O Amuleto Itifálico
Por Luiz Guerra | 08/09/2006 | PoesiasMe senti um canalha ao entrar de penetra no quarto da viúva. A pedido dela (recuperava-se de uma cirurgia no hospital do bairro), eu tinha ido até sua casa só para pegar uma sanfona de cartolina com dinheiro e documentos, mas sucumbi à tentação de espiar um pouco onde ela dormia, e andei xeretando uma ou outra gaveta, na cômoda e no imenso guarda-roupa que preenchia toda uma parede. Abria, olhava um instante e voltava a fechar, na ilusória esperança, uma idéia meio biruta que me ocorreu, de descobrir algum segredo crucial que a prendesse definitivamente a mim (eu era doido por ela). Na gaveta da mesinha-de-cabeceira, que desde o início prometera a mim mesmo não bisbilhotar, acabei encontrando, para minha surpresa, um amuleto itifálico preso a um cordão de prata envelhecida, algo tão remoto na velha ordem dos feitiços _ um feitiço golêmico, segundo o rabino Loeb _ que não pude deixar de sorrir: nem me recordo mais em que refinado cronista romano Messalina levava para a cama os seus amantes, exibindo a famosa piroquinha de bronze sobre os fartos peitos de insaciável fodedora. Já Suetônio, moleque de alcovas e recados, garante que o amuleto protegia apenas contra o mau-olhado, mas tenho para mim que também combatesse a broxada, já que devia ser uma proeza e tanto satisfazer plenamente a perigosa ninfomaníaca. No caso da viúva, nem tanto, a piroquinha em riste não devia passar de imitação barata, comprada talvez numa dessas lojas de artigos pseudo-esotéricos. Como não houvesse justificativa para demora (o hospital ficava a duas esquinas dali), enfiei a sanfona numa sacola de cânhamo e, sem pensar muito, coloquei o amuleto em volta do pescoço, publicando minha indiscrição. (Eu mesmo não conseguiria dizer agora o que pretendia com isso.) Na recepção do hospital me avisaram que minha amiga já não corria perigo, eu podia ir até a enfermaria, se quisesse. Recostada na cabeceira da cama, ela abriu um sorriso lindo assim que entrei. Estendeu a mão direita para pegar a sanfona, curvei-me um pouco, o amuleto escapuliu pelo blusão entreaberto, oscilando cinicamente diante dos seus olhos arregalados de horror. Disse apenas, com um fiapo de voz: "Não!...", e apagou, para sempre. Médicos, enfermeiras e funcionários que passavam pelo corredor acudiram aos meus gritos, mas foi inútil, a viúva já era. Quanto a mim, tantos anos depois, ainda uso esta merda pendurada do pescoço... como um cilício.