se muito popular na cidade por sua atividade como farmacêutico, considerado um ‘doutor’ naquela época, mas que depois da sua participação ativa no conflito de 26 contra os Correias, teve que se refugiar na cidade de Cedro, onde depois alçou sua carreira política sendo nomeado em 1931, interventor em Cedro, através dos seus aliados políticos, conseguindo rebaixar a cidade de Várzea Alegre a Distrito de Cedro.  

Durante o conflito destacou-se o grupo armado aliciado por Jorge de Lima Siebra que nessa ocasião, conseguiu arregimentar 50 pessoas da região da Fortuna, Guarani e adjacências para resolver a disputa política à bala.

Dizem que havia um mulato muito valente do lado dos Correias, seu nome era João Ricardo. Esse foi um dos mais audaciosos do grupo do coronel, pois munido de um rifle e um cavador, saiu furando as casas de taipas na rua principal da cidade, até a subida da ladeira. Mas, quando saiu fora na rua, foi confundido pelos seus próprios companheiros, levando uma intensa chuva de balas, mas o sujeito era ligeiro saiu rolando pelo chão e conseguiu escapar.

A peleja foi dura, mas os Correias depois de quatro horas de tiroteio, tiveram que abandonar a cidade. O grupo aliado a Serra, depois de tomar a cidade pela força, colocou balas em cuias de porunga e saíram pelas ruas, provocando os eleitores dos Correias de forma debochante, chamando-os, como quem se chama uma cabra solta no roçado.

Após esse dia de intensa escaramuça, cujo número de mortos e feridos não foram relatados, o Coronel José Correia Lima e Antônio Correia Lima, foram até o Juazeiro do Norte e se valeram do Padre Cícero Romão Batista, eleito nessa ocasião, Deputado Federal pela região do Cariri. Diante da gravidade da situação exposta pelo grupo político dos Correias, padre Cícero, homem muito influente e poderoso na região mandou um ultimato para o grupo do Serra:

- Aceitem o resultado das eleições e deixem o coronel Correia administrar a cidade em paz.

- Se não houver acordo vou reunir os romeiros do Juazeiro e cercar a cidade

Então, depois de várias negociações, assumiu o poder o Cel. José Correia Lima até ano de 1930, quando foi sucedido por Antônio Primo Correia de 1930 a 1932. Porém, em 1931 foi decretada a extinção do município de Várzea Alegre, ficando anexado ao município de Cedro, sendo então, nomeado com interventor Antônio Leopoldo Serra, isso ocorreu quando Getúlio Vargas assumiu a presidência da República Federativa do Brasil, após comandar a Revolução de 1930, que culminou com a derrubada do governo de Washington Luís.

As medidas centralizadoras do governo provisório surgiram desde cedo. Em novembro de 30 ele dissolveu o congresso nacional, os legislativos estaduais e municipais. Todos os antigos governadores, com exceção do novo governador eleito de Minas, foram demitidos e, em seu lugar, nomeados interventores federais (Portal São Francisco, 2019).

Essas intervenções nos legislativos, estaduais e municipais, foram ampliadas pelo interventor do Ceará aos cargos do executivo, concomitantemente, com a redução do número de municípios no Ceará, culminando com anexações a outros municípios vizinhos, conforme a conveniência e a força política local.

O interventor no Ceará, Dr. Manuel do Nascimento Fernandes Távora, fundador da Aliança Liberal era natural de Jaguaribe e foi nomeado interventor do estado, de 8 de outubro de 1930 a 13 de junho de 1931, no seu mandato publicou o Decreto no. 193 de 20 de maio de 1931, que culminou com a extinção de vários municípios cearenses, tendo como objetivo político minar a resistência dos seus opositores, atendendo aos interesses do governo do Estado Novo. Sua família consolidou grande tradição na política interiorana do estado, graças à oposição que moveram seus representantes à oligarquia dos Acióli, dominante na República Velha (FGV, 2019).

O decreto nº 193, 20.05.1931, assinado pelo interventor do estado do Ceará, Dr. Fernando Távora determinou uma nova divisão administrativa no Estado, provocando a extinção de diversos municípios. A alegativa foi que como alguns municípios não tinham renda ou eram pobres, o melhor seria que fosse anexado aos vizinhos (TRE, 2017).

