O aluno e seu Projeto de Vida: vestiu-se de sonhos,
 hoje vestem as bermas da estrada

 

 

Everson Augusto Marques

Gabriela Araujo Graciano 

Guilherme Araujo Graciano

Rachel Giglioti

Silmara Aparecida Vigatti

 

 

 

RESUMO

 

O presente artigo, intitulado “O aluno e seu Projeto de Vida: vestiu-se de sonhos,
hoje vestem as bermas da estrada”, apresenta uma discussão de como a disciplina Projeto de Vida, juntamente com as novas mudanças da educação básica e suas diretrizes, BNCC conduzem o docente e o discente a um falso nivelamento de ensino, onde os estudantes, em sua maior parte, são direcionados a um ensino quase inerte de práticas pedagógicas e que apenas os pré-preparam para o mercado de trabalho. Esta pesquisa apresenta o acondicionamento que os alunos e professores se encontram perante o currículo e como há uma elaboração intencional para que tudo isso ocorra.  Assim, tentamos mostrar aos alunos e professores que eles são agentes do conhecimento, persistindo em sua autonomia. Para contribuição e aprofundamentos das discussões, o repertório bibliográfico contamos com: Cliford Geertz, Louis Althusser, Dermeval Saviani e Paul Freire. A partir das leituras, é possível perceber como a educação se encontra vulnerável a essas mudanças e devemos buscar uma educação libertadora, como proposta por Paul Freire, o sujeito oprimido pode ser orientado a exercer a autonomia por meio da consciência, produzindo assim uma educação liberal.

 

Palavras-chave: Projeto de Vida; Currículo; Educação

 

 

 

 

 

Introdução e Justificativa

           

            Neste artigo, procuro realizar uma pesquisa com o objetivo de apresentar a avaliação da disciplina "O contexto cultural e contemporâneo da educação escolar", vinculada ao programa de pós-graduação em Educação Escolar, da Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara, da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (FCLAr / UNESP), sob orientação do professor responsável, Dr. Vitor Machado.

            As escolas estão em constante mudanças e alterações, não apenas pelos ciclos de alunos que ingressam e concluem seus estudos, ou aquela pintura de “retocada na fachada”, a presença de um ou mais professores novos ou até disciplinas novas. Uma inovação! É justamente com esse termo, que o Governo do Estado de São Paulo acrescentou mudanças nas grades de ensino de todo o estado, o programa “Inova Educação” acrescentou disciplinas e modificou os horários de todas as escolas.

 

O programa “Inova Educação”

 

No ano de 2020, o programa “Inova Educação” foi implantado na rede de ensino do estado de São Paulo. O Inova Educação foi criado com o propósito de oferecer novas oportunidades para todos os estudantes do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental e do Ensino Médio do estado.

A iniciativa do Programa traz novidades para que as atividades educativas sejam mais alinhadas às vocações, desejos e realidades de cada discente. Conforme o site da Secretaria da Educação do Governo do Estado de São Paulo o programa visa “novidades essenciais para promover o desenvolvimento intelectual, emocional, social e cultural dos estudantes; reduzir a evasão escolar; melhorar o clima nas escolas; fortalecer a ação dos professores e criar vínculos com os alunos.”

Com essa atualização na grade curricular os discentes dos Anos Finais e o Ensino Médio passaram a ter três disciplinas novas em seu cotidiano escolar: Disciplina Eletivas, Tecnologia e Inovação, e Projeto de Vida.

As Disciplinas Eletivas são semestrais e os discentes escolhem qual disciplina cursar no semestre, conforme a compatibilidade de horários e classificação etária para cada ano ou série, assim como, o docente pode oferecer essas disciplinas com os mais variados temas, assuntos e abordagens e que mais se identifiquem com os perfis dos alunos. 

A disciplina de Tecnologia e Inovação envolve diversas áreas presentes no cotidiano do aluno, tais como: mídias digitais, cidadania digital e programação de redes. Dessa maneira, essa disciplina visa maior fluência, responsabilidade e amplitude na comunicação ao acessar, produzir e disseminar informações e refletir de forma crítica sobre a cultura digital e os impactos da tecnologia nos indivíduos, no mundo do trabalho, na sociedade e no meio ambiente. 

