CENTRO UNIVERSITÁRIO METODISTA IZABELA HENDRIX

Curso de Direito

Elaine Batista Costa Souza

O AMPARO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL À LIBERDADE DE IR E VIR; REFLEXOS DA CIDADANIA NUM ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO.

Belo Horizonte

2013

RESUMO 

O presente trabalho tem como objetivo descrever brevemente a importância da prestação de uma tutela jurisdicional eficaz para o exercício pleno da cidadania, a fim de responder aos anseios de nossa sociedade, estabelecendo, antes, algumas considerações sobre a amplitude do conceito de cidadania como garantidora de liberdades, em especial a de ir e vir, num Estado Democrático de Direito.                

PALAVRAS-CHAVE: Cidadania. Jurisdicional. Processo. Estado Democrático de Direito, Habeas Corpus. 

A Constituição Federal Brasileira apregoa, ao longo do artigo 3º, o anseio de construir uma sociedade livre, justa, solidária e igualitária, reduzindo as diferenças entre os indivíduos. Os princípios e as garantias fundamentais estão elencados na Carta Federal como forma de o Estado prestar sua função precípua de proteger juridicamente a sociedade.

Tal proteção, contudo, não deve ocorrer somente de forma positivada. O resguardo deve ser concreto e capaz de operar efeitos com a interferência direta na vida das pessoas. A partir da norma substancial, o Estado deve oferecer caminhos seguros e efetivos para uma devida prestação jurisdicional. Daí, o importante papel do processo.

Ao longo dos anos, o direito processual ganhou corpo, forma e, sobretudo, autonomia, estabelecendo-se como uma das mais importantes ciências jurídicas. O processo é, por si, o meio capaz de tornar real a expectativa criada pelo direito material. É por meio dele que o direito substancial pode ser exteriorizado e o Estado pode prestar justiça ao seu administrado. (CERQUEIRA, 2005).

O processo tem como essência transformar a vida das pessoas e modificar as relações entre os grupos de pessoas. (DINAMARCO, 1999)

Compreendendo, então, a importância do processo para a evolução social e buscando o combate a qualquer afronta aos princípios processuais civis elencados na Constituição da República Federativa do Brasil, o ordenamento jurídico inovou com a chamada constitucionalização das regras de direito processual. (CEGALA; OLIVEIRA, 2012).

Com a Carta Magna de 1988, o Estado Brasileiro percorreu a travessia de um regime autoritário para um Estado Democrático de Direito. Nos dizeres do professor Luís Roberto Barroso:

Sob a Constituição de 1988, o Direito Constitucional no Brasil passou da pouca importância ao apogeu em menos de uma geração. Uma Constituição não é só técnica. Tem que haver, por trás dela, a capacidade de simbolizar conquistas e de mobilizar o imaginário das pessoas para novos avanços. O surgimento de um sentimento constitucional no País é algo que merece ser celebrado. Trata-se de um sentimento ainda tímido, mas real e sincero, de maior respeito pela Lei Maior, a despeito da volubilidade de seu texto. É um grande progresso. Superamos a crônica indiferença que, historicamente, se manteve em relação à Constituição. E, para os que sabem, é a indiferença, não o ódio, o contrário do amor. (BARROSO, 2007).

Moacyr Amaral Santos explica a estreita relação existente entre o Direito Processual e a Constituição Federal:

No direito constitucional, cujo primado sobre os demais ramos do direito se tem por indiscutível, vai o direito processual encontrar as diretrizes jurídicas-políticas da sua estrutura e da sua função. Na Constituição se esboçam os princípios fundamentais do processo.  (SANTOS, 2012, p. 19)

Analisando-se o preâmbulo da Constituição Federal, encontramos os objetivos centrais de texto constitucional e, por consequência, do Estado Democrático de Direito:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituintepara instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL (BRASIL, 1988).

   Vislumbra-se, assim, a íntima ligação entre Processo e Constituição no estudo concreto dos institutos processuais, não mais colhidos na esfera fechada do processo, mas no sistema unitário do ordenamento jurídico. É esse o caminho, dito com muita autoridade, que transformará o processo de simples instrumento de justiça em garantia de liberdade. (GRINOVER; DINAMARCO; CINTRA, 2005, p. 80)

De acordo com Marcos Destefenni (2006, p. 39): “Não podemos deixar de observar que os princípios e as regras são espécies de normas, de tal forma que têm efeito vinculante e aplicabilidade aos casos concretos”. Desenvolve-se, assim, cada vez mais o denominado “direito processual constitucional”, reflexo dos tempos e das necessidades modernas.

