Eles estavam ali bem em frente a mim, sentados junto a uma mesa da praça de alimentação no jardim daquele hospital-maternidade. Casalzinho jovem, lindo, ela visivelmente grávida, com uma bonita barriguinha já de uns oito meses, pés um pouco inchados, rosto ligeiramente manchado e lábios entumecidos, coisas de gravidez. Ambos tinham aparência de pessoas de classe média. Não comiam nem bebiam nada. Sobre a mesinha estava um grande envelope branco com timbre de algum laboratório médico, certamente contendo exames.

Os dois discutiam em voz baixa mas acaloradamente e ela, muito exaltada, de vez em quando punha diante do rosto dele um dedo em riste como se o ameaçasse, quase o encostando no nariz, do qual ele se afastava e desviava o rosto. Estavam muito zangados.

Uma funcionária do hospital se aproxima com um papel e o entrega a ela, que o olha com ares de pouco caso e o põe dentro do envelope branco. Ele não dá ao fato nenhuma atenção, a funcionária vai embora e a discussão recomeça, sempre em voz baixa mas dando para se perceber que o clima entre os dois estava péssimo. Ele fumava e jogava fumaça pra todo lado, pouco se lixando para o estado delicado da mulher.

Em nenhum momento ele olhava para o rosto dela, o que dava para se perceber que o fato a irritava muito, pois constantemente ela tentava encontrar o olhar dele e quase encostava o seu rosto no rosto dele para que  a encarasse, mas ele imediatamente virava-se para o outro lado. Percebi o ar de desprezo do rapaz nos raros momentos em que levantava a vista, quando olhava de soslaio para a mulher e esboçava um sorriso sarcástico, e percebi também o jeito raivoso com que ela também o olhava.

Permaneceram por um longo tempo em silêncio e ele, com os cotovelos sobre a mesa, sempre fumando, apoiava a cabeça entre as mãos e ficava olhando para baixo. Os dois não se tocavam e nem se olhavam e repentinamente, sem falar nada ela se levanta e rapidamente vai embora chorando, com aquele andar banzeiro pendendo pra um lado e pra o outro, carregando aquele barrigão enorme. Depois de muito tempo ele também se levanta e apressadamente segue na mesma direção que ela tomou. E eu como mulher, relembrando os meus tempos de barriguda fiquei ali muito triste, me sentindo como se estivesse no lugar dela.

Jamais eles imaginariam que eu, com o coração cheio de pesar e com esta alma de escritora, sentada à uma mesa próxima, com um pequeno caderno de anotações e uma caneta, disfarsadamente escrevia sobre o drama melancólico que se desenrolava à minha frente.  

Não os vi mais. Fiquei ali ainda por algum tempo, sentindo o coração pesado e confesso que até perdi o apetite para o almoço, imaginando o que poderia sentir uma criança que lentamente estava se desenvolvendo dentro do útero daquela jovem mulher cujo estado emocional, sem nenhuma dúvida estava sendo transmitido ao filho que estava gerando, o qual antes mesmo de ver a luz, já estava ouvindo os tremores do mundo em que iria viver.

Talvez sim talvez não, mas essa criança bem poderá vir a ser mais uma vítima dessas inúmeras uniões desastrosas em que os pais, criminosamente se unem apenas pelas emoções carnais do momento, mas só depois percebem que erraram e que até mesmo se detestam, mas a vítima desse crime já está a caminho, e sem culpa de nada já está sendo o pivô de desentendimentos que, em algumas vezes têm desfechos desastrosos.

Meu desejo é que tudo não tenha ido além de uma daquelas briguinhas por causa de uma bobagem qualquer, até mesmo por causa da cor do berço ou das paredes do quarto do bebê, ou porque a sogra quer que a criança se chame Nicolau ou Damiana, nome dos avós,ou porque o marido tenha dado demasiada atenção à faceira enfermeirinha do hospital, com aquela cinturinha fina que ele tanto admira. Coisas passageiras de mulheres gravidíssimas, nervosas e enciumadas por estarem buchudas, gordas e de pés inchados. Tomara que aquela criança tenha vindo ao mundo com o poder de dissipar as trevas que naquele momento estavam escurecendo o céu daqueles que o estavam trazendo ao mundo. Foi, naquele momento, tudo o que pude fazer por eles. Esta oração.  

Júnia - 2011