Por fim, a disciplina Projeto de Vida, que será o enfoque desse texto, contempla as vivências culturais dos alunos. A prática desse componente está descrita na Competência Geral 6, da BNCC:  

 

Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as relações próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade. (2018, p. 11)

 

 

Além da diversidade de saberes e vivências culturais, a disciplina propõe-se a realizar o acolhimento especial para o 6º ano, que inicia o novo ciclo, a noção de direitos, a responsabilidades e participação na escola e na comunidade, a identificação de sonhos e desenvolvimento de estratégias para alcançá-los. Com o avançar das séries há novas perspectivas, por exemplo, o 9º ano, foca-se no apoio na transição para o Ensino Médio e no Ensino Médio há o aprofundamento da discussão sobre mundo do trabalho, vida acadêmica e envolvimento com a comunidade.

 

O aluno e o currículo 

 

Durante a fase escolar, os alunos recebem muitas influências, que nem sempre partem do mesmo viés interpretativo de sua realidade e da área de seu conhecimento. Eles ficam confusos e adotam paradigmas. O tempo passa, e os alunos superam os seus próprios paradigmas. Assim como progridem, também podem estagnar ou regredir. Contudo, quando concluem o que é chamado formação inicial e se deparam com um mundo que, ao que tudo indica, não é nada similar com essa formação, eles entram em crise. 

Um dos primeiros questionamentos que surgem é se a sua “formação” é suficiente? E se a reposta for negativa, eles indagam o porquê não ser suficiente. A partir de quando se carregam esses questionamentos é que há a reflexão sobre o que foi visto no ensino fundamental e no ensino médio, sobre o que era limitado e como poderia ter sido diferente. Todas essas reflexões, geralmente, surgem após o aluno ter concluído sua fase escolástica inicial e agora não é possível retorno para certas alterações, reparos ou até mesmo aproveitamento do que pode ter sido “leviano”. 

Desta forma, surge o questionamento: quais as implicações expressas no currículo e, consequentemente, na prática pedagógica dos alunos? 

Quando se iniciam discussões sobre currículo, primeira e inicialmente deve ser considerado suas relações com o projeto político pedagógico, o plano de ensino e o plano de aula. O currículo, uma vez finalizado está repleto de intencionalidades, supostamente adequado para exercer uma função social e mesmo que tente parecer neutro ele revelará a visão de mundo que a pessoa possua. É justamente nesse processo de construção e elaboração de um currículo que podemos, talvez, obter a resposta de como a sociedade se quer formar. Essa resposta ultrapassa o campo epistemológico, pois se torna uma das formas de poder e dominação. Engendra as pessoas ao propor como elas necessitam agir e pensar. Diligenciam e seduzem para a criação de uma unanimidade:

 

Nas teorias de currículo, entretanto, a pergunta “o que?” nunca está separada de uma outra importante pergunta: “o que eles ou elas devem ser?” ou, melhor, “o que eles ou elas devem se tornar?”. Afinal, um currículo busca precisamente modificar pessoas que vão “seguir” aquele currículo. Na verdade, de alguma forma, essa pergunta precede à pergunta “o quê?” na medida em que as teorias do currículo deduzem o tipo de conhecimento considerado importante justamente a partir de descrições sobre o tipo de pessoa que elas consideram ideal. Qual o tipo de ser humano desejável para um determinado tipo de sociedade? (SILVA, 2002, p15) 

 

 

            Se percorrermos a história das grades curriculares da Educação Básica será possível constatar que houve exclusão e inclusão de diferentes componentes curriculares, bem como o enfoque e o descaso desses mesmos componentes. 

 

Há uma combinação única de cultura de elite e cultura popular nas escolas. Como instituições, elas oferecem áreas bastante interessantes, política e economicamente potentes, para a investigação dos mecanismos de distribuição cultural na sociedade. Pensar nas escolas como mecanismos de distribuição cultural é importante, pois, como o marxista italiano Antonio Gramsci observou, um elemento crítico para a ampliação da dominação ideológica de determinadas classes sobre outras é o controle do conhecimento que preserva e produz as instituições de determinada sociedade. Assim, talvez precisemos, nas palavras de Mannheim (1936), particularizar a “realidade” que escolas e outras instituições culturais selecionam, preservam e distribuem, de maneira que essa realidade possa ser vista como uma “construção social” que não necessariamente serve aos interesses de todos os indivíduos e grupos da sociedade. (APPLE, 2006, p. 61 e 62) 

 

Considerando esses fatores, se torna imprescindível a criação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) ou a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que tem objetivo de conseguir um currículo mínimo comum entre todas as unidades escolares. É justamente na tentativa de manter esse “nivelamento” e padronização do ensino que a escola começa a perder seu alvedrio para sujeitar-se as “necessidades” de uma sociedade neoliberal. 