Podemos tentar traçar um paralelo, por meio deste artigo, entre o processo e a cidadania, ao analisarmos o processo judicial como um instrumento útil para a condição do indivíduo enquanto cidadão. Para tanto, é necessário analisar o conceito de cidadania e sua evolução ao longo dos tempos.

O termo cidadania sofreu variações ao longo da história, tendo sua origem na Grécia antiga. Sua aplicação apenas era cabível para quem pertencesse a polis. ARISTÓTELES, na sua obra A política, esclarece a formulação de cidadão, em que “sua qualidade verdadeiramente característica é o direito de voto nas assembleias e de participação no exercício do poder público em sua pátria”. (ARISTÓTELES apud PIRES, 1995).

Assim, considerava-se cidadão exclusivamente o individuo que tivesse nascido em Atenas, que fosse filho de pais atenienses ou que tivesse serviço militar cumprido. Em Roma, a situação não era diferente. Com o passar do tempo, entretanto, o conceito de cidadania passou-se a referir a outras esferas e não apenas à política. Assim, para entender o significado da palavra cidadania, somos obrigados a atentar aos direitos civis e sociais situando a cidadania também na esfera jurídica e moral.    (FUNARI, 2003).

Durante o processo de formação do feudalismo, a noção de direitos políticos e cidadania tornou-se frágil demais, se comparada às necessidades materiais e espirituais impostas pela ruralização da economia e pela cristianização da sociedade. Por outro lado, o final desse período registrou profundas alterações sociais, produto da crescente urbanização. Hoje uma variedade de atitudes caracteriza a prática da cidadania. Assim, entendemos que um bom cidadão deve atuar em benefício da sociedade, bem como esta lhe deve garantir os direitos básicos indispensáveis à vida, como casa, educação, saúde, lazer. (GOMES, 2003).

Podemos dizer que, apesar da existência de inúmeras desigualdades sociais, esse termo cidadania evoluiu com o passar dos anos, ampliou a abrangência da sua concepção abraçando todas as classes sociais, deixando de se restringir apenas à participação política para relacionar uma série de deveres da sociedade para com o cidadão. Apesar disso, apenas na teoria, a sociedade é igualitária, pois, na prática, ainda há muito que fazer para que os direitos e os deveres sejam iguais para toda a coletividade.

No Estado Democrático de Direito, a Constituição configura-se como a lei máxima. Seu texto exprime um conjunto de normas fundamentais que demandam observância por parte de todos os entes e de todas as pessoas, especialmente o Estado e o legislador. Não é por acaso que a Constituição é denominada de a lei fundamental do Estado. Suas normas ocupam o ápice da pirâmide jurídica, caracterizando-se pela imperatividade de seus comandos.

Nos termos do art. 1.º, inciso II, da Constituição Federal de1988, acidadania é um dos fundamentos do Estado brasileiro, não sendo, pois, uma definição estanque, mas um conceito histórico, o que significa que o seu sentido varia no tempo e no espaço.

Há diferença entre ser cidadão na Alemanha, nos Estados Unidos ou no Brasil, não apenas pelas regras que definem quem é ou não titular da cidadania, mas também pelos direitos e deveres distintos que caracterizam o cidadão em cada um dos Estados Nacionais contemporâneos. Mesmo dentro de cada Estado-nacional, o conceito e a prática da cidadania vêm se alterando ao longo dos últimos duzentos ou trezentos anos. Isso ocorre tanto em relação a uma abertura maior ou menor do estatuto de cidadão para sua população (por exemplo, pela maior ou menor incorporação dos imigrantes à cidadania), ao grau de participação política de diferentes grupos (o voto da mulher, do analfabeto), quanto aos direitos sociais, à proteção social oferecida pelos Estados aos que dela necessitam. (PINSKY, 2003)

Mas, não basta considerar a cidadania tão somente no estreito limite do jus suffragii e do jus honorum. A Magna Carta vigente, curiosamente conhecida como Constituição Cidadã, conferiu uma maior amplitude a tal instituto. A cidadania constitui um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito edificado na República Federativa do Brasil (art.1º, II). Dessa forma, a participação do cidadão é essencial nos rumos dados ao Estado Brasileiro, fundamentando-se no disposto do art. 1º da CF que declara que todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes ou de forma direta. Assim, a cidadania se consubstancia pelo exercício de toda e qualquer forma de poder do povo que venha a influenciar nas decisões sobre o Estado Brasileiro. (CLÈVE, 2003)

