Foi na região do alto sertão, na qual o sol nasce vencendo as trevas noturnas, iluminando todo o horizonte, avisando o resplendor do novo dia que está surgindo. Porém, num amanhecer do mês de abril a muitas luas, algo diferente ocorreu... O outono chegara mais gélido que o de costume, os ventos frios sopravam por todo lado, o tempo nublado escondia o Sol e espalhava o presságio da tempestade que viria a cair, o que muitos tinham como bons sinais, mas, não era o que veio a ocorrer. Neste dia, a jovem Valéria Maria, filha mais nova de Dona Veridiana, conhecida por todos como DonAna; foi levar-lhe o café da manhã como o de costume, pois DonAna era uma mulher de hábitos simples e apesar da idade um pouco avançada, acordava antes do galo cantar; e ao entrar no quarto, não a encontrou, assustada, largou a baixela no chão e percorreu a casa a sua procura, encontrando-a na varanda, sentada, observando a vastidão de terra a sua frente, e perguntou-lhe: - Mãe, que susto a senhora me deu, por que está aqui fora tão cedo? DonAna nada respondeu, permaneceu apenas parada, quase catatônica, e Valéria chamou-lhe novamente: - Mãe, a Senhora está bem? Mãe... Repentinamente, DonAna rompeu o silêncio e gritou: - Valéria, Valéria, venha aqui... Prontamente Valéria que estava a seu lado respondeu: - Estou aqui mãe, o que foi que aconteceu? Por que a Senhora está aqui? DonAna apenas falou: - Traga-me todos até o meio-dia para que eu possa lhes falar... Dizendo isto DonAna cerrou os olhos e ficou parada, como se nada mais a importasse. Observando sua mãe naquele estado, Valéria tentou conversar com ela em vão, e ao perceber que lagrimas percorriam-lhe a face, foi fazer o que sua mão lhe ordenará. Sob a chuva torrencial que caia, entre relâmpagos e trovões, selou o velho alazão e saiu em disparada a procura de seus irmãos. DonAna sentada na varanda observava a chuva que caia e aos poucos foi se perdendo em sua memória, voltando ao passado, precisamente aos seus 14 anos, ela se via novamente linda, com os belos cachos negros ao vento, correndo em frente de sua casa, como fazia todas as tardes, mesma época que conhecerá seu marido, um bom homem que tinha 25 anos, Inocêncio, com quem seus pais queriam que se casasse, pois era costume as jovens se casarem novas, mesmo sem querer, por obediência a seus pais, elas eram obrigadas a aceitar. Inocêncio era um homem de muitas posses, filho do Coronel Macário, o mais respeitado e temido da região. Porém diferente da maioria dos filhos dos coronéis, que faziam tudo o que queriam, mandando e desmandando, utilizando a força e violência quando necessário, Inocêncio era calmo, educado, sempre cordial, por quem DonAna logo se enamorou, tornando-se uma imensa alegria casar-se com ele. Entre uma lembrança e outra, DonAna retornava ao presente e se perdia novamente em sua doces e amargas recordações. Pouco mais de um ano após conhecer Inocêncio, estavam se casando, foi uma grande festa, onde todos da região foram convidados, vindo gente até da capital para celebrar a união do casal. DonAna então relembrou o nascimento de todos os filhos, a primeira foi uma bela menina, que recebeu o nome de Maria Joaquina, que deu muito trabalha para vir ao mundo, muito diferente do segundo filho, agora um belo menino, que recebeu em homenagem ao pai o nome de José Inocêncio, que pouco mais de um ano foi seguido por José Manoel, o mais danado e inquieto de todos. Passou-se então seis belos anos até o nascimento da Maria Isabel que também veio seguida pouco mais de um ano de Maria Do Carmo. E quando DonAna já acreditava que não viria a ter mais nenhum filho, nasceu Valéria Maria com quem vive até hoje. Sua vida sempre foi repleta de boas recordações, mas, como toda vida, sempre há fatos que marcam e são tristes, um dos fatos mais marcantes de sua bela e longa vida foi o acidente automobilístico que veio a matar Manoel e sua esposa, grávida de 6 meses, que no caminho até sua casa, vinho visitar-lhe, para desviar de um carro-de-boi que surgira numa curva, acabou capotando. Após este trágico acidente, Inocêncio ficou um pouco amargurado, afinal, os filhos devem enterrar os pais, e não ao contrario, vindo a ficar doente e faleceu 3 anos depois, deixando DonAna sem saber o que fazer, já que seu falecido marido era tudo para ela, ele fazia todos os gostos e vontades dela. E se não fosse pela força dos filhos que ficaram ao seu lado, talvez ela mesma também tivesse vindo a falecer. Com o tempo, as feridas foram cicatrizando, e o trabalho a fez dar a volta por cima, passando a cuidar