NULIDADES PROCESSUAIS PENAIS ABSOLUTAS: UMA ANÁLISE ACERCA DA APLICABILIDADE DA SÚMULA 523 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Por Kassio Andriny Fernandes Taveira | 18/05/2020 | Direito

NULIDADES PROCESSUAIS PENAIS ABSOLUTAS: UMA ANÁLISE ACERCA DA APLICABILIDADE DA SÚMULA 523 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

                              

Kassio Andriny F. Taveira

 

 

RESUMO

O objetivo desse estudo é analisar a aplicação da Súmula 523 do Supremo Tribunal Federal no momento em que se verifica a caracterização de uma nulidade absoluta no processo penal, levando em consideração enunciado do entendimento sumular sob a perspectiva do princípio da ampla defesa e a ideia de defesa deficitária. Dessa forma se deseja chegar uma perspectiva que analise as consequências dessa problemática para o próprio processo penal e suas formalidades. Para tanto usou-se de fontes bibliográficas e recursos advindos de artigos científicos disponíveis na internet, revistas digitais e jurisprudências, para que com intuito exploratório seja elaborado tal artigo.

Palavras-chave: Processo Penal. Nulidade Absoluta. Súmula 523.

 

SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 A Nulidade Absoluta no Processo Penal; 3 A aplicação da súmula 523 na verificação de nulidades absolutas; 4 Os princípios do Processo Penal e as nulidades absolutas; 5 Considerações Finais; Referências

 

1. INTRODUÇÃO 

No processo penal a nulidade decorre de vício proveniente da não observância de requisitos dispostos nas leis. Tais exigências têm como proposito a manutenção das formalidades do processo penal e pareamento das partes, no sentido de resguardar os princípios e formas corretas de desenvolvimento do processo.

Pode ser caracterizada como uma sanção, uma pena ou recompensa, que visa garantir a execução da lei, de modo a ser aplicada ao processo ou ato processual que foi realizado em descumprimento com as solenidades legais ou proibições da mesma.

Estão as mesmas previstas nos artigos 563 a 573 do Código de Processo Penal (Brasil, 1941), tendo sua existência ligada a necessidadeda movimentação processual, no sentido de que a mesma irá transcorrer de acordo com as prescrições legais para o ato processual, garantindo as partes um processo apto e regular, trazendo à tona a verdade substancial. A nulidade pode anular atos ou até processos, de forma parcial ou integral.

Contemplando o que foi retromencionado e tendo como base as peculiaridades deste artigo, visaremos a análise, essencialmente, da nulidade absoluta e a sua aplicabilidade no contexto da sumula 523 do Supremo Tribunal Federal, que firmou tese no sentido de que é possível a nulidade processual em casos de defesa deficitária. No entanto, para isso é necessário comprovar o prejuízo sofrido pelo réu.

Segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal apoiado nos pressupostos estabelecidos na súmula 523, verifica-se a possiblidade de nulidade processual em casos de defesa deficitária. No entanto, para isso é necessário comprovar o prejuízo sofrido pelo réu.

Trata-se de uma questão, ainda, controversa na doutrina e na jurisprudência sobre a conceituação acerca da nulidade decorrente da deficiência de defesa, nos termos da Súmula 523 do STF, cuja finalidade era a de precisamente pacificar o tema. Porém, em tendo sido utilizada uma estrutura não muito clara, pode-se afirmar que não há ainda um consenso sobre se a deficiência de defesa seria uma nulidade absoluta ou uma nulidade relativa.

Em primeiro momento, em uma leitura inicial dos termos da própria súmula, percebe-se com clareza que a falta de defesa, constitui-se de absoluta nulidade, porém em um segundo momento fica necessário a prova pelo réu de seu prejuízo, e nesse ponto se localiza a grande problemática.

A nulidade, em razão da "deficiência de defesa", afeta a armação do processo penal, uma vez que agride um dos seus elementos basilares: a defesa. Defesa esta, revestida, inclusive, do status de mandamento constitucional (artigo 5º, inciso LV da Constituição Federal [Brasil, 1988]).