Cidadania é a expressão concreta do exercício da democracia. Exercer a cidadania plena é ter direitos civis, políticos e sociais. Expressa a igualdade dos indivíduos perante a lei, pertencendo a uma sociedade organizada. É a qualidade do cidadão de poder exercer o conjunto de direitos e liberdades políticas, socioeconômicas de seu país, estando sujeito a deveres que lhe são impostos. Relaciona-se, portanto, com a participação consciente e responsável do indivíduo na sociedade, zelando para que seus direitos não sejam violados, representando, ainda, um histórico de lutas em favor dos direitos do indivíduo como membro de uma sociedade organizada. (PIOVESAN, 1992).

O Estado Brasileiro conquistou, em 1988, um destaque democrático em sua ordem jurídica, por meio da cognominada “Constituição Cidadã”. Ao se desvencilhar dos resquícios de um antecedente ‘status’ autoritário, agregou a tal conquista política valores sociais relevantes, indicativos da aceitação de uma pauta mínima universal de direitos relativos à pessoa. Dentre os fundamentos da República, houve a adoção da cidadania e da dignidade da pessoa humana (art. 1º, incs. II e III). A constituição de 1988 objetivou, de forma elencada, a erradicação da pobreza, da marginalização e das desigualdades sociais; a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, idade, cor. (MORAES, 2012, p. 122)

Em seu Título II, a CF/88 trouxe os Direitos e Garantias Fundamentais divididos da seguinte maneira: Dos direitos e deveres individuais e coletivos, Dos direitos sociais, Da nacionalidade, Dos direitos políticos, Dos partidos políticos.  No entanto, nenhuma validade prática têm os direitos do homem se não forem efetivadas determinadas garantias em sua proteção.

Citando Attilio Brunialtti: “... as garantias protegem e amparam o exercício dos direitos do homem”. (BRUNIALTTI apud FERREIRA, 1998, p. 131/132).

Canotilho, em seu Direito Constitucional, fala dos PRINCÍPIOS-GARANTIAS, que se traduzem no estabelecimento direto de garantias para os cidadãos. Depois de mais de 20 anos de asfixia dos direitos de cidadania pelo "bonapartismo autoritário", a Constituição Brasileira de 1988 inovou o ordenamento jurídico na parte referente aos direitos individuais e coletivos. (CANOTILHO, 2003)

Dentre as diversas garantias constitucionais, salientamos o habeas corpus que, segundo Rui Barbosa, “é a ordem dada pelo juiz ao coator, a fim de fazer cessar a coação”. O habeas corpus visa garantir ao indivíduo o direito de não sofrer constrição na sua liberdade de locomover-se em razão de violência ou coação ilegal.  Já Albert Puttneys, autor de grande renome nos Estados Unidos, diz que: "habeas corpus é um dos remédios para as garantias do direito à liberdade pessoal". (MIRANDA, 1951).

Sua origem remonta ao direito romano, como uma ordem que o pretor dava para trazer o cidadão ao seu julgamento apreciando a legalidade da prisão.  O “interdictum de homini libero exhibendo e o interdictium de liberis exhibendis” garantiam ao cidadão romano o direito de ir, vir e ficar (o direito de locomoção), a plena liberdade pessoal.  Mais tarde, surge na Inglaterra, destinado a proteger a liberdade, a princípio amparando os barões e nobres, cuja prisão, a Carta Magna de 1215 não admitia sem julgamento, não protegendo o homem comum, como se sucederá posteriormente. (MIRANDA, 1951, p. 22).

Em nosso país, o Código Criminal de 16 de dezembro de 1830 trouxe expressamente o habeas corpus em seus artigos183 a188. Após este, o Código de Processo Criminal, de 29 de novembro de 1832, também veio regular tal instituto no artigo 340: “Todo cidadão que entender que ele ou outrem sofre uma prisão ou constrangimento ilegal em sua liberdade tem direito a pedir uma ordem de habeas corpus em seu favor.”. Foi, então, em 1891 que a Constituição Federal elevou este instituto à categoria de norma constitucional ao prescrevê-lo em seu artigo 72 §2º: “Dar-se-á o habeas corpus sempre que o indivíduo sofrer ou se achar em iminente perigo de sofrer violência, ou coação, por ilegalidade ou abuso de poder”. (NORONHA, 1989, p. 404).