Como Antônio Leopoldo Serra era farmacêutico, aliado político da família Távora, tudo isso pesou na sua escolha como interventor na cidade de Cedro pelo Governador Fernandes Távora, embora alguns atribuam, também, a sua relação de parentesco (Pinheiro, 2019).

Embora o município de Várzea Alegre tenha sido criado pela Lei Provincial Nº 1.329, de 10 de outubro de 1870 e Cedro tenha sido desmembrado desse município em 15 de novembro de 1916, 46 anos depois, o critério econômico e organizacional não foi respeitado pelo interventor Fernando Távora, mas, acima de tudo o revanchismo político, cujo objetivo era enfraquecer o coronelismo e a oligarquia aciolina. Foi nessa época, que a oligarquia aciolina perdeu a hegemonia política no estado do Ceará, passando para as mãos da família Távora da Aliança Liberal até 1945. 

Segundo Morais (2019), “Antônio Leopoldo Serra, era apadrinhado político do interventor do Ceará, Dr. Manuel do Nascimento Fernandes Távora, nomeado pelo Presidente Getúlio Vargas durante a Revolução de 1930, por essa razão fê-lo prefeito da vizinha cidade de Cedro para que ele pudesse ter o comando de Várzea Alegre”, executando assim a vingança contra os Correias que tiveram de amargar essa derrota até 1937, quando novamente Antônio Correia Lima assumiu o comando da prefeitura de Várzea Alegre.

Através do Decreto Nº 1.156 de 4 de dezembro de 1933, o município de Várzea Alegre foi restaurado, desmembrando-se de Cedro (Wikipédia, 2019), porém, isso só aconteceu no governo do interventor estadual capitão Felipe Moreira Lima. Esse fato foi humilhante para os varzealegrenses daquela época, pois os que nasceram no período de 1931 a 1933, foram registrados como sendo naturais do município de Cedro.

Parafraseando as palavras do general Von Kriege do antigo Reino da Prússia, podemos afirmar de forma indireta que: “a política é a continuação da guerra por outros meios”.

Para Mahatma Ghandhi o que destrói a humanidade é – a política, sem princípios; o prazer, sem compromisso; a riqueza sem trabalho; a sabedoria sem caráter; os negócios sem moral; a ciência sem humanidade e a oração sem caridade.

 

BIBLIOGRAFIA

 

ESCOLA BRASIL. História do Brasil: República Velha. Disponível em: . Acesso em: 17 de out. 2019.

FGV – Fundação Getúlio Vargas. Manuel do Nascimento Fernandes Távora. FGV/CPDOC. Disponível em: . Acesso em: 26 de outubro de 2019.

MORAIS. A. Datas que fizeram história. Blog do Antônio Morais. Disponível em: . Acesso em: 26 de outubro de 2019.

PINHEIRO, S. Preciosidades antigas de Várzea-Alegre. Postado no Blog pelo autor. Disponível em: . Acesso em: 26 de outubro de 2019.

PORTAL SÃO FRANCISCO. Governo Provisório. Disponível em: Acesso em: 18 de nov. de 2019.

TRE – Tribunal Regional Eleitoral. O Estado Novo e o silenciamento da Justiça Eleitoral: Retrospectiva 1930 – 1945. Ceará e Rio Grande do Norte, TRE, Memoria Eleitoral em Foco, Memória colaborativa, n.1, maio de 2017. Disponível em: Acesso em: 18 de nov. de 2019.

WIKIPÉDIA. Várzea alegre: história. 21 de out. de 2019. Acesso em: 18 de nov. de 2019.

Farias Brito, 25 de outubro de 2019.

Trechos de ‘Meu Sertão, Minha Gente e Minha Vida”.

Narradores: Aniceto Ferreira Lima (1873 – 1943) e Antônio Ferreira Lima (1914 – 1910).

Antônio Anicete de Lima.

Ano de publicação outubro de 2019.

 

[1] Engenheiro Agrônomo, Prof. do IFRO.

[2] Comerciante e narrador dos fatos.