O CONCEITO DE LEGAL DE FORNECEDOR E SUAS PECULIARES CARACTERÍSTICAS FÁTICAS

 

Alexandre Gazetta Simões[1]

 

O Código de Defesa do Consumidor optou por adotar um conceito amplo de fornecedor.

Tal intento visou justamente abarcar as várias facetas que envolvem aqueles que se prestam a oferecer produtos e serviços no mercado de consumo.

Nesse desiderato, ao se facear a legislação consumerista, constata-se que o conceito de fornecedor está descrito no artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor.

Assim, tal dispositivo legal tem a seguinte dicção:

 

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

 

Em uma primeira análise, tem-se que é a habitualidade que determina quando uma pessoa física ou jurídica pode ser demandada pelo CDC, qualificando-se como fornecedora.

Ainda, o termo fornecedor, segundo estabelece Plácido e Silva, deriva do termo francês fournir, fornisser .

De outro giro, fornecedor trata-se de gênero do qual fabricante, produtor, construtor, importador e o comerciante são espécies.

Assim, fornecedor, grosso modo, é todo comerciante ou estabelecimento que abastece, ou fornece, habitualmente, em casa ou em outro estabelecimento, os gêneros e mercadorias necessários ao consumo.

Nesse sentido, ainda, José Geraldo Brito Filomeno (GRINOVER; BENJAMIN; FINK et al; 2007, p. 47) pondera que:

 

[...] é que são considerados todos quantos propiciem a oferta de produtos e serviços no mercado de consumo, de maneira a atender às necessidades dos consumidores, sendo despiciendo indagar-se a que título, sendo relevante, isto sim, a distinção que se deve fazer entre as várias espécies de fornecedor nos caso de responsabilização por danos causados aos consumidores, ou então para que os próprios fornecedores atuem na via regressiva e em cadeia da mesma responsabilização, visto que vital a solidariedade para a obtenção efetiva de proteção que se visa a oferecer aos mesmos consumidores.

 

Desse modo, a atividade desenvolvida pelo fornecedor poderá ser típica, ou eventual (atípica).

O comerciante “estabelecido regularmente exerce atividade típica descrita em seu estatuto” (NUNES, 2014, p. 133). No entanto, poderá exercer uma atividade atípica, quando, por exemplo, age, de fato, “em situação diversa da prevista, o que pode dar-se de maneira rotineira ou eventual” (NUNES, 2014, p. 133). Desse modo, a simples venda de ativos, sem caráter de atividade regular ou eventual, não transforma a relação jurídica em relação jurídica de consumo. Trata-se de um ato regulado pela legislação comum. (NUNES, 2014, p. 133)

Também existe a situação de pessoa física que exerce “atividade atípica ou eventual quando pratica atos do comércio ou indústria” (NUNES, 2014, p. 133). Tal situação ocorre quando um(a) estudante, objetivando pagar seus estudos, compra e depois revende lingerie (ou congêneres) entre suas (seus) colegas de curso. A atividade desenvolvida por este(a) estudante caracteriza-o (a) como fornecedor(a).

Nesse pormenor, mesmo que essa atividade comercial se dê de forma específica, considerando, por exemplo, uma data natalina. Ou na mesma toada, a venda de ovos de páscoa na Páscoa, ainda sim, nessa hipótese, estar-se-á tratando com um fornecer.

Nesse ponto, importante asseverar que a pessoa física que vende seu automóvel usado, independentemente de quem o adquira, não está realizando uma relação de consumo. Nesse caso não é possível vislumbrar a figura do fornecedor. (Situação diversa, no entanto, da pessoa que compra veículos para revender, fazendo disso uma atividade regular (NUNES, 2014, p. 134)).

Nesse sentido, ainda, note que o camelô (ente despersonalizado, como pessoa jurídica de fato) poderá ser qualificado como fornecedor, desde que venda produtos de origem lícita, visto que esses suprem, de maneira relevante, o mercado de serviço.

Um aspecto que merece exame diz respeito à inclusão dos bancos no perfil de fornecedor. Ocorre que a polêmica que existia anteriormente, em relação às instituições financeiras, há muito que se encontra superada. Desse modo, o Superior Tribunal de Justiça entende, por força da Súmula 297, que podem se enquadrar como fornecedores, as instituições financeiras. Assim, os “bancos, quando apresentam seus produtos e serviços aos consumidores, enquadram-se no conceito de fornecedores, devendo, portanto, seus contratos serem regidos pelo Código Consumerista” (GARCIA, 2010, p. 29).

De outro giro, a companhia aérea internacional que possui escala no Brasil ou a companhia teatral estrangeira, que vem se apresentar no Brasil, podem ser qualificadas como fornecedoras.

Assim, haverá prestação de serviços em ambos os casos e eventualmente a venda de produtos – ou seja, a venda de produtos a bordo ou a venda de souvenires após o espetáculo (NUNES, 2014, p. 134).

