O AMOR COMO FONTE DE TRISTEZAS E TRAGÉDIAS PARA O HOMEM

        1. INTRODUÇÃO

O Amor, embora seja um sentimento que justifica o bem, ao mesmo tempo, pode justificar tristeza e angústia tanto para o sujeito que ama, como para o objecto amado. As oscilações da natureza fazem deste sentimento, não só um mar de alegrias e virtudes, mas também um enxame de tristezas e tragédias. Este artigo vem apresentar como o amor pode ser perigoso e trágico para a vida do homem.

        2. ENTENDENDO O AMOR

O amor é um sentimento. Pode-se afirmar que é o mais antigo dos sentimentos, uma vez que, na antiguidade, este sentimento já se mostrava nas relações conjugais dos primeiros homens. O amor posiciona o homem numa condição de apego ao próximo e de profundo cuidado pelo amado ou pela amada. O amor pode ainda ser sentido pelos objectos e pelos animais (irracionais); e não apenas pelas pessoas. Ora, se o amor é um sentimento, nada nos impede de o sentirmos profundamente pelos objectos e pelos animais que de alguma forma nos proporcionam alegria e satisfação. Observa-se então esta possibilidade do amor, podendo exprimir-se na alegria que sentimos por uma pessoa ou por um animal, como também na satisfação que um objecto real nos causa.

No decorrer da história, a Literatura e o Cinema sempre mostraram como o amor pode ser causa das mais extremas tragédias entre os amantes. De alguma forma, o amor, ao entrar num sujeito – lembrando que o sujeito aqui se refere ao homem – transforma por completo sua forma de pensar e de agir, despertando nele sentimentos de afeto, esperança e apego ao objecto amado. Ora, se o amor é apego pelo objecto ou pela pessoa, logo, o sujeito que ama sente-se feliz com a presença do amado ou da amada. Este aspecto é deveras lindo, porém, pode trazer consigo consequências nefastas na ausência do objecto amado.

Passemos então a analisar o perigo que o amor pode provocar, mas antes disso, apresentar-se-á alguns conceitos sobre o amor que servirão de base paras as nossas reflexões sobre as tristezas e tragédias deste sentimento.

        3. REFLEXÕES SOBRE O AMOR

O amor foi sempre discutido desde os tempos antigos. A bibliografia sobre ela é infinita. Na maioria dos casos, o amor se justifica pelo apreço que o amante tem do seu amado ou amada; ou pelo apreço que ambos têm um do outro. Desde a Grécia Clássica até à era contemporânea, as discussões relativas ao amor vêm ganhando espaço tanto nas inclinações filosóficas, religiosas, como também científicas. Passemos então a analisar algumas das principais abordagens sobre o tema e seus pensadores.

Platão (428/427 a.C.-348/347 a.C.) propõe que o amor é desejo por aquilo que procuramos ter; por não falar português, usava a expressão Eros para referir-se ao seu amor. Eros significa desejo, logo, para Platão, amor é desejo, é desejar. O desejo pode ser entendido como falta, ou seja: desejar é querer ter aquilo que nos falta; o objecto que nos falta, o animal que nos falta ou a pessoa que nos falta por exemplo. Amor então é por aquilo que desejamos e que nos faz falta.

Aristóteles (384 a.C-322 a.C.), discípulo de Platão e que, assim como seu mestre, também não falava português, usou a expressão Philia para referir-se ao seu amor. Philia é alegria; e para este pensador, o amor é a alegria que sentimos pela presença do amado ou da amada. Embora tenha sido discípulo de Platão, suas ideias divergem completamente das do seu mestre. Enquanto que para Platão amor é o desejo que sentimos por aquilo que nos faz falta, para Aristóteles, amor é a alegria que sentimos por aquilo que está presente, que já possuímos e que já é o nosso.

