Certa vez, quando eu era menino, alguém me perguntou, à guisa de brincadeira, quem havia nascido primeiro, se o ovo ou a galinha e eu, sem titubear, respondi que só poderia ter sido a galinha, visto que “no princípio” Deus havia criado os animais e não os ovos dos animais ... E eu ainda me lembro da cara de espanto e de admiração do meu interlocutor que, certamente, não esperava ouvir uma resposta assim, vinda de uma criança ...

E agora, na mesma linha de raciocínio, eu costumo perguntar às pessoas que dizem conhecer bem as coisas de Paquetá, sôbre o que teria surgido primeiro, se a Fazenda ou a Capela de São Roque ... E se foi a Fazenda que deu nome à Capela, ou se foi a Capela que deu nome à Fazenda. Eu acabara de descobrir a resposta para essa pergunta e estava cheio de alegria por isso ... Foi no Livro das Visitas Pastorais da Freguesia de N. S. da Piedade, de Magé, à qual pertencia então a Ilha de Paquetá, e estava no registro de uma visita que ocorrera em 1793, na qual o Monsenhor Pizarro, depois de analisar todos os Livros do Tombo daquela Freguesia e referindo-se à nova Capela de São Roque, disse que ela foi construída por Manoel Ferreira Camelo e que foi êle o provedor da devoção de São Roque na Ilha de Paquetá.

Ora, nós já sabíamos que a Capela havia sido construída em 1698 e inaugurada e benta em 24 de Novembro desse mesmo ano – 133 anos após a metade setentrional de Paquetá haver sido concedida, em sesmaria, a Inácio de Bulhões, em 10/09/1565 – e, assim, em 1698, Manoel Ferreira Camelo, que já era o segundo ou terceiro proprietário na linha sucessória de Inácio de Bulhões, deveria tê-la construído sob essa devoção e, então, “a Capela da Fazenda de Inácio de Bulhões” passou a ser chamada de “Capela de São Roque” e a referida Fazenda, de “Fazenda da Capela de São Roque” o que, mais tarde, deu então origem ao nome de “Fazenda de São Roque”.

Animado com essa descoberta, comecei a imaginar como deveriam ter sido as comemorações nas festas desse santo padroeiro nos dias 16 de agosto daqueles longínquos anos e quando teriam começado as quermesses e as procissões  tradicionais dessas festas e foi quando eu pensava nessas coisas e as dividia com meu pai, que foi garoto em Paquetá, que êle me disse que uma das coisas boas de que êle se lembrava da sua infância em nossa Ilha, era “ o cheiro das procissões ”e, então, ao invés de falar dos cheiros das velas queimando e do incenso espalhado pelo turíbulo, êle me falou sôbre o cheiro de canela que se espalhava pelo ar quando as pessoas que caminhavam na procissão pisavam nas folhas das caneleiras, pois o Campo de São Roque era repleto de caneleiras e as suas muitas folhas, quando caídas no chão e pisadas pelas pessoas que acompanhavam as procissões, exalavam um odor maravilhoso, que deixou nele essa lembrança singular dos seus tempos de menino ... E foi assim que eu pude entender melhor uma das suas poesias, na qual êle fala das Árvores de Paquetá e que, num belo trecho, diz assim:

 “Caneleiras do Campo, descuidadas,
Derramando, ao soprar da viração,
As lembranças perdidas do Ceilão,
Em resinas e seivas perfumadas.

E nos seus ramos, pródigos de odor,
Amam-se os tiês castanho-avermelhados,
Todos os sabiás apaixonados,
E os bem-te-vis, em escandaloso amor.

Tão lindas e, escondidas nos quintais,
Fazem insinuações tão provocantes,
Nos dias de calor mais sufocantes,
Que a passarada não aguenta mais.

Mas nos dias de Festa do Senhor
Bom Jesus, as suas folhas, pelo chão,
Acompanham também a procissão,
Dando graças a Deus por onde for.”