Portanto, tal situação reflete diretamente nos mandamentos constitucionais de ampla defesa, caso em que sua importância é medida em consideração a sua eficácia no processo penal, atingindo diretamente os direitos fundamentais do réu.

2. A NULIDADE ABSOLUTA NO PROCESSO PENAL

No direito processual penal, verifica-se a possibilidade de arguição de dois tipos de nulidades, que estão dispostas nos artigos 563 a 573 do Código de Processo Penal (Brasil, 1941). São elas as nulidades relativas e absolutas.

Noberto Avena (2018) entende por nulidade relativa, aquelas que atingem a normas que não tutelam o interesse público, e sim o interesse privado da parte, já em relação as absolutas, o mesmo aduz:

É vício que atinge normas de ordem pública, como tais consideradas aquelas que tutelam garantias ou matérias tratadas direta ou indiretamente pela Constituição Federal. O ato existe, porém, uma vez reconhecido o vício, jamais poderá ser considerado válido e eficaz. Sendo insanável, não está sujeito à preclusão. (2018, pg. 1060)

No que diz respeito as mesmas, identificam-se como vícios considerados mais graves por haver violação ao texto e aos princípios constitucionais e processuais; afetam o interesse público, devendo por isso ser decretado de ofício pelo juiz no momento em que for percebida a irregularidade; não precluem e o seu prejuízo é presumido.

O douto doutrinador Eugênio Pacelli, esclarece o seguinte acerca das nulidades absolutas, in verbis:

Com efeito, enquanto a nulidade relativa diz respeito ao interesse das partes em determinado e específico processo, os vícios processuais que resultam em nulidade absoluta referem-se ao processo penal enquanto função jurisdicional, afetando não só o interesse de algum litigante, mas de todo e qualquer (presente, passado e futuro) acusado, em todo e qualquer processo. O que se põe em risco com a violação das formas em tais situações é a própria função judicante, com reflexos irreparáveis na qualidade da jurisdição prestada. (2017, pg. 391)

Logo infere-se que há uma clara relação entre essa espécie de nulidade e a grave violação a princípios do sistema constitucional, sendo que se faz mister observar que qualquer violação ao princípio constitucional do devido processo legal, na qual engloba aos princípios da ampla defesa, contraditório, juiz natural, a nulidade será sempre absoluta e o prejuízo estará sempre presente por ter violado ordem pública.

Na esteira desse raciocínio vê-se, portanto, que surgem a partir do momento em que o ato realizado em desacordo com a previsão legal, afetar diretamente o exercício da função jurisdicional.

Nesse caso, a formalidade violada não está estabelecida simplesmente em lei, havendo ofensa direta ao Texto Constitucional (AVENA, 2018), em caso, as exigências são estabelecidas muito mais no interesse da ordem pública do que propriamente no das partes, e, por esta razão, o prejuízo é presumido e sempre ocorre, situação que para Eugênio Pacelli na realidade diz respeito a uma pressuposição da existência de um prejuízo, ele diz:

Mas não nos parece exato afirmar que, nas nulidades absolutas, o prejuízo seja presumido. Não se cuida de qualquer presunção. O que há é verdadeira afirmação ou pressuposição da existência de prejuízo. Não se cuida de inversão do ônus da prova, passível de alteração no plano concreto, mas de previsão abstrata da lei, a salvo de qualquer indagação probatória. (2017, pg. 392)

Outra importante peculiaridade da nulidade absoluta também, é que ela prescinde de alegação por parte dos litigantes e jamais preclui, podendo ser reconhecida ex officio pelo juiz, em qualquer fase do processo. São nulidades insanáveis, que jamais precluem. A única exceção é a Sumula 160 do STF, que proíbe o Tribunal de reconhecer de ofício nulidades, absolutas ou relativas, em prejuízo do réu, vejamos: “É nula a decisão do Tribunal que acolhe, contra o réu, nulidade não arguida no recurso da acusação, ressalvados os casos de recurso de ofício.” (BRASIL, 2019).

