O CHÃO DE LOBATO (primeira parte)

João Evangelista de Melo Neto

Eddy Carlos de Souza Vicente

Há quem diga que Monteiro Lobato teria nascido em Taubaté, com o que comunga a maioria dos autores. Mas pode ter nascido na atual cidade de Monteiro Lobato, neste caso na Fazenda Buquira que fora de seu avô, o Visconde de Tremembé.

Para nós isso não se apresenta como de importância primordial, pois que é sabido que Lobato viveu a infância, juventude e já como escritor iniciante  em Taubaté, na Fazenda Buquira e Areias, todos lugares situados no Vale do Paraíba paulista.

A nossa intenção aqui é descobrir um pouco mais sobre a influência que teve esses locais, esse chão, na formação literária de Monteiro Lobato, em como isso ajudou a talhar o grande escritor, até porque foi ele, inicialmente, tido como regionalista.

Afora o período em que passou imerso nos estudos jurídicos, na capital paulista, quando não menor aporte somou para sua formação literária, Lobato viveu a maior parte do tempo por entre as Serras da Mantiqueira e da Bocaina, no Vale do Paraíba. É nesse ambiente que Lobato experimentou e vivenciou passagens marcantes de sua vida, as quais, tão logo pode, transportou para as célebres páginas de sua grande obra literária.

Entre 1882, quando nasceu, e 1917, quando vendeu a Fazenda Buquira e se transferiu para São Paulo, foi nesse interior bucólico e pacato que Lobato desenvolveu sua verve literária, antes apenas ensaiada nos interregnos da vida acadêmica.

O jornalista e escritor Audálio Dantas, dentre outras obras de destaque, escreveu O Chão de Graciliano, quando reviveu passagens do autor de Vidas Secas nas terras das Alagoas.

Foi dele, e com sua expressa permissão, que tomamos a ideia de O Chão de Lobato, agora para abordar exclusivamente os temas que nos afloram e fazem-nos crer na magnitude da influência que teve o ambiente interiorano na vida literária do autor de Urupês.

Para divagar sobre isso vamos tomar as próprias palavras de Lobato, transcritas em sua vasta correspondência enfeixadas em “A Barca de Gleyre” e “Cartas de Amor”, numa tentativa de fugir aos assuntos já muito bem abordados por autores do mais alto gabarito, como Vasda Landers (De Jeca a Macunaíma: Monteiro Lobato e o modernismo), Marcia Camargos (Juca e Joyce: memórias da neta de Monteiro Lobato), Alice Koshiyama (Monteiro Lobato: intelectual, empresário, editor), Edgard Cavalheiro (Monteiro Lobato: vida e obra) e Marisa Lajolo (Monteiro Lobato: um brasileiro sob medida), para não dizer de muitos  outros que vasculharam e interpretaram a obra do escritor de Cidades Mortas.

Para nos fixar nas duas obras sobre as quais vamos nos debruçar, como foi dito acima, palmilharemos a longa correspondência enviada por Lobato a José Godofredo de Moura Rangel, editada em “A barca de Gleyre”, e nas Cartas de Amor, que coleciona as cartas enviadas para Maria da Pureza Natividade, com quem veio a se casar.

A correspondência enviada para Godofredo Rangel abrange o período de 1903, quando Lobato cursava Ciências Jurídicas, em São Paulo, até 23 de junho de 1948, véspera de São João, poucos dias antes de sua morte.

A segunda obra de nossa referência, “Cartas de Amor”, foi editada em 1969 e abrange o curto período de 1906 a 1908, quando Lobato descreve os encantos de seu namoro com Purezinha.

Então, para não mais entediar o leitor com tantas datas, encerramos por dizer que vamos nos ater ao período de 1903 a 1917, quando Lobato se transfere para São Paulo, após a vender a fazenda que herdara do avô.

Prepare-se o leitor, então, para navegar a bordo dessas cartas ao longo de quase quinze anos, passando por muitas tempestades e calmarias, as quais, como acreditamos, foram decisivas para a moldagem literária de Monteiro Lobato.