Novas Abordagens da Avaliação da Aprendizagem

            A avaliação e a aprendizagem correspondem a uma via de mão dupla, onde todos os envolvidos no processo educativo transitam com suas respectivas competências, sejam alunos, professores, famílias e instituições, constituindo-se a avaliação no seu valor máximo da aprendizagem, pois através dela se verifica o que e o quanto falta ser aprendido.

A avaliação neste aspecto é um processo contínuo e sistemático, por isso não pode ser improvisada, precisando de planejamento constante por fazer parte de um sistema mais amplo que é o processo ensino–aprendizagem, fornecendo a retroalimentação, permitindo assim a recuperação imediata quando for necessário.

Para conhecer a avaliação é necessário reportar-se aos conceitos que marcaram a história do processo avaliativo e que até hoje ainda prevalecem em muitos sistemas de ensino e nas escolas como o de Bloom[1] apud Haidt (1992) em

que a avaliação inclui uma grande variedade de dados superiores ao rotineiro

exame final escrito, auxiliando no esclarecimento das metas e dos objetivos educacionais importantes. Consiste num processo de determinação da medida em que o desenvolvimento do aluno está se processando da maneira desejada.

Dentro desta mesma linha de pensamento a autora acima citada  conceitua avaliação como “(...) um método de coleta e de processamento de dados necessários à melhoria da aprendizagem e do ensino” (HAIDT, 1992, p.43).

Este conceito referido anteriormente pela autora, reflete a concepção tradicional de avaliação, pois se inspira nas correntes cientificistas dos primórdios da avaliação aplicada à educação, voltando-se para a avaliação classificatória, dando ênfase às técnicas de construção de provas e testes. Porém a autora na mesma obra já reconhece que é preciso mudar a função da avaliação na escola quando em um de seus relatos escreve:

“A avaliação antes, tinha um caráter seletivo, uma vez que era vista apenas como uma forma de classificar  e promover o aluno de uma série para outra ou de um grau para outro. Atualmente, a avaliação assume novas funções, pois é um meio de diagnosticar e de verificar em que medida os objetivos propostos para o processo ensino-aprendizagem estão sendo atingidos. Portanto, a avaliação assume uma dimensão orientadora”. (HAIDT,1992.p.43)

 

O autor Vasconcelos (1998) fazendo uma abordagem sobre o assunto coloca que a lógica classificatória está enraizada nos sujeitos exigindo uma transformação, uma mediação teórica. O aluno neste aspecto não pode pagar pela deficiência do sistema de ensino que acaba não oferecendo um atendimento adequado de qualidade, para isso temos que ter consciência de que não estamos trabalhando com produção de objetos inertes, mas com formação de seres humanos.

Esta visão de escola, atualmente, não pode ser concebida como fábrica onde recebe a matéria prima para transformá-la em produto pronto e acabado para concorrer no mercado.

A escola deve ser concebida como um local que esteja a serviço da sociedade que busca uma nova forma de viver e sobreviver dentro do contexto mundial globalizado que muda constantemente sua economia. Dessa forma, a avaliação em pleno século XXI, não pode ser entendida como uma tarefa simplória em que o professor utiliza somente para atribuir uma nota ou mensurar o conhecimento do aluno chegando a desvalorizar sua produção durante o período que passou trocando e construindo conhecimento com o professor de forma interativa.

Esta mudança que se persegue no sistema, somente se concretizará quando forem extirpadas de nossas escolas, posturas pedagógicas tradicionais de transmissão e informações de conteúdos inquestionáveis, avaliações somente através do instrumento prova, conteúdos fragmentados  e a ausência de reflexões aprofundadas sobre este processo, pela própria escola.

Vejamos o que diz Luckesi (1995,p.66) : “Uma avaliação conduzida de forma inadequada pode possibilitar a repetência e esta tem conseqüências na evasão”. Garantir o acesso e permanência do aluno na escola pauta-se por uma qualidade de avaliação construída pelo professor, aluno e equipe pedagógica dentro de um projeto político pedagógico. Este projeto deve ser discutido e analisado pelo coletivo para que o autoritarismo e o uso insatisfatório dos resultados da avaliação não venha a tornar a avaliação como um instrumento antidemocrático na escola que seja usado contra o aluno e conseqüentemente contra a sociedade.

O processo de avaliação classificatória presente nas escolas precisa ser mudado desde a elaboração até o registro real nas cadernetas. O autor emite sua opinião fazendo um alerta onde precisa-se compreender o que é avaliação, para entender o significado latente dessa prática na escola. Assim, conceitua a avaliação como: “(..)um juízo de qualidade sobre dados relevantes, tendo em vista uma tomada de decisão” (LUCKESI, 1995 p. 69).

Este conceito refere que os juízos são afirmações ou negações realizadas sobre alguma coisa podendo incidir sobre o aspecto substantivo, ou sobre o aspecto adjetivo da realidade. Sendo que o aspecto substantivo recebe a denominação de juízos de existência, na medida em que a sua expressão pode ser justificada pelos dados empíricos da realidade. Já o juízo que expressa a qualidade do objeto que esta sendo ajuizado, recebe a denominação de juízo de qualidade, desde que incida sobre uma realidade atribuída ao objeto. O juízo de existência diz o que o objeto é; enquanto que o de qualidade expressa uma qualidade atribuída ao objeto. 