Como já exaustivamente debatido, as nulidades absolutas dizem respeito a vícios gravíssimos, que afetam o processo como um todo, uma vez que não são respeitados os princípios constitucionais, são alguns exemplos:

O caso em que se verifica a suspeição, ocorrerá a nulidade absoluta.  Fato que deverá ser reconhecido ou comprovado, não incidindo os artigos 566 e 567 do Código de Processo Penal (BRASIL, 2019) por haver uma presunção absoluta de que o interesse do juiz ou das partes a ele ligadas influi na decisão da causa.

Outro evento é a falta de intimação ou ainda a supressão de prazos para as partes, que serão causas de nulidade absoluta sobretudo em relação a defesa, onde desponta o princípio da ampla defesa. Há nulidade absoluta se há falta de interrogatório, ato bivalente, pelo qual há meio de prova e ainda de defesa (PACELLI, 2017).

Por fim há que se ressaltar que quando, existir ausência de previsão legal expressa de nulidade (nulidades não cominadas), verificar-se que houve a violação de forma prescrita em lei que visa à proteção de interesse de natureza pública, sendo este caso de nulidade absoluta.

Para ser reconhecida, a nulidade absoluta exige um pronunciamento judicial, sem o qual o ato produzirá seus efeitos.

Portanto, nulidade é, sob uma perspectiva, vício, sob outra, sanção, podendo ser acentuada como a inobservância de exigências legais ou uma falha ou defeito jurídico que invalida o ato processual.

3. A APLICAÇÃO DA SÚMULA 523 NA VERIFICAÇÃO DE NULIDADES ABSOLUTAS 

O Supremo Tribunal Federal, fixou a Súmula 523 em 03 de dezembro de 1969, no entanto até os dias atuais a mesma ainda é utilizada nas instâncias superiores no sentido de que a nulidade por deficiência na defesa do réu só deverá ser declarada se comprovado o efetivo prejuízo ao mesmo (LIMA, 2016). Fato que pode ser observado neste julgado do Superior Tribunal de Justiça:

PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. 1. IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DO RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. 2. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DA EXPEDIÇÃO DE CARTA PRECATÓRIA. NÃO OCORRÊNCIA. NOMEAÇÃO DE DEFENSOR DATIVO PARA O ATO. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. SÚMULA 273/STJ. 3. DEFESA DEFICIENTE. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. SÚMULA 523/STF. 4. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. […] 3. A Corte local assentou que, embora “não se possa concluir pelo primor jurídico da defesa”, não há se falar que “o recorrente esteve indefeso”. Nesse contexto, incide na hipótese retratada o enunciado n. 523 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, a qual dispõe que, “no processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu”. Note-se que a sentença condenatória não pode ser considerada, por si só, como prova do prejuízo. De fato, cabe à defesa demonstrar que eventual atuação diversa do advogado, poderia, de forma concreta, ter acarretado a absolvição do paciente, ainda que pela geração de dúvida no julgador, o que não ficou demonstrado no caso dos autos. Dessarte, não há se falar em nulidade. 4. Habeas corpus não conhecido. (HC 279.920/SP, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 15/03/2016, DJe 28/03/2016) (grifou-se)

Para que se configure a falta ou deficiência da defesa, não é suficiente a alegação genérica pelo defensor, sendo fundamental que exista a especificação da negligência ou inércia do antigo advogado (LIMA, 2016).

Em outro específico caso julgado pelo Superior Tribunal Federal, pode-se observar mais uma vez a cautela utilizada quanto ao estabelecimento de defesa deficitária, fato este que deve vir bem fundamentado e evidenciado, observemos:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. NOVOS ARGUMENTOS HÁBEIS A DESCONSTITUIR A DECISÃO IMPUGNADA. INEXISTÊNCIA. TRÁFICO DE DROGAS. NULIDADE. ALEGAÇÕES FINAIS SUPOSTAMENTE GENÉRICAS. PEDIDO ABSOLUTÓRIO POR INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA E CONTRADIÇÃO NOS DEPOIMENTOS DOS POLICIAIS MILITARES. MESMA TESE ALEGADA PELA DEFENSORIA PÚBLICA NAS RAZÕES DO APELO. AUSÊNCIA DE DEFESA TÉCNICA OU DEFICIÊNCIA ABSOLUTA EQUIPARADA À FALTA DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. DEFICIÊNCIA DE DEFESA. NULIDADE RELATIVA. SÚMULA 523/STF. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO. NULIDADE NÃO CONFIGURADA. PRECEDENTES. AGRAVO NÃO PROVIDO.