Nesse pormenor, a “dicção legal estabelece que o fornecedor pode ser uma pessoa nacional ou estrangeira, sendo irrelevante qualquer tipo de limitação” (TARTUCE, p. 82, 2016).

Outro aspecto interessante diz respeito ao enquadramento de entidades beneficentes no conceito de fornecedor, ao se focar na prestação de serviços, prestados por essas entidades, mediante remuneração, mesmo que sem fins lucrativos.

Nesse sentido, tem-se que:

 

Processual civil. Recurso especial. Sociedade civil sem fins lucrativos de caráter beneficente e filantrópico. Prestação de serviços médicos, hospitalares, odontológicos e jurídicos a seus associados. Relação de consumo caracterizada. Possibilidade de aplicação do código de defesa do consumidor. - Para o fim de aplicação do Código de Defesa do Consumidor, o reconhecimento de uma pessoa física ou jurídica ou de um ente despersonalizado como fornecedor de serviços atende aos critérios puramente objetivos, sendo irrelevantes a sua natureza jurídica, a espécie dos serviços que prestam e até mesmo o fato de se tratar de uma sociedade civil, sem fins lucrativos, de caráter beneficente e filantrópico, bastando que desempenhem determinada atividade no mercado de consumo mediante remuneração. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 519.310/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/04/2004, DJ 24/05/2004, p. 262)

 

Ainda, assevere-se que as pessoas jurídicas de Direito Público também poderão se enquadrar no conceito de fornecedor, por expressa disposição legal (art. 3º do Código de Defesa do Consumidor).

Assim, o Estado poderá ser enquadrado como fornecedor, na qualidade de prestador de serviço público. Note, nesse sentido, que o art. 22 do Código de Defesa do Consumidor estabelece que:

 

Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

 

Também fazem parte do conceito de fornecedor, o profissional liberal, neste conceito incluído, v.g., os eletricistas, os encanadores.

Estes se enquadram como prestadores de serviço, incluídos, portanto, no gênero fornecedor, considerando a sua dicção legal, expressa no art. 3º do Código de Defesa do Consumidor.

Nesse particular, importante pontuar que os profissionais liberais possuem tratamento privilegiado pelo Código de Defesa do Consumidor.

Assim, os profissionais liberais não respondem objetivamente pelos danos causados ao consumidor, regra comum estabelecida no art. 14, do Código de Defesa do Consumidor, aos prestadores de serviços.

Ao revés, o art. 14, § 4º, do Código de Defesa do Consumidor estabelece que: “A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”. 

Tal regra se justifica porque os serviços são prestados sob um caráter personalíssimo. Ainda, muitas vezes, esses profissionais encontram-se em situação de vulnerabilidade.

Por outro lado, há casos, que apesar de aparentemente ter-se a ideia de que se submetem à égide do Código de Defesa do Consumidor, não se prestam a tal disciplina.

Assim, a atividade cartorária, por mais que exista uma remuneração direta, não se incluem no conceito de fornecedor. Tal é o posicionamento dos Tribunais Superiores, os quais entendem que não se aplica o CDC nesse caso. Configurando-se, portanto, como uma exceção à regra prevista na legislação consumerista.

Na mesma seara, é necessário frisar que os advogados estão fora da seara Consumerista. Desse modo, constata-se que em decisões mais recentes, o STJ vem se posicionando pela não incidência do CDC a estas relações. Tal é o entendimento insculpido no REsp 914.104, julgado em 9/9/2008, in verbis : “As normas protetivas dos direitos do consumidor não se prestam a regular as relações derivadas de contrato de prestação de serviços de advocacia, regidas por legislação própria.”

Ao fim e ao cabo, portanto, tem-se claro, ainda que em apertada síntese, que a abrangência do conceito de fornecedor se mostra variado em sua essência. E, que para se poder entender suas implicações nas relações de consumo, necessário se mostra um cuidadoso exame de suas características fáticas.

REFERÊNCIAS

 

NUNES, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. 9º ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito do Consumidor – vol. Único. 3º ed. São Paulo: Método, 2014.

 

GRINOVER, Ada Pellegrini; BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e; FINK, Daniel Roberto; et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.

GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do Consumidor. 6ª ed. Niterói: Impetus, 2010.



[1] Mestre em Direito pelo Centro Universitário Eurípedes de Marília – UNIVEM; Pós Graduado com Especialização em Gestão de Cidades (UNOPEC –União das Faculdades da Organização Paulistana Educacional e Cultural), Direito Constitucional (UNISUL- Universidade do Sul de Santa Catarina), Direito Constitucional (FAESO- Faculdade Estácio de Sá de Ourinhos); Direito Civil e Processo Civil (Faculdade Marechal Rondon) e Direito Tributário (UNAMA- Universidade da Amazônia ); Graduado em Direito (ITE- Instituição Toledo de Ensino); Analista Judiciário Federal – TRF3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região)  e Professor de Direito (FSP – Faculdade Sudoeste Paulista).