À medida que a escola ou outros lugares de formação sustentam-se no atendimento do currículo, os aparelhos ideológicos do estado são uma das formas de se condicionar a soberania dominante, como menciona Althusser (1992). À vista disso:

 

A escola capitalista encarna objetivos (funções sociais) que adquire do contorno da sociedade na qual está inserida e encarrega os procedimentos de avaliação, em sentido amplo, de garantir o controle da consecução de tais funções. Como afirma Mészáros (1981) a educação tem duas funções principais numa sociedade capitalista: 1. A produção das qualificações necessárias ao funcionamento da economia, e 2) a formação de quadros e a elaboração dos métodos para um controle político (p.273). Destaque-se, ainda, sua vocação elitista. A escola capitalista não é para todos. É uma escola de classe. (FREITAS, 1995, p. 95) 

 

 

Isto posto, a elaboração e execução do currículo reverbera diferentes questionamentos, visto que se torna um ensejo de interesses, de valores, de crenças, de ideais e de política.

 

O currículo e a disciplina Projeto de Vida

 

Nesse cenário de incertezas que o aluno está inserido e a mais recente alteração da grade curricular com a inserção da disciplina Projeto de Vida, que traz o questionamento sobre o mundo do trabalho e a vida acadêmica. Estão preparados os nossos alunos para um currículo que trata de forma unanime esses questionamentos para todo o estado de São Paulo?

Certamente, a visão de um currículo ao nível estadual será o “ponto de partida”, visto que inicialmente todos os alunos terão acesso ao mesmo conteúdo: 

 

(. . .) “o que diferencia os alunos das classes dominantes daqueles das classes populares é o ponto de partida, mas jamais o ponto de chegada. O mais importante para uma nova aprendizagem é o ponto de apoio, de onde a criança parte. O professor precisa entender como o aluno entende, e utilizar esse ponto de apoio para elevá-lo a níveis superiores, auxiliá-los na construção de conhecimentos mais estruturados, mais elaborados”. (DOTTI, 1992 citado por OLIVEIRA, 2007, p. 26-27).

 

 

Todavia, iniciada a “largada” ou jornada acadêmica, o percurso necessitará dos mais diversos pontos de apoio como menciona Oliveira (2007), dado que eles são essenciais para uma nova aprendizagem. Entretanto, esses pontos de apoio começam a desigualar o currículo e sua aplicação em cada unidade escolar, visto que para cada aluno, professor e escola haverá uma necessidade singular e particular, bem como dificuldades e oportunidades mais singulares ainda, conforme a região em que todos os elementos anteriores apresentados estão inseridos. 

Como observamos, essa variedade de fatores pode contribuir, bem como dificultar a aplicabilidade de uma disciplina que “prepara” o aluno para sua vida adulta e a tomada de decisões. Não podemos considerar uma única ementa de currículo, não há uma unanimidade em se trabalhar com fatores tão variáveis, pois, não podemos pressupor que os alunos e professores tenham o mesmo consenso: 

 

[...] a noção de um consensus gentium (um consenso de toda humanidade) – a noção de que há algumas coisas sobre as quais todos os homens concordam como corretas, reais, justas ou atrativas - estava presente no iluminismo e esteve presente também, em uma ou outra forma, em todas as eras e climas (GEERTZ, 1989, p. 51)

 

 

Em conformidade com o texto “O impacto do conceito de cultura sobre o conceito de homem”, de Cliford Geertz, o autor afirma que a ideia de um consenso comum de toda humanidade esteve presente no iluminismo e outras épocas. Todavia, mesmo presente nas mais diversas épocas, cada Homem difere do que acha correto, real, justo ou atrativo. Considerando as informações de Geertz, a noção do que é atrativo realmente é um fator extremamente variável para cada aluno, enquanto alguns querem ter, após a fase escolar, uma formação acadêmica de nível superior, outros se satisfarão com um ensino técnico e profissionalizante, bem como alguns podem se contentar apenas com o ensino médio. 