de tudo ela mesma. Enquanto DonAna se perdia em lembranças, Valeria chegava a casa de sua irmã Do Carmo, que morava numa fazenda próxima, que ao ver sua irmã naquele estado, ficou com um mal pressentimento, e perguntou logo: - Valéria aconteceu algo com a mãe? E Valéria respondeu: - Ela está estranha, quer que todos venham para casa. Imediatamente Do Carmo ligou para Inocêncio e pediu-lhe que chamasse Joaquina e Isabel, que moravam na cidade, pedindo-lhes que largassem tudo e viessem com urgência para a casa da mãe. Do Carmo sabia que com tanta chuva, as estradas estariam péssimas. Inocêncio sabia que Joaquina não estava bem de saúde, então preferiu ir pessoalmente buscá-la para irem juntos e ligou para Isabel, informando-a do pedido de sua mãe. Todos ficaram muito apreensíveis com o chamado da mãe, afinal ela não era de fazer muito alarde sobre o que acontecia, mas neste dia, todos sentiram um grande aperto no coração, e sabiam que o que quer que seja que sua mão diga, será muito importante. Enquanto Valéria retornava com Do Carmo, Anastácia, uma antiga serviçal e grande amiga de DonAna, preparava-lhe um caldo que ela costumava tomar no meio da manhã, e quando chegou na varanda, encontrou-a dormindo, e foi a acordar. - DonAna, DonAna, o seu caldo está pronto. DonAna? DonAna parecia ter despertado de um sonho e disse; - Anastácia, chame Valéria, diga-lhe que temos que sair para cumprir nossas obrigações. Estranhado o que falava DonAna, Anastácia argumentou: - A senhora vai sair neste tempo? Está chovendo muito, as estradas não estão boas, carro não está passando. DonAna nem deu ouvido, apenas retrucou: - Qual é o problema, é só uma chuvinha à toa, e chuva só faz bem para a terra. - DonAna está chovendo demais. Disse-lhe Anastácia. - Não fales mais besteira, Deus manda a chuva para a prosperidade de todos, apeie meu cavalo que irei assim mesmo. Anastácia apenas concordou e se retirou. Voltando a deixar DonAna só com seu pensamentos. E ela começou a relembra a ultima noite, que foi mal dormida, e sentada, foi refletir sobre sua vida, o que ela havia feito até então. Sabia que era uma mulher muito rica, desde berço e ficou ainda mais com bom casamento com Inocêncio. Mas ela queria saber se havia utilizado bem toda a riqueza de família, todos os filhos tinham seus estudos concluídos, que diferente dela, que apenas completou o colegial. DonAna mantinha um instituto beneficente que receberá seu nome Lar DonAna e que cuidava dos idosos abandonados pelas famílias, onde eram recebidos com festa e acolhidos com muito carinho e ternura. Valéria que se formará em medicina, cuidava da saúde de todos. E antes de se perder em seus pensamentos novamente, DonAna chamou Anastácia, que sabendo que Valéria ainda não havia voltado, disse-lhe: - DonAna, Valéria pediu que a senhora não saísse, e me dissesse o que quer, que ela mesma irai providenciar. DonAna então lhe falou: - Peça para que ela vá ao instituto e dê um ultimo beijo em todos que lá vivem por mim. Anastácia entrou em casa assustada, pois nunca ouvirá DonAna falar daquela forma. Como Valéria ainda não havia voltado, foi ela mesma ao Lar DonaAna, que avia crescido muito nos últimos anos com o crescimento das cidades circunvizinhas, e com a ajuda de outros amigos fazendeiros da região. E ao chegar ao instituto, encontrou vários idosos muito tristes, e imaginou que haveria de ser culpa do mal tempo, porém ficou sabendo que alguém disse que algo de estranho estaria ocorrendo. Empalidecida com o que veio a sua mente, deixou o recado com uma das assistentes encarregadas do Lar e retornou imediatamente a casa grande, adentrando pela área de serviço, passando pela cozinha, correndo pelo corredor que parecia não ter fim, ultrapassando a sala de estar colonial, chegando à varanda imperial, onde DonAna dormia suavemente, o que a deixou mais clama e preocupada ao mesmo tempo. Retornando a cozinha, onde tinha deixado Cremilda e Maria preparando o almoço, já sabendo que as duas gostavam muito de conversar e com isso atrasavam todo o serviço, e ao entrar no recinto Maria veio logo dizendo: - Dona Anastácia, escute só o que Cremilda chegou contando? -O que foi que Cremilda disse Maria, fale logo! Retrucou Anastácia. Cremilda logo se defendeu: - Eu não disse nada não Dona Anastácia, já estou indo cuidar da roupa suja. E antes dela sair, Anastácia a parou e falou: - Diga logo o que está acontecendo aqui? Ou conto tudo para Valéria quando ela chegar. Cremilda pedindo para que Anastácia não conte nada disse: - Vou falar logo, já que a senhora