Em 1932 o escritor Aldous Huxley publicou um livro polêmico, o Admirável Mundo Novo. Uma ficção que previa como seria o mundo em 632 DF. O DF seria depois de Ford, um novo Deus cultuado pela ciência e tecnologia. No mundo imaginado por Huxley a família estaria abolida e as pessoas seriam geradas em incubadoras. Os óvulos seriam divididos em tantas vezes que poderiam ser gerados milhares de gêmeos idênticos. Os indivíduos durante a incubação podiam se tornar Alfa, Beta, Gama e Delta, dependendo da quantidade de oxigênio injetada. Os indivíduos inferiores receberiam maior quantidade de álcool e teriam inteligência rudimentar, apenas suficiente para realizarem trabalhos repetitivos ou atuarem nas insalubres minas de carvão e outros serviços de alto risco.  Os livros seriam proibidos às “castas” inferiores, pois não seria apropriado que tivessem informação ou sensibilidade.

O sexo ainda seria praticado, mas como algo mecânico sem nenhum tipo de afetividade.  As relações afetivas seriam proibidas, pois poderiam contaminar a ordem estabelecida. Para administrar a ansiedade e a depressão, as pessoas receberiam constantemente doses de Soma, uma droga desenvolvida para acalmar as populações. Nos anos 632 DF, não haveria casamentos e o sexo seria livre, mas aquele que se envolvesse emocionalmente com o parceiro ou parceira seria sumariamente eliminado. Aos 45 anos todos morreriam.  Uma injeção letal seria aplicada e as crianças seriam convidadas para festejar com bolos, doces, bolas e música. Assim, a morte se tornaria algo alegre e feliz.

Mas um acontecimento ameaça o mundo governado por um governo central. Um selvagem que vivia isolado nas florestas da América Central encontra um livro de Shakespeare e aprende a ler e foge com uma garota nascida em uma incubadora.  A possibilidade de descoberta da verdade o torna um perigo para a sociedade. Huxley reproduz o mito do casal primordial em que um novo Adão e Eva redescobrem o amor pela obra shakespeariana.

O livro de Huxley traça uma perspectiva de futuro sombria, talvez até mais sombria do que outro livro publicado nos anos 1940 por George Orwel, “1984”, que projeta um mundo controlado também por um governo central em que as pessoas seriam vigiadas pelo Big Brother (Grande Irmão) em todos os momento de suas vidas. Seria uma analogia ao futuro que se desenhava na União Soviética por causa dos espiões do partido comunista, a KGB.

Ao terminar a leitura do Homo Deus de Yuval Harari, autor de outro best-seller, Sapiens, mais uma vez me defronto com um futuro sinistro. Mas esse livro não é um romance e suas previsões estão baseadas em possibilidades concretas, muito próximas da nossa realidade. Harari não prevê, mas mostra como o mundo está caminhando para uma sociedade onde Deuses serão algoritmos e as religiões seriam substituídas pelo controle dos dados. Teríamos assim uma nova crença, o Dataísmo. Já temos o carro autônomo que vai dispensar o ser humano como condutor. Softwares estão substituindo advogados na análise de contratos e processos com uma eficiência extremamente superior. Temos, há tempos, software que substituem engenheiros nos cálculos de estruturas de edifícios, sistemas que dispensam os pilotos de aviões. E já é uma quase realidade, os diagnósticos sobre a saúde humana realizados por computadores, além de cirurgias extremamente delicadas.

O que será do ser humano neste novo mundo em que sua capacidade de armazenar informações é bastante inferior as dos robôs? Talvez a arte fosse uma saída para manter os seres humanos ocupados, mas um programa desenvolvido por Cope conseguiu em um único dia, compor 1500 peças ao estilo de Bach. Algumas dessas peças foram apresentadas num festival e foram louvadas pela sensibilidade, mas muitos ficaram chocados ao saberem que se tratava de músicas compostas por um computador. Um compositor chamado Larson propôs a Cope que fossem apresentadas para um público seleto, três peças, uma de Bach, uma do EMI (Experiments in Musical Inteligence) e outra do próprio Larson. No final o público elegeu como uma autêntica música do Bach uma peça do EMI, a música do Bach foi eleita como música do Larson e a música do Larson como música composta pelo computador.

Essa experiência indica que até para coisas sensíveis o ser humano poderá ser descartado. Harari cita uma pesquisa de Oxford, que estima que 47% dos empregos nos EUA correm o risco serem substituídos por algoritmos de computadores nos próximos vinte anos.  Nem os garçons vão escapar, pois os clientes já estão fazendo seus pedidos diretamente em um computador em alguns restaurantes.  Kurzweil, um pesquisador sobre inteligência artificial projeta para daqui a 30 anos o desenvolvimento de computadores inteligentes, capazes de se auto programarem, ou seja, pensarem como seres humanos, mas com capacidade infinita de armazenar informações.

Harari termina o livro com três questões-chave: 1. Será que os organismos são apenas algoritmos, e a vida apenas processamento de dados? 2. O que é mais valioso – a inteligência ou a consciência? 3. O que vai acontecer à sociedade, aos políticos e à vida cotidiana quando algoritmos não conscientes, mas altamente inteligentes nos conhecerem melhor do que nós nos conhecemos?