Essas variáveis são apenas as possíveis que ocorrem quando o aluno está perto do término de sua formação inicial, se for considerado todo o percurso do ensino fundamental e o ensino médio há mais variáveis atrativas a serem consideradas. O que retoma novamente os “pontos” mencionados por Oliveira (2007), já que o próprio “ponto de partida” pode não ser atrativo para os alunos e ocasione inúmeros “pontos de apoio” diferentes, para os que já se identificaram com o conteúdo da disciplina e os que ainda estão em discordância do que é atrativo para os outros. 

No quesito atratividade há mais um fator a ser considerado além das preferências dos alunos, o que é atrativo para o Estado:

 

O Estado (e sua existência em seu aparelho) só tem sentido em função do poder de Estado. Toda luta política das classes gira em torno do Estado. Entendamos: em torno da posse, isto é, da tomada e manutenção do poder de Estado por uma certa classe ou por uma aliança de classes ou frações de classes. (ALTHUSSER, 1983, p. 65).

 

 

O Estado para manter sua estrutura de posse depende que a manutenção de fatores econômicos e de classes estejam alinhados com a população. Tal exemplo, são as escolas de ensino técnico: SENAI - Antonio Adolpho Lobbe e a ETEC Paulino Botelho, tão cobiçadas pelos alunos, na região de São Carlos. Ambas oferecem cursos profissionalizantes, e os mais cobiçados e concorridos são os cursos de Mecânica de Usinagem e Mecânica de Autos. Estudar em quaisquer cursos desses, pode ser uma boa alternativa de escolha e alvo de discussões e debates na disciplina Projeto de Vida, afinal o aluno em sua formação inicial decidindo qual possível escola e curso frequentar se torna um bom “leitmotiv” das práticas pedagógicas desse currículo que busca “direcionar” o aluno para melhor escolha. 

O que infelizmente a disciplina Projeto de Vida não irá abordar, é que a oferta desses cursos nessas instituições públicas e até mesmo privadas, se levarmos em considerações as universidades particulares na região de São Carlos, são influenciadas pela aliança capitalista, visto que essa região oeste do estado de São Paulo é cercada por usinas açucareiras como o Grupo Raízen e a Cosan S.A. que necessitam constantemente de trabalhadores especializados em manutenção dos automóveis, caminhões, maquinas agrícolas, bem como a própria manutenção interna das usinas. Para o constante fluxo de “empregados qualificados” as escolas mencionadas acima diplomam os alunos para esse mercado de trabalho:

 

Por fim, é de fundamental importância levar em conta que as relações entre educação e política, cuja descrição esbocei conceitualmente, têm existência histórica; logo, só podem ser adequadamente compreendidas enquanto manifestações sociais determinadas. E aqui evidenciar-se, por um outro ângulo, a inseparalibidade entre educação e política. Com efeito, trata-se de práticas distintas, mas que ao mesmo tempo não são outra coisa senão modalidades específicas de uma mesma prática: a prática social. Integram, assim, um mesmo conjunto, uma mesma totalidade. (SAVIANI, 2006, p.85) 

 

 

De fato, a relação entre Política e Educação ocorre, tendo em vista que o Estado recebe as contribuições financeiras, como o pagamento de taxas: ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), ISS (Imposto sobre Serviços de qualquer natureza) e demais impostos necessários para consumação de seus serviços. Evidente, que tais taxas são essenciais para o Estado que as retribuem disponibilizando cursos formativos para manutenção desse ciclo entre alunos, funcionários das empresas, a Empresa e o Estado:

 

Afirmamos, que o aparelho ideológico do Estado que assumiu a posição dominante nas formações capitalistas maduras, após uma violenta luta de classes política e ideológica contra o antigo aparelho ideológico do Estado dominante, é o aparelho ideológico escolar. (ALTHUSSER, 1989, p. 77).

 

 

Dessa maneira, uma das características da escola é a técnica de manutenção das relações de classe e a continuidade da estrutura do país por meio da cessação da luta de classes. Conforme apontado por Althusser, a ideologia é dominante por meio do papel de comunicadores dos interesses capitalistas. Atualmente na escola, contamos com a disciplina Projeto de Vida, uma ferramenta ideológica, que integra a BNCC, que pode ser dito como um “manual pedagógico” ideológico, que está sendo implementado no cotidiano escolar.