I - E assente nesta Corte Superior de Justiça que o agravo regimental deve trazer novos argumentos capazes de alterar o entendimento anteriormente firmado, sob pena de ser mantida a r. decisão vergastada pelos próprios fundamentos.

II - No presente caso, as alegações finais apresentadas pela então advogada do paciente, embora sucintas, trouxe expressamente o pedido de absolvição por insuficiência probatória e por contradições verificadas nos depoimentos dos policiais militares, mesma tese posteriormente apresentada pela Defensoria Pública Estadual nas razões de apelação. Assim, não restou configurada a alegada ausência de defesa técnica, ou mesmo a absoluta deficiência técnica que pudesse ser equiparada à falta de defesa.

III - De igual modo, também não restou configurada a nulidade por deficiência de defesa, uma vez que a defesa não demonstrou qual foi o prejuízo suportado pelo paciente em razão das alegações finais apresentadas pela então procuradora. Vale dizer, a defesa somente faz ilações genéricas de que teria havido prejuízo, entretanto não aponta nenhum fato que pudesse demonstrá-lo, tal como uma tese defensiva que não foi suscitada nas alegações finais e que poderia ter influenciado diretamente no resultado do julgamento. Repita-se que a única tese defensiva apresentada pela Defensoria Pública Estadual nas razões de apelação foi a mesma apresentada pela advogada nas alegações finais, qual seja, absolvição por insuficiência probatória e por contradição nos depoimentos dos policiais militares.

IV - Desta forma, não restou demonstrado o prejuízo suportado pelo paciente em razão de suposta deficiência de defesa, requisito imprescindível para a declaração de nulidade, nos termos da Súmula n. 523/STF: "No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu".

V - "Ademais, o reconhecimento de nulidade dos atos processuais demanda, em regra, a demonstração do efetivo prejuízo causado à defesa técnica. Vale dizer, o pedido deve expor, claramente, como o novo ato beneficiaria o acusado. Sem isso, estar-se-ia diante de um exercício de formalismo exagerado, que certamente comprometeria o objetivo maior da atividade jurisdicional" (HC n. 119.372/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Teori Zavascki, DJe de 2/2/2016). Agravo regimental não provido. (STJ - AgRg no HC: 463386 SP 2018/0201074-6, Relator: Ministro FELIX FISCHER, Data de Julgamento: 18/10/2018, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 23/10/2018)  (grifou-se)

Talvez a falta de defesa e a defesa deficiente, termos utilizados pela jurisprudência, não sejam algo categorial, isto é, não seja possível identificar critérios de identidade específicos para toda e qualquer situação.

Uma defesa não é deficiente ou inexistente por, genérica e abstratamente, fazer ou deixar de fazer algo específico, mas sim porque, num caso concreto, agiu de forma desidiosa, equivocada ou omissa, neste sentido preleciona Renato Brasileiro de Lima, ele afirma: “Assim, caso haja falha na atuação do defensor, com a causação de prejuízo ao acusado, o processo deve ser anulado. Em outras palavras, a defesa não pode ser meramente formal, devendo ser adequadamente exercida.” (2016, pg. 95)

No que diz respeito a aplicação da Súmula 523 no âmbito do Supremo Tribunal Federal, podemos observar, de acordo com a jurisprudência firmada, o seguinte:

HABEAS CORPUS. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. DEFICIÊNCIA DA DEFESA TÉCNICA. SÚMULA 523/STF. PREJUÍZO DEMONSTRADO. NULIDADE RECONHECIDA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PRESCRIÇÃO. ORDEM CONCEDIDA. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO.

1. "No processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu" (Súmula 523/STF).