quer mesmo saber. Hoje bem cedo, falaram que ontem à noitinha, uma mortalha passou por cima da casa grande, rasgando e trincando, e o povo sabe, que quando ela faz isso, é sinal que alguém vai morrer logo, e isso se espalhou feito rastro de pólvora, e as rezadeiras e as choradeiras da região já estão esperando para ver quem vai ser desta vez. Anastácia logo fala: - Cremilda deixar de conversa e fofoca, porque isso é apenas folclore, vá já terminar o seu serviço, porque eu não quero mais nenhuma conversa deste tipo por aqui. Neste mesmo momento, Valéria e Do Carmo chegam a casa, preocupadas com a mãe, e ao subirem a varanda, observam que ela dorme calmamente, e vão conversar com Anastácia para saber o que se passou enquanto estavam fora, informadas sobre tudo que ocorrido ficam preocupadas se todos irão chegar a tempo. Seus pensamento vão para Maria Joaquina, que estava muito adoentada, e assim, ficaram com dúvidas se ela conseguiria vir. Quando observam o relógio da sala, percebem que o dia estava correndo muito mais rápido que o de costume, e faltava pouco para o meio-dia, e ao irem ver o que sua mão gostaria de almoçar, veem Isabel chegando em sua camionete, que ao descer do veiculo, deixou a porta aberta, mesmo sob a forte chuva, correu subindo as escadas da varanda e abraçou suas irmãs, perguntando o que tinha ocorrido com sua mãe, vendo que ela dormia calmamente, fica assustada e ao mesmo tempo calma. E informa que Inocêncio fora buscar Joaquina, e devem estar para chegar. Apreensiva pela demora dos irmãos, Valéria vai saber o que sua mãe gostaria de almoçar, já que ela sempre foi muito rígida com os horários das refeições, e ao perguntar, ela escuta de DonAna: - Minha filha, eu só irei almoçar hoje quando todos estiverem presentes, vá buscar seus irmãos... Avise a Inocêncio que busque Manoel também. Muito assustada com o que sua mãe falou, Valéria vai pedir a Anastácia que vá buscar o Dr. Paulo, porque a mãe não está nada bem. Já com lagrimas nos olhos, ela conta as irmãs o que sua mãe falou e todas ficam com o coração apertado. Anastácia faz o que lhe pedem, e vai buscar o Dr. em sua casa, que é próxima dali, a menos de 5 quilômetros. Do Carmo e Isabel começam a rezar para que DonAna fique bem, que o médico chegue logo, e que Inocêncio e Joaquina não tardem. Anastácia chega a casa do Dr. Paulo e lhe pede: - Dr. pelo amor que o senhor tem a Deus, venha correndo até a casa de DonAna, ela não está bem, acordou estranha, com uns pedidos esquisitos, e todos estão muito assustados lá. Prontamente o médico parou de almoçar, pegou sua valise, e foi para a caminhonete, mandando Anastácia deixar o cavalo ali mesmo, e subisse no carro, para poderem ir mais depressa, e Anastácia atendendo o que o médico disse, amarrou o cavalo e subiu no carro toda molhada. Saindo na mesmo hora para socorrer DonAna. Quando Chegaram lá, encontraram na entrada da fazenda Inocêncio e Joaquina, e ao entrar na casa grande, Valéria pediu que o Dr. fosse logo ver como estava sua mãe, e foi conversar com seus irmãos que acabaram de chegar junto com o Dr. para lhes contar tudo o que ocorreu neste triste manhã. Dr. Paulo vai até a varanda onde se encontrava DonAna, e ao tocar nela, ela acordou, olhou para o Dr. e perguntou: - Dr., todos os meus filhos estão aqui juntos? - Sim DonAna, todos eles estão aqui como a senhora pediu, por quê? O que a senhora quer falar para eles? Questionou o bom doutor. DonAna então falou: - Eu tive um sonho, onde todos estavam juntos, para me ver. Neste instante, DonAna olha para o lado do Dr. e diz: - Que bom que vocês também puderam vir! O Dr. olha para seu lado e não ver nada. E vai chamar toda a família, pedindo-lhes que falem com calma com DonAna, e que ela pode pensar que tem mais alguém além deles lá. E ao irem até a varanda, todos observam que DonAna esta quieta, e o Dr corre para examiná-la, e percebe que ela não respirava mais, que seu corpo estava frio, e que lagrimas corriam pelo rosto, com um sorriso sereno, e informa que nada mais pode ser feito, que DonAna, só estava esperando que todos os filhos se reunissem para poder descansar em paz. Todos os filhos começam a chorar, e abraçam o corpo gélido da mãe, como se assim pudessem se despedir melhor dela. E todos ali presentes sentem uma paz muito grande, e apesar de DonAna ter falecido, sua alegria de viver ainda estava presente, então, Valéria chorando pede a Anastácia: - Anastácia, avise a todos que DonAna se foi, que a chuva lave nossos rostos neste dia triste, e que sua memória fique viva para sempre. Fim.