Cristo também ensinou sobre o amor; e para referir-se ao seu amor, usa-se a expressão Ágape. Para Cristo, o amor é pelo próximo, por qualquer um. Neste amor de Cristo, a finalidade do amor está na felicidade do amado, ou seja: o amor é a satisfação que sentimos pela felicidade do amado ou da amada; e para que o amado se alegre, precisamos reunir esforços para isso. Amar é estar feliz com a felicidade do amado.

Espinosa (1632-1677) também propõe o seu tipo de amor. Para ele, o amor é a alegria que sentimos pela existência do amado ou da amada, ou seja, o simples facto do amado existir é condição primordial para que o amor exista. Este amor tem sua causa na simples existência do amado.

Nietzsche (1844-1900) defende que o amor é pelo destino da pessoa. Para referir-se ao seu amor, usa-se a expressão Fati. Fati significa “amor ao destino.” O que de facto Nietzsche ensinou é que o amor resume-se no simples facto de se amar o amado tal como ele é de verdade. Este pensador ensina que as pessoas deixam-se levar por aparências que não correspondem à realidade delas; sendo assim, para Nietzsche, o amor deve dirigir-se à realidade da pessoa e não às aparências dela. Ora, o amor então é um profundo sentimento de apreço pela realidade da pessoa; pela pessoa do jeito que ela é.

O amor pode ainda ser aquilo que nos alegra. As coisas pelas quais temos um profundo sentimento de alegria quando as vemos podem servir como objecto do nosso amor. Talvez nos alegramos com uma pessoa ou com um objecto específico; esta alegria é o que dá vida ao nosso amor. Amor é a alegria pelas pessoas e por tudo mais que pode existir. A natureza do amor estaria então na alegria pelo mundo, por alguma coisa que existe e que nos alegra.

A partir das considerações apresentadas, passemos então a analisar como o amor pode ser causa de tristezas e tragédias.

        4. TRISTEZAS E TRAGÉDIAS DO AMOR

Ao contrário do que muita gente pensa, o amor, embora seja este sentimento belo, pode ser a causa de tristezas e tragédias para quem ama, como para o amado ou para amada. Lembremos a famosa peça de Romeu e Julieta do poeta William Shakespeare (1564-1616), onde os dois amantes, levados pela angústia da ausência um do outro, decidem suicidar-se; esta peça é um exemplo perfeito de como o amor pode nos seduzir ao ponto de cometermos a maior de todas as tragédias. Iremos aqui apresentar as tristezas e tragédias que o amor pode causar, isto com base nas definições apresentadas anteriormente.

        4.1. Em Platão

Como vimos, Platão defendia o desejo como aspecto único do amor. Amor é desejo. Desejo é pretender o que nos faz falta, logo, amor é no desejo e na falta. Ora, a angústia que o amor de Platão pode provocar é facilmente notada, afinal, se o amor é na falta, amar é não ter o objecto amado; e não ter o objecto amado é, claramente, uma condição para a tristeza. Viver na falta é viver na tristeza. Não termos o que queremos, sempre nos causa algum tipo de ansiedade e consequentemente, algum tipo de tristeza. Querer ter o carro dos sonhos, a casa dos sonhos e o computador dos sonhos e não ter condições para isso, pode nos levar à tristeza, à angústia, à depressão, à tragédia e claro, à morte.

        4.2. Em Aristóteles

Aristóteles defendia o amor como alegria pelo objecto presente. Para ele, o amor baseava-se na alegria que sentimos pelo amado que já é o nosso, contrariando seu mestre Platão. Ora, se o amor é a alegria que nutrimos pela pessoa que temos em casa, claramente, com a ausência dela, ficaremos tristes. Pior ainda seria se o amado que já é o nosso viesse a desaparecer para sempre; certamente, viveríamos tristes para sempre, uma vez que a causa da nossa alegria é a presença do amado que se foi. O exemplo clássico para isto é visto também em Romeu e Julieta, quando Romeu suicida-se por causa da morte da sua amada e Julieta suicida-se por causa da morte do seu amado. Ora, uma vez mais, o amor mostra-se fonte de tristezas e tragédias.