2. Constatado o prejuízo decorrente da deficiência da defesa técnica, exercida de forma desidiosa durante o curso da ação penal, impõe-se a nulidade do processo a fim de garantir ao réu o pleno exercício da ampla defesa e o contraditório (art. 5º, LV, da Constituição Federal).

3. Reconhecida a nulidade, impõe-se a concessão de habeas corpus de ofício para declarar extinta a punibilidade em face da prescrição da pretensão punitiva (art. 107, IV, c.c 109, III, do Código Penal), contada a partir da pena máxima cominada em abstrato para o delito de atentado violento ao pudor, haja vista que já transcorreram mais de 16 anos desde o recebimento da denúncia, ocorrido em 2/10/91.

4. Ordem concedida para a anular o processo a partir do interrogatório. Habeas corpus concedido de ofício para declarar extinta a pretensão punitiva do paciente pela prescrição (art. 107, IV, c.c 109, III, do Código Penal), determinando a expedição de alvará de soltura em seu favor, salvo se por outro motivo estiver preso. (STJ - HC: 68433 SP 2006/0227817-8, Relator: Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, Data de Julgamento: 21/08/2008, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: --> DJe 22/09/2008)  (grifou-se)

A questão é complexa, haja vista que mais que um direito constitui se averigua  uma garantia do acusado e de outro modo, garantia do justo processo. O que permite uma condição de regularidade do procedimento formulando uma verdadeira garantia na ótica do interesse público.

Dessa forma, verifica-se com base nas jurisprudências colacionadas que até os dias atuais ainda vigora a tese defendida pela Súmula e que encontra barreiras na própria teoria geral das nulidades processuais, pois há de certa maneira um atropelamento ao sagrado princípio constitucional da ampla defesa.

4. OS PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL E AS NULIDADES ABSOLUTAS

Os princípios que incidem na aplicação de nulidades absolutas, o fazem de modo a garantir que o ato processual seja perpetrado em acordo com a Constituição Federal e as leis processuais penais, a fim de garantir um processo penal justo e em concordância com o princípio do devido processo legal.

Um exemplo de princípio que atinge diretamente esse tipo de ramo do direito é o da tipicidade das formas, que na visão de Gustavo Henrique Badaró (2018), se constitui como uma garantia para as partes e para uma correta prestação jurisdicional

Esse princípio rege os atos processuais e consequentemente o sistema das nulidades, podendo ser formulado na perspectiva de que o Código prevê quais os atos que devem ser praticados e como devem ser praticados, devendo esse modelo ser respeitado.

A afronta a tipicidade legal constitui nulidade, conforme previsto no artigo 564, IV, do Código de Processo Penal: “Art. 564. A nulidade ocorrerá nos seguintes casos: V - por omissão de formalidade que constitua elemento essencial do ato.” (Brasil, 2019)

A previsão de nulidade pela inobservância à forma típica do ato processual consiste num mecanismo para compelir os sujeitos do processo ao cumprimento do modelo típico legal, ou seja, ou se cumpre o modelo legal ou o ato será ou poderá ser declarado inválido.

Um outro mandamento constitucional e essencial para o tema das nulidades é o que se entende por instrumentalização das formas, dele se extrai que a forma, o lugar e o tempo dos atos processuais são determinados com critérios teleológicos, ou seja, com o objetivos de assegurar certos bens jurídicos que a lei reputa politicamente necessários ou tecnicamente convenientes, essa ideia para Eugênio Pacelli se traduz da seguinte forma:

Já ficou claro que defendemos abertamente (malgrado cientes de que, ao menos por ora, é posição minoritária explícita na doutrina e na jurisprudência no âmbito processual penal) que, em tema de nulidades, há de se fazer a ponderação diante de todos os princípios orientadores do tema (especialmente a instrumentalidade das formas, o prejuízo, o interesse e a causalidade). Não negamos que há situações em que a nulidade do ato é evidente. Mas não pela nulidade em si (desrespeito à forma), mas sim pelo prejuízo efetivo que causa a uma das partes (mormente à defesa), ou seja, como dito anteriormente, pelos efeitos que são gerados sobre o processo. ( 2017, pg. 1093)

Por isso, as formas não são um fim em si mesmas. Ao contrário, são meios que permitem que o ato atinja seus fins. Segundo o princípio da instrumentalidade das formas, não se anula um ato se, embora praticado em desacordo com a forma prevista em lei, atingiu o seu fim. A razão pela qual a forma foi instituída acabou sendo cumprida.