Podemos conceber essas mudanças nas diretrizes curriculares como uma tentativa de reformular a escola? Se sopesarmos as mudanças da BNCC, juntamente com os Itinerários Formativos do Ensino Médio e as Escolas de Tempo Integral, que são mais uma mudança, com o ensino tradicionalista que havia até o ano de 2019 vivenciaremos novamente a “Escola Nova” retratada na obra de Saviani (2006) e Moreira (1995)?

            Os métodos construtivistas surgiram na Pedagogia Nova, que surgiu com o propósito de desafiar os métodos tradicionais de ensino. Acreditando que as escolas tradicionais não desempenhavam plenamente suas funções, um amplo movimento de reforma intitulado “escolanovismo” se iniciou.

 

Compreende-se, então, que essa maneira de entender a educação, por referência à pedagogia tradicional, tenha deslocado o eixo da questão pedagógica do intelecto para o sentimento; do aspecto lógico para o psicológico; dos conteúdos cognitivos para os métodos ou processos pedagógicos; do professor para o aluno; do esforço para o interesse; da disciplina para a espontaneidade; do diretivismo para o não-diretivismo; da quantidade para a qualidade; de uma pedagogia de inspiração filosófica centrada na ciência da lógica para uma pedagogia de inspiração experimental baseada principalmente nas contribuições da biologia e da psicologia. Em suma, trata-se de uma teoria pedagógica que considera que o importante não é aprender, mas aprender a aprender. (SAVIANI, 2006, p. 09)

 

 

O ambiente ideal de sala de aula proposto pelo novo método de ensino é o mais próximo de ideal para se alcançar todos os objetivos em sala de aula. Todavia, ao mesmo passo que se aproxima teoricamente do plano perfeito, fisicamente está circunjacente a exclusão. Dado que é necessário grande número de materiais didáticos, uma biblioteca com amplos espaços para repositório e armazenamento, bem como locais para leitura, um número reduzido de alunos, espaço suficiente para permitir a movimentação e mais alguns outros itens conforme forem surgindo as necessidades. Evidente que alguns desses exemplos situam-se nas classes mais favorecidas, entretanto, para a maioria da população que só pode receber educação pública, estas desigualdades estão mascaradas com a falsa autonomia que o aluno terá segundo a BNCC e a sua própria escolha de Itinerários Formativos. Segundo Saviani, a Escola Nova apresenta mais entraves:

 

O tipo de escola acima descrito não conseguiu, entretanto, alterar significativamente o panorama organizacional dos sistemas escolares. Isso porque, além de outras razões, implicava custos bem mais elevados do que aqueles da Escola tradicional. Com isso, a “Escola Nova” organizou-se basicamente na forma de escolas experimentais ou como núcleos raros, muito bem equipados e circunscritos a pequenos grupos de elite. No entanto, o ideário escolanovista, tendo sido amplamente difundido, penetrou nas cabeças dos educadores acabando por gerar conseqüências também nas amplas redes escolares oficiais organizadas na forma tradicional. Cumpri assinalar que tais conseqüências foram mais negativas que positivas uma vez que, provocando o afrouxamento da disciplina e a despreocupação com a transmissão de conhecimentos, acabou a absorção do escolanovismo pelos professores por rebaixar o nível do ensino destinado às camadas populares, as quais muito frequentemente tem na escola o único meio de acesso ao conhecimento elaborado. Em contrapartida, a “Escola Nova” aprimorou a qualidade do ensino destinado às elites. (SAVIANI, 2006, p. 10)

 

 

Assim, a intenção de desfazer os métodos tradicionais para criar a Escola Nova, apresentou inúmeros problemas para educação brasileira. Tendo em vista que apenas modificar as teorias educacionais, mas sem substituições das estruturas físicas deficitárias, ou investimentos em materiais lúdicos pedagógicos, ou até mesmo no repensar das metodologias de ensino das pessoas, não são suficientes para um ensino igualitário e até mesmo reforçam as desigualdades de classes:

 