        4.3. Em Cristo

Cristo dissera que o amor é pelo próximo, por qualquer um. Acrescentara ainda que amor é amar o outro assim como a nós mesmos. Nesta abordagem, o amor justifica-se pela felicidade do amado ou da amada. Quem ama investe em esforço para a felicidade do amado. Ora, quando não conseguimos ser causa da felicidade de quem amamos, a tristeza é garantida. Se o amor é o esforço pelo outro e pela sua felicidade, entristecemo-nos quando nosso esforço não faz o que devia fazer; levamos uma vida triste quando o amado apresenta-se triste o tempo todo, o que pode originar frustração e consequente tragédia.

        4.4. Em Espinosa

Espinosa ensinava o amor como justificativa para a alegria que sentimos pela simples existência do amado ou da amada. Amor é alegria pela existência do amado. Ora, a tristeza aqui é eminente. Os objectos não existem para sempre; os animais falecem; e as pessoas morrem e desaparecem. Se o amor é a alegria que sentimos pela simples existência do amado, com a morte do amado, a alegria que sentíamos por ele também morre, originando em nós a tristeza e a angústia pela inexistência do amado, o que pode nos levar a cometermos a maior tragédia de todas: a morte.

        4.5. Em Nietzsche

Como vimos, Nietzsche defendia o amor pelo destino, pelo amado do jeito que ele é e não pela sua aparência. Certamente, nós moldamos a vida por aparências que queremos que as pessoas vejam. Muito do que as pessoas pensam que somos, são simples arquétipos que inventamos para vivermos e que não correspondem à realidade que é a nossa. Ora, se o amor é pela realidade do amado, e se estamos o tempo todo inventado aparências, o amante se entristece quando finalmente descobre a realidade do amado, desiludindo-se por ter amado aparências. Isto pode ser causa de decepções e angústias que levam à tragédia. Ou ainda, se o amor é pela realidade do amado, com o passar do tempo, o amado pode mudar sua realidade e adoptar outra, o que causará forte tristeza para quem amava a antiga realidade do amado.

        4.6. O amor não correspondido

O amor não correspondido é outro exemplo de como o amor pode ser causa de tristezas e angústias. Quando os esforços feitos para a aceitação de quem se ama são jogados ao lixo, nada mais se pode sentir se não frustração, o que conduz a possíveis sintomas de tristeza e consequente depressão ou pior: tragédia. Ora, o tempo todo nutrimos desejos por pessoas que, na maior parte das vezes, nem estão conscientes da nossa existência. Muitas vezes, nossos esforços para sermos aceitos por quem amamos são desprezados, o que nos leva a afundarmos na tristeza que o amor não correspondido patrocina.

        5. CONCLUSÃO

O amor é um sentimento de grande valor. Aliás, se chegamos até este estágio da humanidade, é graças ao amor pelo outro, afinal, sem amor, nos mataríamos e não sobraria ninguém para contar a nossa história. O amor ainda apresenta-se benéfico para a raça humana. Ao mesmo tempo que o amor pode ser belo e benéfico, também pode ser causa de tristezas e tragédias, afinal, a ausência do amado ou da amada e a impossibilidade de ter o que se ama, pode resultar na mais dolorosa das tragédias: a morte.

        6. REFERÊNCIA

Aristóteles. (1984). Ética à Nicômaco. Coleção Os Pensadores, trad. de Vincenzo Cocco et al. São Paulo: Abril Cultural.

Bíblia. Tradução João Ferreira de Almeida. Mateus: 22:39.

Nietzsche, F. (2008). Ecce Homo. Editora LusoSofia.

Platão. (2013). O Banquete. Editora Virtual Books, p. 60. [PDF] Recuperado de www.baixelivros.com.br/ciencias-humanas-e-sociais/filosofia/o-banquete-platao

Spinoza, B. (2009). Ética. Autêntica Editora. [tradução de Tomaz Tadeu]. – Belo Horizonte.