Em seguida, temos o Princípio da Conservação dos Atos processuais, também extremamente necessário e que tem por escopo a flexibilização do princípio da causalidade, visando racionalizar o processo. Para LIMA (2016, pg. 2135), ele pode ser assim entendido:

uma vez declarada a nulidade de determinado ato processual, os atos processuais que com ele guardam relação de causalidade também serão contaminados. De seu turno, por força do princípio da conservação dos atos processuais, deve ser preservada a validade dos atos processuais que não dependam de ato anterior declarado inválido.

 O princípio da causalidade coloca que uma vez declarado nulo determinado o ato processual, os atos processuais que com ele guardam afinidade de causalidade também serão corrompidos, levando assim à nulidade de todos os demais.

Por seu turno, pelo princípio da conservação dos atos processuais, entende-se que deve ser preservada a validade dos atos processuais que não dependam de ato anterior declarado inválido.

Desse modo, afirma-se como necessário um estudo, mesmo que superficial acerca dos princípios que regem o processo penal, haja vista que é por meio da inobservância dos mesmos que se vislumbra a principal efetivação de uma nulidade processual absoluta, ensejando um dano insanável aos direitos dos envolvidos no processo.

5.  CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo buscou identificar o debate em torno do sistema de aplicação da Súmula 523 no momento de verificação de nulidades absolutas, sendo estas aquelas que são percebidas como vícios integrados ao ato processual e que atentam contra o interesse público na existência de um processo penal justo.

Para tanto, foi fundamental a percepção de que existe segundo o definido no entendimento sumular uma intrínseca necessidade demonstração de prejuízo para o acusado e/ou para defesa, algo que sob as críticas de muitos acaba por gerar conflitos com princípios sensíveis ao próprio ordenamento constitucional e processual penal.

Logo, a partir do que foi discutido, quando a qualquer modo a defesa é exercida precariamente não é garantido o próprio Direito de Defesa ao acusado, o que estabelece uma clara incompatibilidade da Súmula 523 do Supremo Tribunal Federal com a Constituição da República Federativa do Brasil e o próprio Código de Processo Penal em vigor.

Portanto, esse artigo ao analisar esses importantes sistemas do direito processual penal e constitucional, para além de sua definição legal e doutrinária, trouxe questionamentos acerca do bom emprego dos mandamentos legais que orientam os mesmos. Buscando  compreender as relações envolvidas e as consequências delas decorrentes. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

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BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. 2013 ed. 1988.

_______. Supremo Tribunal Federal. SÚMULA N° 160.

Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumarioSumulas.asp?sumula=2747. Acesso em 21 de outubro de 2019.

_______. Supremo Tribunal Federal. SÚMULA N° 523.

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_______. Superior Tribunal de Justiça. HABEAS CORPUS: 463386 SP. Min. Relator: Felix Fisher. Data de julgamento: 18/10/2018.

Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/643002584/agravo-regimental-no-habeas-corpus-agrg-no-hc-463386-sp-2018-0201074-6. Acesso em: 22 de outubro de 2019

_______. Superior Tribunal de Justiça. HABEAS CORPUS: 68433 SP. Min. Relator: Arnaldo Esteves Lima. Data de julgamento: 21/08/2008.

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_______, DECRETO-LEI Nº 3.689, DE 3 DE OUTUBRO DE 1941.

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689.htm.  Consultado em 02 de agosto de 2019.

BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo Penal. 6. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.

Lima, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único.  4. ed. rev., ampl. e atual. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2016.

GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 5. Ed. São Paulo: Atlas, 2010.

PACELLI, Eugênio. Curso de processo penal. – 21. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2017.

Paper apresentado à disciplina Processo Penal III do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco (UNDB).

Aluno do 7º período do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco (UNDB).

Professor, Orientador: Jose Nijar Sauaia Neto

Artigo completo: