O CINEMA ERA NOSSO!

Maria Eunice Gennari Silva

Ainda criança alguns hábitos que contribuíram pra que eu aprendesse a olhar e me divertir com as coisas do mundo, me foram ensinadas pelo meu pai. Entre muitas lembranças um dos hábitos incentivados, por ele, foi o de despertar, nas minhas irmãs e em mim, o gosto pela arte e de como ela estava presente na simplicidade do cotidiano.

Foi assim com o cinema. Compreendi que ele fazia parte da nossa vida, porque à medida em que “batíamos o ponto” no cinema, nossa relação com ele, nos fez conhecer a sua importância pedagógica. Era a escola do lazer, onde a gente aprendia de tudo, com prazer.

Sem nenhuma imposição ou obrigatoriedade tínhamos encontros marcados, com a meninada dos quarteirões vizinhos, em um cinema bem próximo às nossas casas. Com uma tela imensa e um som maravilhoso, íamos de duas a três vezes, por semana, assistir filmes permitidos pelos nossos pais.

 Era a arte do cinema que nos ensinava uma alegria de viver, entre amigos. Logo pela manhã, nós já éramos felizes só de lembrar que era dia de ir ao cinema. Um programa tão rico, mas, por incrível que pareça, de baixo custo.

Assim, o Cine Éden era o nosso paraíso de imagens e sons que nos conectava com o mundo inteiro – o cinema era nosso!

E, coincidentemente, um funcionário da loja de peças de automóveis do meu pai, trabalhava, à noite, como gerente no Cine Éden. Mais uma razão para sentirmos confortáveis e seguros, quando íamos para o “nosso cinema”.

A simpatia e paciência com que éramos, todos, tratados pelo Sr. Luiz, fazia parte da programação que começava ao sairmos de casa após o jantar. Logo, na calçada, crianças e jovens adolescentes se encontravam para mais uma aventura de “censura livre” - ir ao cinema e sonhar com lugares e personagens cinematográficos, ao som de trilhas sonoras inesquecíveis.

Então, quando chegávamos, bastava o olhar carinhoso do Sr. Luiz, para que o barulho de vozes excitadas e ansiosas, imediatamente, cessasse. Afinal, obediência e disciplina eram essenciais para que o nosso lazer não fosse retirado ou suspenso temporariamente.

Em seguida, o Sr. Luiz nos colocava separados em ordem de família e, cada um de nós registrávamos, numa caderneta, a nossa assinatura comprovando presença no cinema, naquele dia. E, pela relação de homens que cumpriam com suas palavras e compromissos (naquela época essas coisas eram comuns), no final do mês a caderneta era apresentada, aos nossos pais, com o valor de cada filme assistido. Ficava tudo, devidamente, acertado.

Era coisa muito séria, afinal o cinema fazia parte do nosso entretenimento, como aprendizagem saudável. Era lá que encontrávamos com os mais variados sentimentos e reações - o riso, o medo, a torcida, a tristeza, o choro, a alegria. Tudo tinha um efeito especial, sobre nós, mesmo que diferente dos dias atuais, na sua forma de fazer cinema. Mas tão impactante quanto os indicados para o Oscar de 2019, tais como: Pantera Negra ou O retorno de Mary Poppins.

Nessa programação de idas e vindas ao cinema, vale ressaltar que conhecemos, naquela época – décadas de 60 e 70 - a melhor e a mais envolvente de todas as produções – as exibições dos grandes clássicos franco-italianos. Da comédia ao absurdo da dramaticidade, a gente ria e chorava com o maior gosto. Isso sem falar na oportunidade e no privilégio de ver filmes mudos que, vez ou outra, aparecia para incrementar a nossa visão.

Olha, nós vivíamos momentos tão incríveis no cinema que até chegávamos mais cedo só para aguardar o início da sessão, ao som de trilhas sonoras de grandes musicais. Eram músicas de filmes que jamais vamos esquecer. Nesses momentos, muitas vezes, a melodia nos embalava de tal forma que dançávamos bem abaixo daquela tela imensa e provocativa. Fazíamos mímicas com as mãos, como se estivéssemos tocando os instrumentos de cada melodia. Éramos, ali, os artistas dos filmes que rodavam na nossa imaginação.

De repente, as luzes se apagavam e a gente corria extasiado para os nossos respectivos lugares. A cortina de veludo, vermelho/vinho, se abria, lentamente, e a expectativa pela aventura de cada dia fazia o nosso coração disparar. Começava, então, uma nova história, que jamais será apagada da minha memória e, com certeza, de todos nós. Tudo era observado e cochichado com os amigos ao seu lado – as propagandas, o futebol, os trailers, os desenhos animados, as datas comemorativas de cada época... até que o filme iniciasse.

O fato é que nós íamos ao cinema. E esse foi um dos grandes investimentos que nossos pais fizeram em nossas vidas – eles nos deram um cinema, para passear e o cinema era nosso! Ele fazia parte da nossa vida, como extensão da liberdade que desfrutávamos em nossas casas.

Lá, começava parte do prazer da hora de ir. Ir ao cinema, porque a magia oferecida pela imagem, somada ao nosso imaginário, nos colocava diante da possibilidade de ir viajar para outros mundos. De ir conhecer outras línguas, outras culturas, outros povos e aprender, aprender e aprender, pelo prazer de aprender.

O cinema, definitivamente, era nosso, pois, na ingenuidade de nossas idades, nós acreditamos e vivemos esse sonho.

Os anos se passaram e, hoje, quando escuto trilhas sonoras de filmes que deixaram marcas, que fizeram um registro na minha memória, muitas vezes, provocam aquela dorzinha fina na espinha. Vem a vontade de chorar baixinho, de voltar o tempo e o espaço.

Então, eu me pergunto:

O que foi que nossos pais fizeram de diferente, quando nos deu a liberdade de viver uma infância, uma adolescência e uma juventude tão ricas em aprendizagem?

O que foi que eles fizeram para que o tempo passasse, mas que a presença deles nunca fossem esquecidas?

O que eles fizeram para que coisas dignas e simples, da vida, ficassem impregnadas em nós, sem corrermos o risco de sermos corrompidos?

O que eles fizeram de tão especial para que a gente aprendesse coisas, como ir ao cinema, escutar boas músicas, ler um bom livro, comer bem, ser um grande amigo e ter amigos verdadeiros?

Sabe, hoje, bem pertinho dos setenta anos, eu sei como responder a todas estas perguntas:

Nossos pais cumpriram o compromisso de ser, cada um deles, um pai que, em amor, ofereceu, com intensidade, o melhor que eles tinham para oferecer. E, nós, recebemos como eles ofertaram – com muito Amor.

Se você tem filhos e quer que eles lembrem de você com a mesma qualidade que nós lembramos de nossos pais, construa, com eles, bonitas histórias para serem lembradas eternamente.

Porque... esse filme só vai passar no cinema que mora no nosso coração!