O Conceito de Comunismo e o Socialismo Politicamente Utópico de "A República"
Por Leôncio de Aguiar Vasconcellos Filho | 09/10/2025 | FilosofiaA má interpretação de um termo, em que contexto for, leva as pessoas a, erroneamente, se considerarem (ou não) adeptas de determinado conceito ou sua negação, sem a noção do que o mesmo significa. O exemplo mais notório, nos dias atuais, diz respeito ao demonizado vocábulo “comunismo”.
Quando Karl Marx escreveu suas obras clássicas de socialismo científico, quais sejam, “O Capital” e “O Manifesto Comunista”, ficou claro que as sociedades adotantes da outrora, e até hoje materializada ideologia, não foram comunistas: tínhamos, e ainda temos, sociedades socialistas, caracterizadas por Estados máximos e totalitários, quem eram e são o estágio anterior ao comunismo (caracterizado pela final abolição do Estado, com a coletivização dos meios de produção e o fim das classes sociais, num cenário de literata utopia). O comunismo, assim, nada mais é que o termo final do socialismo científico.
E, além do socialismo científico, desde a Antiguidade temos várias obras que podem ser interpretadas, politicamente, como “socialismo utópico”: uma delas é “A República”, de Platão (cuja tradução titular para o latim, preconizada pelo posterior historiador romano Cícero, significa “Politeia”). Em “A República”, escrita por meio de diálogos socráticos, Platão narra uma polis (cidade-estado) ideal, em que define as pessoas como componentes de três classes, que são, na terceira posição os trabalhadores, na segunda os guardiões, e, na primordial, os filósofos ou intelectuais, em cujas pessoas são consubstanciados os governantes de facto. Assim como em outros escritos antigos, os governantes ganhariam apenas o suficiente a manterem-se, estando a satisfação em servir a polis a principal motivação para o serviço público. Platão, a fim de dar vazão aos diálogos que compõem “A República”, também elenca três níveis espirituais componentes das classes, bem como nos instiga à razão ao abordar moral, ética, natureza, religião, ciência (que, na época de Platão, bem como nas dos antecessores, como seu mestre Sócrates, não era apartada da religião) e diversos outros temas.
Digo que “A República” é uma obra de socialismo utópico (no sentido político, como dito) porque, além de ter sido escrita cerca de vinte e cinco séculos antes de “O Capital” e “O Manifesto Comunista” (ou seja, numa época em que o capitalismo, e, desta forma, o próprio socialismo científico, ainda, não tinham sido consolidados, até mesmo pelo fato de a uniformização de moeda cunhada na Europa ter ocorrido, apenas, na Idade Média), trata de uma imaginária cidade-estado, e não da ausência de Estado. Portanto, não é comunista, mas expositora de uma realidade de governança justicialista. Deste modo, utópica (mesmo que proponha a existência de classes políticas, pois sem estas não há Estado).
Economicamente, o capitalismo só viria a se firmar após a Idade Média. Como Platão (bem como seu mais famoso discípulo, Aristóteles) defendia a escravidão de estrangeiros capturados nos âmbitos das guerras em que as polis reais travavam, não se pode afirmar, com fundamento nos padrões atuais, que fosse qualquer tipo de utopia. Esta viria a ser proposta em outros escritos, como a própria “Utopia”, de Thomas Morus, publicada no século XVI.
Algo é certo: podemos não ser socialistas científicos, mas comunistas todos somos.