Com a reforma constitucional em 1926, tal instituto passou a proteger apenas a liberdade de locomoção, conforme padrão clássico: “Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar em iminente perigo de sofrer violência por meio de prisão ou constrangimento ilegal em sua liberdade de locomoção”. Na constituição de 1934 surge o mandado de segurança – art. 113, alínea 33 – ao lado do habeas corpus. Sua redação era a seguinte: “Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer, ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade, por ilegalidade ou abuso de poder”. (MIRANDA, 1951, p. 225).

A Constituição de 1988, em seu art. 5o, LXVIII, preceitua que: "conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder". (MARTINS, 2006).

Assim, o direito de ir e vir são resguardados, na medida em que a legitimidade ativa para gozar dessa garantia pertence a quem está sofrendo ou está na iminência de sofrer uma coação ilegal, enquanto que a legitimidade passiva é contra uma autoridade coatora, ou até mesmo segundo entendimento jurisprudencial e doutrinário, contra o ato do particular. (GRECO FILHO, 1989).

A história mostra que a liberdade e o direito de ir e vir, é algo muito importante para o ser humano e, ao mesmo tempo, que essa liberdade necessita de limites, para que se mantenha o equilíbrio na sociedade. Apenas em 1988, com o advento da atual Constituição, pode-se afirmar que a democracia estava de volta, e com ela, alguns dos direitos individuais que, muito embora, pouco respeitados, mas pelo menos no texto da lei, eles existem. (NISHIYAMA, 2004, p. 143).

Para que se possa impetrar um habeas corpus apenas como garantia constitucional, é necessário que haja uma coação ilegal, ou a ameaça contra o direito de locomoção do impetrante. A coação pode ser entendida como qualquer ato que tenda a limitar as liberdades individuais do direito de ir e vir, incluindo também, a violência.

Há o habeas corpus preventivo, que deve ser requerido sempre que alguém se sentir ameaçado de perder sua liberdade de locomoção, e o deve interpor para garantir que seus direitos serão respeitados, ficando assim, de posse de um salvo-conduto; como está implícito no artigo 660, § 4º do Código de Processo Penal. Já o habeas corpus repressivo ou liberatório é impetrado justamente quando já ocorreu a privação da liberdade, ou seja, o paciente foi vítima de uma prisão ilegal, ferindo seu direito de locomoção; consiste então, numa ordem assinada pelo juiz ou tribunal competente, determinando a imediata cessação do constrangimento. (CONSTANTINO, 2001, p. 317/318).

Embora haja toda uma regulamentação em favor da liberdade de ir e vir, várias são as afrontas ao referido direito, configurando como condutas ilícitas, tais como o trabalho escravo e o tráfico de pessoas.

O tráfico de pessoas e o trabalho escravo são nitidamente violadores da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que em seu artigo IV, declara: “Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas.” (DECLARAÇÃO..., 1948).

Ambos têm como características primordiais a restrição da liberdade da vítima devido ao domínio de outrem sobre este, e a violação da dignidade humana, pois na maioria dos casos as vítimas são mantidas em condições desumanas.

Observa-se a presença do tráfico de pessoas desde os mais longínquos anos, visto que a construção da sociedade brasileira teve como base a exploração de seres humanos, com a prática da escravatura. Durante o período colonial, o índio nativo brasileiro foi o principal alvo dos colonizadores para o trabalho escravo, porém a coroa portuguesa estava interessada em uma solução mais lucrativa e menos burocrática, pois, embora a Igreja Católica não concordasse com a escravização dos indígenas, também não combateu a escravização negra. (COTRIM, 1997, p. 6).

Apesar de todo o liberalismo em torno da escravidão, que durou quase três séculos, havia um pensamento de libertação do trabalho escravo e do fim do comércio escravo, formado por vários grupos sociais que realizaram o movimento abolicionista, e obtiveram êxito em 1888, através da Princesa Isabel que assinou a Lei Áurea em 13 de maio daquele ano, que aboliu a escravidão e que compreendia no fim do direito de propriedade de uma pessoa sobre a outra, acabando com a possibilidade de possuir legalmente um escravo no Brasil. (COTRIM, 1997, p. 184).

Portanto, diante do passado dos africanos traficados e escravizados no território brasileiro, supostamente deveríamos afirmar que essas práticas desumanas de mão de obra não ocorrem atualmente, porém, ainda fazem parte de nossa realidade não apenas o trabalho escravo, como o tráfico de pessoas, retratado, inclusive, pela ficção das telenovelas.

