O canto primaveril dos pássaros.

 

Numa manhã qualquer de primavera dava para ouvir de longe o belo canto dos pássaros. Era um canto alto e já muito famoso: era o canto dos sabiás. Eles cantavam com a harmonia de um orquestra afinadíssima quando é conduzida por um maestro habilidoso, porém faz isso sem precisar treinar e repetir as notas por diversas vezes até lhes causar exaustão e assim chegar a seu objetivo. Para esses seres tudo é mais simples, o canto é algo natural!

Foi com essa sonoridade encantadora que a doce e sonhadora Emily acordara. Curiosa para poder observar os pássaros pôs-se de pé ainda meio sonolenta e friccionando o dedo indicador em um de seus olhos para obter melhor visão e compreensão das coisas ao seu redor. Seguiu atravessando o quarto que ficava nos fundos da casa e não lhe permitia acompanhar o espetáculo que se iniciara no céu.  Com os pés descalços atravessou o pequeno corredor com paredes brancas e foi até a varanda onde ela podia avistar o céu com exatidão.

Era uma varanda relativamente ampla, não havia muitas coisas lá. Tinha um pequeno jardim com flores comuns, mas que tornava o ambiente mais agradável e aconchegante. Existiam cores variadas e o perfume dessas flores ao se misturar traziam uma sensação de paz, de encontro com a natureza. Na frente da casa tinha uma árvore que servia de ninho e segurança para aqueles alegres pássaros. Era essa a grande busca de Emily, ela queria encontrar algo que só poderia existir dentro dela mesma: a paz. Almejava ver a paz materializada através da natureza, dos sentimentos que ela despertava em seu ser a partir dos sentidos humanos.

Emily ouvia os poetas falarem do canto dos pássaros de forma tão inusitada e ressaltando sempre a emoção que estas pequenas aves deviam sentir para poder elaborar cantos tão atraentes, tão adoráveis. Ela gostava dessa ótica poética, embora tenha escutado e lido muitas informações sobre o porquê de os pássaros cantarem. Sabia reconhecer as teorias da biologia em relação a esse tipo de comportamento, não que ela conhecesse de forma aprofundada, apenas sabia o suficiente para discernir. Era uma mulher que gostava de conjeturar as coisas de forma mais carinhosa e mais leve.

Sua cor era de um tom bronzeado, pois gostava de se encontrar com o sol em seus passeios vespertinos, quando por necessidades de distração e lazer ia caminhar sem direção pré-estabelecida e sem horário para voltar. Sua boca de cor rosada dava um contorno bonito ao seu sorriso que saía sem nenhum porquê. Tinha cabelos que davam ideia de movimento e que sempre se mostravam frente a sua face para aprimorar aquela obra de arte que a natureza esculpira. Estava vestida ainda em seu baby-doll que deixava seu corpo parcialmente à mostra. Seus seios firmes e arrepiados pareciam setas que indicavam um caminho prazeroso através daquele tecido de toque macio e com detalhe de renda no decote.

Permaneceu na varanda por horas em verdadeira adoração. Seus olhos sorriam junto com os lábios e todo o corpo. Antes daquela manhã, esteve em um encontro maravilhoso com um alguém que ela conhecera quase que por acaso. Digo isso porque havia uma intenção de conhecer alguém, mas nunca havia passado por sua mente, mesmo sonhadora, que encontraria alguém tão especial. Alguém que a fizesse ver e contemplar o belo de forma tão poética, tão boa. A música que os sabiás entoavam chegavam aos seus ouvidos com profunda magnitude que a deixava paralisada enquanto sentia todo sangue se agitar e percorrer por suas veias e artérias mandando a informação de que seus hormônios estavam acesos.

Nesse momento ela lembrava do que lera antes sobre o canto primaveril dos pássaros. Sabia que eles nessa época buscavam não apenas cantar para definir território, afugentar inimigos, estabelecer superioridade sobre os intrusos, mas principalmente, queriam atrair as fêmeas, suas possíveis parceiras para que pudessem se acasalar e construir o que fora programado pela sua natureza. Emily se flagrou rindo ao lembrar tais informações e começou uma verdadeira maratona de analogias. Pensou no quanto aquele encontro mudara sua vida, suas vontades, seus sonhos, seus desejos. Ela se viu naquele instante igual aos pássaros que cumprem uma programação genética para continuar sua espécie.

Houve um tempo em que ela questionou por diversas vezes tal programação quando seguida pelos humanos, pois eles poderiam escolher e não fazia sentido nenhum fazer algo porque parecia o natural, o esperado para todos e por todos. Ser mãe, na opinião dela, por exemplo, parecia um fardo muito grande e o amor incondicional era para ela uma verdadeira loucura que causava dependência na mente humana.  Mesmo sonhando em construir uma história linda, ela jamais pensou em qualquer forma de amor que não lhe desse direito a escolhas. E agora se encontrava em meio aquelas vontades, querendo seguir o que a genética estava programada para fazer. Se via querendo as mesmas coisas simples que os passarinhos, e por isso tamanha era a idolatria pelo canto dos pássaros.

Emily vive agora com outros sonhos, com novos olhares em relação a tudo. Ela nunca hesitou mudar, mas não sonhara que desejaria intensamente algo que antes lhe parecia absurdo. Seu amado que há pouco chegara em sua vida tem feito mudanças significativas, mas não é só isso, ele tem explorado e contemplado todas as qualidades dela e isso a tem feito refletir sobre todos os sonhos que um dia sonhou e o melhor de tudo é que não são apenas sonhos agora, é tudo real. Somos como pássaros que cantam para todas as finalidades já apresentadas antes, mas somos pássaros felizes de verdade quando cantamos na primavera, quando com o canto atraímos para perto de nós os nossos sonhos, quando o amor escolhe pousar e morar em nosso ninho.