O canto do galinho garnisé
Por Carlos José Esteves Gondim | 13/08/2021 | CrônicasDesperto quase diariamente com um cantar diferente e de certa forma inesperado: O canto de um galinho garnisé. Começa por volta das quatro e meia da madrugada e não para mais dia afora. Pelo som que me chega sei que é um galo garnisé – já tive vários, tempos atrás, quando era sitiante. É uma raça de galináceo cujo tamanho é bem menor que das galinhas domésticas comuns. São criados mais como decoração ou ornamentação do terreiro do que para qualquer outra finalidade econômica. Pela intensidade do som que escuto sei que está bem próximo. Certamente de um vizinho ao prédio onde moro, mas até agora não vi onde o mesmo está. As casas ao redor, pouquíssimas delas têm quintal. Umas com micros quintais sem chão com terra e plantas, outras, na verdade, são áreas destinadas à lavanderia, churrascaria, depósito, etc. Já dei várias olhadas mais acuradas em diferentes períodos do dia, mas em vão. Escuto o som, porém, o seu autor, não. É um canto melancólico, extremamente melancólico e triste. Cocorocó!!! Completo. Tem início, meio e fim, mas repito: extremamente melancólico e triste. Ele continua a cantar durante a manhã toda e até a tarde! – Será que está chamando uma companheira para o acasalamento? – conjecturo eu. – Ou será que está triste por estar preso em uma gaiola? – Continuo a especular… – Que mensagem ele está transmitindo? Pesquisei no Prof. Google a existência de algum aplicativo que convertesse os sons do galinho em palavras, frases e textos humanos. Achei um aplicativo para cães, isso mesmo: tradutor para cachorro! Quero saber o dia em que a Humanidade traduzirá o horror da fome, da tragédia das guerras e dos males que assolam ainda hoje, uma grande porção dos seres humanos!
Digo que é inesperado porque moro em meio urbano e como disse acima, tem pouquíssimos quintais nas casas ao redor. Escuto eventualmente, sim, outros cantos. São aves que certamente estão se adaptando ou já se adaptaram ao ambiente urbano onde a luminosidade noturna é muito intensa, ruídos de buzinas e veículos, além dos infernais sons automotivos frequentes na redondeza, especialmente estacionados em postos de combustíveis e praças. Os sabiás-laranjeiras começam a cantar também no clarear do dia. Mas estes cânticos são musicais, harmoniosos e gostosos de se ouvir. Lembram das matas e dos cenários naturais que a cada dia ficam mais distante daqui. As pipiras e sanhaços, idem. Alguns desses fazem ninhos em caixas de ares-condicionados ocupadas ou não no prédio, outros em postes de energia elétrica, ou nos beirais de casas, ou ainda, em alguma eventual árvore de arborização pública ou dos raros quintais, como forma de sobreviverem na selva de pedra. Sem esquecer, é claro, dos que os tem como animais de estimação, os pets em gaiolas.
Mas de todos os sons que escuto, o do galinho garnisé é o que mais me chama a atenção e me impressiona. Parece que ele está mandando uma mensagem para os humanos:
“– Cuidem-se! Comuniquem-se! Conversem! Exercitem a tolerância, o trato com seu vizinho! Deem bom dia! Falem um ‘como vai’ sincero, ao cruzar com alguém! Deixem de ser egoístas e individualistas! Visitem seus vizinhos, mesmo que seja de forma virtual nesses tempos pavorosos de pandemia! Usem suas redes sociais para expressar a amor, carinho e solidariedade verdadeiras, autênticas, sem exibicionismo ou falsas filosofias!”
Assim, traduzo, do fundo de meu coração, sem uso de aplicativos, esse canto que me vale mais do que mil palavras ou bites. Espero que um dia finalmente eu o localize. Mas se isso não acontecer, já me darei como recompensado em ter “traduzido” o seu canto melancólico e triste. O canto do galinho garnisé!