Quando o rio Amazonas enche anualmente, transborda de seu leito e avança na imensa planície aluvial. Duplica ou quem sabe triplica sua largura. É o tempo da cheia. Temida pelos ribeirinhos mas que trás consigo a dádiva milenar da fertilidade natural das porções de terra e água por onde passa. Terminada a enchente, a festa começa para uma enormidade de seres vivos, como peixes e os homens que habitam os ambientes ai existentes. É quando as árvores da várzea e do igapó começam a frutificar.É quando, enfim, a fartura de alimentos para a fauna e para os homens se dá. Foi nessa época que se passou esta história.

               Dois velhos amigos tinham saído para zagaiar. Embarcaram em uma montaria e tomaram o rumo do igapó. Estavam apreensivos, pois a canoa era velha e fazia muita água. Isso porém, não foi motivo suficiente para impedir a empreitada.

               Canaranas flutuantes davam passagem para a pequena embarcação. O  remo cortava a água com a perfeição de uma lâmina e lá iam eles. Das árvores do igapó vez por outra viam enormes camaleões saltando de um galho para outro, espantados que ficavam com  aproximação do seu temível predador, o homem. Contudo, o objetivo dos dois não era os répteis comestíveis, mas sim os peixes.

               Um tucunaré foi zagaiado. Fez a festa dos amigos. Mais um. A pescaria era um sucesso. Foi quando, inesperadamente um camaleão mais afoito saltou. Já tinha acontecido antes, do bicho ao pular errar o alvo e cair na água. Desta vez, porém, o aloprado camaleão não caiu nem na água nem no ramo alvejado. Caiu dentro da canoa dos destemidos pescadores. Um princípio de pânico se fez. O que acontecera?

               O Dionísio largou o remo apressado. O Werneck imediatamente pulou na água. Será que a canoa iria afundar? Estes pensamentos voaram nas mentes dos dois amigos. Passado o susto perceberam que o réptil continuava dentro da canoa. A cauda balançava oscilantemente. As pernas traseiras se agitavam no ar. A cabeça... Onde estava  a cabeça e os membros anteriores do mimético animal? Viram surpresos que o bicho tinha transpassado com a parte de seu corpo o fundo da canoa, exatamente por onde tava entrando água, muita água. Metade dentro, metade na água. E ai? Se tirassem o bicho a canoa iria afundar, tal era o tamanho do rombo que iria ficar. O que fazer então? O Werneck, que boiava seguro na beirada da canoa teve um ideia: Por que não cortar o bicho por baixo da canoa e depois fazer o mesmo por dentro da mesma? Assim o buraco ficaria fechado com  a bucha que o bicho se transformaria. Dito e feito. E seguiram na pescaria, agora acompanhados de mais um tripulante, ou melhor, de um pedaço do que restou dele. Sãos e salvos!