Por isso a concepção de Igreja é de porta-voz oficial, fiscal e agente onde o exemplo de Cristo invoca a responsabilidade humana de estruturar a vida de acordo com os ensinamentos cristãos. Gil Vicente ainda procura incentivar às almas a propagar a fé, a viver humildemente, e que a cima de tudo, seja desenvolvida a solidariedade. A Igreja é eleita como santa estalajadeira, como curandeira dos males das almas em seus destinos terrenos. Assim reitera-se a posição maternal da Igreja, a paternal do Padre e protetora do Anjo. A fim de legitimar a prática de proteção e vigilância do Anjo, Gil Vicente elabora o profundo clamor da alma:

ALMA

Anjo que sois minha guarda,
olhai por minha fraqueza
terreal!
de toda a parte haja resguarda,

...

Cercai-me sempre ò redor
porque vou mui temerosa
de contenda.

Ó precioso defensor
meu favor!

Vossa espada lumiosa
me defenda!

Tende sempre mão em mim,
porque hei medo de empeçar,
e de cair.

Dessa forma, é mediante ao Anjo que os pressupostos e doutrinas religiosas são transferidos ao público, para o qual são propostos os ideais da conquista divina.

Insere-se diante do anjo protetor a imagem sedutora e tentadora do Diabo figurando um grande contraste no caminho em que a Alma se encontra. Concernente a esta cena Gil Vicente ilustra mais uma vez a existência humana envolvida por duas esferas, em que positivo e negativo são traços que se apresentam simultaneamente nos caminhos da vida, procurando com isso, fomentar a necessária da inclusão de apoios religiosos na trajetória existencial.

Os argumentos do Diabo revelam o intuito de persuadir e desviar a Alma estimulando-a a reconhecer as possibilidades de uma vida mais prazerosa e passível de ser vivida intensamente, pois a condição humana encontra-se perpassada de erros e de gozos.

ANJO

Quem vos engana
e vos leva tão cansada
por estrada,
que somente não sentis
se sois humana?

Não cureis de vos matar
que ainda estais em idade
de crescer
Tempo há i pera folgar
e caminhar
Vivei à vossa vontade
e havei prazer.