 O tráfico de pessoas é um fenômeno de âmbito internacional que requer respostas de igual dimensão, para prevenir e controlar tanto a oferta quanto a demanda por serviços prestados pelas vítimas. No mundo todo, especialmente em países em desenvolvimento, centenas de homens, mulheres e crianças são traficadas ilegalmente. Em geral, atraídos pela expectativa de um trabalho bem remunerado em outros países, geralmente aqueles mais ricos, conforme estudos realizados no PNEFP - Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas.

 A maior parte das vítimas são mulheres e crianças, que são recrutadas por falsos anúncios, catálogos de noivas enviados pelo correio ou encontros casuais. No caso das crianças, muitas são forçadas, vendidas à escravidão sexual por famílias pobres, ou até raptadas para o tráfico e exploração. A questão de gênero tem um forte componente nesse crime. Mas não é o único. Como um todo, questões sociais, econômicas, falta de oportunidades também são ingredientes do tráfico internacional de pessoas, um crime que põe em risco os direitos humanos fundamentais. (SPRANDEL; PENNA, 2009, p. 19).

A definição atual e internacionalmente reconhecida, que temos sobre o que vem a ser o crime de tráfico de pessoas, foi consolidada no Protocolo das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição ao Tráfico de Pessoas, especialmente mulheres e crianças, mais conhecido como Protocolo de Palermo, que segundo o artigo 3º, a expressão “tráfico de pessoas” significa:

a) [...] o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso de força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra, para fins de exploração.A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, os trabalhos ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos. [grifo nosso]

b) o consentimento dado pela vítima de tráfico de pessoas tendo em vista qualquer tipo de exploração descrito na alínea ‘a’ do presente Artigo será considerado irrelevante se tiver sido utilizado qualquer um dos meios referidos da alínea ‘a’;

c) o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de uma criança para fins de exploração serão consideradas “tráfico de pessoas” mesmo que não envolvam nenhum dos meios referidos da alínea ‘a’ do presente Artigo;

d) o termo “criança” significa qualquer pessoa com idade inferior a dezoito anos. (BRASIL, 2010, p. 23)

Por oportuno, destaque-se ainda que o tráfico tenha obrigatoriamente, como fator incidente, a exploração da pessoa sob algum meio de ameaça, coerção, fraude, engano, abuso de poder, ou qualquer outra forma, ressaltando que o consentimento da vítima é irrelevante.

O tráfico de pessoas é um crime de sexo indefinido, que atinge mulheres, crianças e adolescentes, lhes retirando a integridade física e moral, por meio da exploração sexual, atingindo também homens dignos, à procura de emprego em outro país, em outra região, em zonas rurais, que se tornam vítimas por conta da mão de obra escrava ou dos serviços forçados. Atingem ainda, pessoas em nível social e econômico tão desumano, que são capazes de se deixarem induzir a vender seus próprios órgãos, alimentando o tráfico de órgãos. (BRASIL, 2010, p. 39)

Conclusão

A proposta de um Estado Democrático de Direito só pode tornar-se real quando a cidadania puder ser exercida em toda sua plenitude. A garantia ao livre acesso à Justiça, à apreciação obrigatória pelo Poder Judiciário de lesão ou ameaça a direito e à proteção das demais garantias constitucionais só se tornam concretas mediante a existência de uma tutela jurisdicional que faça do processo um meio capaz de combater o abuso, o arbítrio e a injustiça.

Portanto, a qualidade dessa prestação jurisdicional é fator determinante para que ele, o processo judicial, exerça seu papel de instrumento de cidadania. 
Carece, pois, este contexto jurídico-jurisdicional de mecanismos que tornem o processo judicial mais eficiente. É preciso trazer o princípio Constitucional do Estado Democrático de Direito da letra fria da lei para o cotidiano e realidade de nossa sociedade. Garantindo à população brasileira, um processo legiferante compatível com as necessidades do nosso ordenamento e não como meio ditatorial de legitimar as pretensões administrativas e políticas do Príncipe, bem como o acesso a um Poder Judiciário menos burocrático, mais ágil e socialmente comprometido com os efeitos de suas decisões, estaremos dando um passo importante na transformação de indivíduos em cidadãos.

Um Judiciário que garanta o exercício do poder que foi outorgado ao povo pela Magna Carta, é o sinal de que ele, o Poder Judiciário, é a morada da Justiça, da Liberdade e da Democracia. Quando, então, formos capazes de acreditar que através do processo judicial encontraremos a proteção justa para nossos direitos, conseguiremos, enfim, exercer plenamente a nossa cidadania. 

REFERÊNCIAS

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