Os alunos não chegam à escola em condições de igualdade em relação às oportunidades que tiveram. “Lavado”, esse capital inicial é legitimado como se tivesse sido obtido pelo esforço pessoal de cada um. A desresponsabilização do professor deixa cada aluno a mercê de seu próprio esforço, a mercê de sua própria “acumulação primitiva” – que para as camadas populares inexiste ou é pequena. As opções dentro do sistema escolar e as formas de sair de dentro dele são produzidas neste processo. Por isso que a metodologia do “aprender a aprender” é uma forma de legitimação, no interior da escola, das diferenças sociais previamente existentes. (FREITAS, 2002, p.318)

 

 

            Destarte, o que conhecemos como capital cultural acaba por se reforçar por enaltecer a cultura dominante e elitizada como algo inigualável e considerável. Assim, a escola torna-se uma reprodutora de desigualdades, por possuir diferentes camadas de acesso, o que se transfigura um obstáculo para as classes mais populares e não dominantes.
 

O aluno e as práticas mais inclusivas
 

 

Se o aluno, os professores e a escola estão cada vez mais vulneráveis pelas metodologias impostas pelos atuais currículos e suas diretrizes, tornou-se imprescindível uma metodologia e uma pedagogia libertadora, como a do pesquisador Paulo Freire, que contribui com sua obra “Pedagogia do Oprimido”, que veio em um momento crítico de nossa história. Em um país que visou o fim da ditadura militar e o início de um regime democrático. Paulo Freire defendeu a luta para eliminação do analfabetismo, contextualizando os cursos com base nas condições reais e o alcance para as pessoas necessitadas.

Atualmente, como já visto nos capítulos anteriores, estamos digressionando dos ideais de Freire, e mesmo que todas essas mudanças presenciadas no âmbito escolar pareçam extremamente benéficas para os estudantes, esses novos ideias só estão no âmbito da teoria, visto que o aluno apenas passará mais horas na escola, mas sem nada que seja lúdico a ponto de compensar essa nova jornada de horas, ou seja, o aluno e o docente continuaram no método “giz e lousa”, sentados em seus respectivos lugares:

 

As atitudes educam. Não esqueçamos que, em onze anos de escolaridade, a atitude de permanecer sentado por tantas horas educa o aluno. Se ele não aprender muito sobre geografia ou matemática, aprenderá, sem dúvida, a ficar sentado. Assim como amar se aprende amando, ou jogar se aprende jogando, outras coisas também aprendemos ao praticá-las. Se essa atitude corporal condicionar uma postura de obediência, o aluno aprenderá a ser obediente. Se condicionar uma postura não crítica, ele aprenderá a ser resignado. (FREIRE, 2003, p.7)

Podemos ver que o autor critica claramente esse “aprisionamento” do aluno em sala de aula, condicionados a inércia. O aluno necessita de uma educação que estimule todos os seus sentidos, que ele possa movimentar-se, alongar-se, aquecer-se, desenvolver relações interpessoais não somente com os colegas circunvizinhos das carteiras em salas de aulas, mas com os diversos alunos, professores, funcionários que integralizam a unidade escolar. Afinal, o aluno não frequenta as escolas apenas para aprimoramento do raciocínio lógico, e tampouco quando o aluno adentra os portões de acesso e a escola os fecha logo em seguida, isso deveria ser apenas um isolamento físico, entretanto os muros parecem impedir até as discussões do que está acontecendo em nossa sociedade:

 

Enfim, não vale a pena repetir os velhos refrões das propostas pedagógicas pseudo-revolucionárias. Não é nossa intenção afirmar qualquer verdade e dizer o que um jovem deve ser quando crescer. A respeito de futuro, nossa experiência é muito pobre. O século XX começou sob a égide da intenção proclamada pelos socialistas de integrar as nações e impedir a qualquer custo as guerras. No entanto, homens e mulheres desse século falharam nesse intento e fizeram dele um tempo de guerras. Cremos que, em se tratando de educação, só vale a pena tentar, a partir de agora, realizar o projeto de desenvolver a consciência sobre a experiência humana e autonomia. Temos de nos dotar da capacidade de testemunhar os acontecimentos que vivemos. Nossa intenção é indicar, nas páginas seguintes, possibilidades de educar desenvolvendo a consciência e a autonomia, integrando o corpo no projeto educacional, para que possamos compreender um pouco mais a nós mesmos, como indivíduos e como cidadãos. (FREIRE, 2003, p. 11 e 12)

 

 

