O BULE COR DE ROSA
Publicado em 01 de março de 2009 por Zu Fortes
Minha avó era alemã. Fugiu de sua pátria amada, durante os horrores da primeira grande guerra. Aos meus olhos de criança, ela nunca foi jovem; minhas lembranças me conduzem a uma velha senhora de pequenos e apagados olhos azuis, pele rugada pelo tempo e coluna bem curvada. Mas, tinha uma energia invejável. Cultivava uma pequena horta no fundo do quintal; cozinhava e cuidava da casa com prazer e competência. Moraram com ela, por algum tempo, um filho, nora e netos, até que a nora foi-se com as duas crianças. Sobrou para ela o fardo do filho alcoólatra, que ninguém mais do que a mãe poderia carregar. Tio Kali bebia até cair, mas, quando estava sóbrio, era um homem simpático, culto e um excelente marceneiro. Como não parava em nenhum emprego, fazia serviços avulsos para vizinhos, amigos e parentes.
Eu amava a minha oma. Ela sempre esperava nossa visita com gostosas cucas de morangos colhidos no quintal, pães e biscoitos caseiros. Para as crianças havia ainda sucos de frutas frescas. Eu era fascinada pelo enorme bule cor de rosa, enfeitado com passarinhos e borboletas. Posto sobre a chapa do fogão a lenha, soltava vapores no ar e aguardava altivo a hora do chá das senhoras. Vovó não conseguia falar algumas palavras da nossa língua: pão virava pon, e a tia Eva virava Efa. Os netos teimavam em ensinar-lhe a pronúncia correta. Ela tentava várias vezes, até que desistia e caía na risada. Gostava de assistir ao Programa Sílvio Santos todos os domingos, era quase uma religião. E, querendo dividir com os outros sua alegria, chamava: fem fer, fem fer. Comprava regularmente o Carnê do Baú, para concorrer a prêmios. E, de tanto insistir, foi sorteada. Foram a São Paulo, ela e outra neta, com todas as despesas pagas. Participou do programa ao vivo e ganhou um televisor – sonho de consumo daquela época.
Quando terminei o Ensino Médio, fiz um intercâmbio e passei alguns meses fora do país. Minha oma morreu e eu nem pude me despedir dela. Quando voltei ao Brasil, a casa estava toda mudada: havia móveis modernos misturados com a antiga sala de jantar, e louças e panelas novas na cozinha. A casa tinha uma nova dona. Tio Kali, incapaz de morar só, havia levado uma namorada para viver com ele, e nós já não éramos tão bem-vindos. Os objetos pessoais de minha avó foram retirados da casa por minha mãe e minha tia. Pedi à mãe que me desse o bule rosa. Ela me deu dois livros de histórias infantis, que a oma costumava contar para nós. Mas, eu queria o bule, que me fazia sentir o sabor das cucas e o aroma dos biscoitos e pães. Procurei por ele em vão, pois a oportunista que tomou conta da casa de minha avó sumiu com tudo o que, para ela, não passava de caco velho. Numa das tantas bebedeiras de meu tio, durante o curto período das novas núpcias, ela chamou um caminhão de frete e foi-se embora para sempre, levando as antiguidades que compunham a sala de jantar de minha avó, e deixando lá apenas seus modernos móveis laminados.
Depois de anos, resgatei o bule rosa numa moita do quintal. Caído e humilhado, com o bico cheio de terra, enfiado no que fora um dia o canteiro de hortênsias. A borboleta morrera, e os passarinhos, já depenados, esperavam pelo meu socorro.
Eu amava a minha oma. Ela sempre esperava nossa visita com gostosas cucas de morangos colhidos no quintal, pães e biscoitos caseiros. Para as crianças havia ainda sucos de frutas frescas. Eu era fascinada pelo enorme bule cor de rosa, enfeitado com passarinhos e borboletas. Posto sobre a chapa do fogão a lenha, soltava vapores no ar e aguardava altivo a hora do chá das senhoras. Vovó não conseguia falar algumas palavras da nossa língua: pão virava pon, e a tia Eva virava Efa. Os netos teimavam em ensinar-lhe a pronúncia correta. Ela tentava várias vezes, até que desistia e caía na risada. Gostava de assistir ao Programa Sílvio Santos todos os domingos, era quase uma religião. E, querendo dividir com os outros sua alegria, chamava: fem fer, fem fer. Comprava regularmente o Carnê do Baú, para concorrer a prêmios. E, de tanto insistir, foi sorteada. Foram a São Paulo, ela e outra neta, com todas as despesas pagas. Participou do programa ao vivo e ganhou um televisor – sonho de consumo daquela época.
Quando terminei o Ensino Médio, fiz um intercâmbio e passei alguns meses fora do país. Minha oma morreu e eu nem pude me despedir dela. Quando voltei ao Brasil, a casa estava toda mudada: havia móveis modernos misturados com a antiga sala de jantar, e louças e panelas novas na cozinha. A casa tinha uma nova dona. Tio Kali, incapaz de morar só, havia levado uma namorada para viver com ele, e nós já não éramos tão bem-vindos. Os objetos pessoais de minha avó foram retirados da casa por minha mãe e minha tia. Pedi à mãe que me desse o bule rosa. Ela me deu dois livros de histórias infantis, que a oma costumava contar para nós. Mas, eu queria o bule, que me fazia sentir o sabor das cucas e o aroma dos biscoitos e pães. Procurei por ele em vão, pois a oportunista que tomou conta da casa de minha avó sumiu com tudo o que, para ela, não passava de caco velho. Numa das tantas bebedeiras de meu tio, durante o curto período das novas núpcias, ela chamou um caminhão de frete e foi-se embora para sempre, levando as antiguidades que compunham a sala de jantar de minha avó, e deixando lá apenas seus modernos móveis laminados.
Depois de anos, resgatei o bule rosa numa moita do quintal. Caído e humilhado, com o bico cheio de terra, enfiado no que fora um dia o canteiro de hortênsias. A borboleta morrera, e os passarinhos, já depenados, esperavam pelo meu socorro.