Como constatado, a escola não deve privar o aluno, mas sim o estimular para que eles consigam se autodesenvolver para uma relação pessoal e com o coletivo, fazê-los criativos, emancipatórios e perseverantes e não os prender as bermas da estrada de possibilidades. Nesse sentido:

 

o currículo padrão, o currículo de transferência é uma forma mecânica e autoritária de pensar sobre como organizar um programa, que implica, acima de tudo, numa tremenda falta de confiança na criatividade dos estudantes e na capacidade dos professores! Porque, em última análise, quando certos centros de poder estabelecem o que deve ser feito em classe, sua maneira autoritária nega o exercício da criatividade entre professores e estudantes. O centro, acima de tudo, está comandando e manipulando, à distância, as atividades dos educadores e dos educandos. (FREIRE; SHOR, 2008, p. 97).

 

 

Para a ruptura desse currículo tendencioso que direciona e controla os alunos, precisamos de uma luta por libertação, que requer homens e mulheres em um processo contínuo. Essa conquista ocorre na comunicação com os outros, que surge da consciência, desses mesmos homens e mulheres (alunos e professores) para compreender sua ontologia e propósito:


é preciso que a educação esteja – em seu conteúdo, em seus programas e em seus métodos – adaptada ao fim que se persegue: permitir ao homem chegar a ser sujeito, construir-se como pessoa, transformar o mundo, estabelecer com os outros homens relações de reciprocidade, fazer a cultura e a história. (FREIRE, 1980, p. 39)

 

 

Dessa forma, é possível ensinar os alunos a compreenderem sua relação com o mundo, que não é mais uma realidade estática, mas uma realidade em transição e em processo, portanto, estimulá-los a encarar a realidade como uma prática que transforma verdadeiramente a realidade. O sujeito da reflexão e da ação.

 

 

Considerações finais

 

            Nesse texto procuramos mostrar como os alunos, os docentes e as unidades escolares acabam expostos aos aparelhos ideológicos do Estado e como isso influencia diretamente nas metodologias de ensino atualmente. Mesmo com as mudanças no currículo, as novas disciplinas mencionadas, como a Projeto de Vida, não amparam os alunos em seu processo de formação, e tampouco inspiram e orientam para seus reais interesses.

            Essas constantes mudanças apenas ressaltam, o que já foi afirmado por Paulo Freire (2003): “um forte indicador de que o sistema de ensino precisa mudar é a quantidade de propostas inovadoras que atualmente sugerem uma nova configuração para a escola”. São justamente essas incertas práticas de ensino que estão fazendo o inverso do que deveria se esperar de uma escola, que deveria estar diplomando alunos ativos, pensantes, autônomos e críticos para a nossa sociedade e não “prendendo” cada vez mais o aluno em sua obediência de permanecer sentado em sua carteira do início ao término da aula.

            Ademais, é justamente nessa luta para romper essas práticas manipuladoras que poderemos alcançar uma educação libertadora, pois “se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda.” (FREIRE, 2000, p. 67)

 

 

 

Referências

 

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ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos do Estado. IN:_____. Aparelhos ideológicos do Estado. Rio de Janeiro: Graal, 1983.

 

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FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação – uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. 4. ed. São Paulo: Moraes, 1980. 102 p.

 

_________. e SCAGLIA, A. J. Educação como prática corporal. São Paulo: Scipione, 2003.

 

_________ Paulo; SHOR, Ira. Medo e ousadia: o cotidiano do professor. 12. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2008. 224 p.

 

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 28. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2003. 148 p.

 

________, Paulo. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. Apresentação de Ana Maria Araújo Freire. Carta-prefácio de Balduino A. Andreola. São Paulo: Editora UNESP, 2000.

 

FREITAS, L. C. A internalização da exclusão. Revista Educação e Sociedade, Campinas, v. 23, n. 80, setembro/2002, p. 299 – 325.

 

FREITAS, L. C. Crítica da organização do trabalho pedagógico e da didática. Campinas, SP: Papirus, 1995.

 

GEERTZ, Cliford. O impacto do conceito de cultura sobre o conceito de homem. IN:_____. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989.

 

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OLIVEIRA, G. F. Para quem é o material didático? Professora, você precisa me ouvir. In: DAMIANOVIC, M. C. (Org). Material Didático: Elaboração e Avaliação. Taubaté-SP: Cabral e Editora e Livraria Universitária, p. 444, 2007.

 

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