Ainda na mesma obra o autor caracteriza a avaliação como julgamento de valor, como manifestações relevantes da realidade, tendo em vista uma tomada de decisão. Para este educador a avaliação diagnóstica é o eixo norteador de uma prática de transformação a favor de uma participação social que envolva todos os cidadãos, assim ela deixaria de ter um caráter conservador e antidemocrático da avaliação classificatória que exclui as pessoas tanto crianças, jovens e adultos da escola.

Esta forma de o professor utilizar a avaliação diagnóstica necessita uma nova postura em sala de aula de modo que venha a ser companheiro da jornada dos alunos diariamente onde o processo ocorre.

    “A avaliação diagnóstica não se propõe de forma solta/ isolada e sem uma articulação. Ao contrário, como busca a transformação, deve estar comprometida com uma proposta pedagógica histórico crítica e, conseqüentemente, o educador  também deve estar comprometido com  os objetivos políticos da educação, provido de competência cientifica e tecnológica para transformar estes objetos em resultados práticos” (MIZUKAMI, 2002, p.99).

 

Neste repensar sobre avaliação, vários estudiosos preocupados com esta forma de avaliar e de conceber a avaliação nas escolas, referem que é preciso mudar nossas posturas e rever os pressupostos da avaliação para que “(...) o conceito de avaliação da aprendizagem que tradicionalmente tem como alvo o julgamento e classificação do aluno necessita ser redirecionado.” (SOUZA, 1993, p.40).

Percebe-se que Souza (1993) preocupa-se com o redirecionamento da avaliação, não se deixando enquadrar na teoria conservadora. A visão diagnóstica da avaliação está presente como processo de verificação e pesquisa de mudança de estratégias e instrumentos que interferem todos os processos educativos. A formulação coletiva deste processo é que vai garantir a aprendizagem do aluno.

Romão (2001) após analisar os estudos da autora citada anteriormente sobre a avaliação, tece comentários afirmando que embora tenha avançado às concepções classificatórias, seu estudo “(...) não explora todas as potencialidades políticas e politizadoras do que denomina “coletivo”, nem dos componentes do projeto pedagógico cuja aprendizagem pelo aluno será garantida”(idem,2001, p.57)

Conforme Souza (1993) para que a avaliação não pertença ao universo tradicional basta que ela seja instrumento de processo de  decisões coletivas pelos agentes escolares, que trabalhem um projeto coletivamente  formulado e que esteja comprometido com a aprendizagem do aluno.

 Sant’anna (1995), postula que a avaliação constituirá em estabelecer uma comparação do que já foi alcançado com o que se pretende atingir. “Estaremos avaliando quando estivermos examinando o que queremos, o que estamos construindo e o que conseguimos, analisando sua validade e eficiência a máxima produção com o mínimo de esforço” (SANT’ANNA, 1995, p.23-24).

Esta teoria referida pela autora citada leva a um entendimento de que a avaliação transita em duas linhas: a diagnóstica e classificatória, deixando subentender que a formulação dos padrões que são referencias do desempenho dos alunos estejam interligados à decisões dos agentes envolvidos durante o processo de avaliação.

Neste direcionamento de autores que buscam fazer uma avaliação de cunho processual contínua, participativa, diagnóstica e investigativa temos que considerar como uma das precursoras  Saul (2001) que  escreve:

  “(..) é dimensão do ato de conhecer e, portanto fundamental compromissada com o diagnóstico do avanço do conhecimento quer na perspectiva de sistematização, quer na produção do novo conhecimento de modo a se construir em estímulo para o avanço da produção do conhecimento” (SAUL, 2001, p.129).

Esta abordagem leva a inferir-se que a avaliação não fique centrada no educando e no seu desempenho cognitivo, mas seja uma ressignificação no contexto escolar, daí a importância do professor como agente transformador desta realidade.

O professor, como ator desta transformação, deve voltar-se para a realidade do cotidiano do aluno sem desmerecer os conteúdos científicos como meio de reflexão e ação para intervenção na escola e na sociedade. Também, para esta construção, é preciso conhecer na íntegra uma concepção de criança, de jovens e adultos, como sujeitos do seu próprio desenvolvimento,como pessoas inseridas num contexto social que sofre transformações de acordo com o meio em que convive, tornando-o crítico, político com uma visão total de mundo e não um ser passivo frente aos problemas sociais.

“A avaliação deixa de ser um momento terminal do processo educativo (como hoje é concebida) para se transformar na busca incessante de compreensão das dificuldades do educando e na dinamização de novas oportunidades de conhecimento” (HOFFMAN, 1995, p.21)

Este novo paradigma de avaliação, postulado por Hoffman (1995) requer uma compreensão de totalidade do contexto real, frente a uma ação avaliativa dialógica e interativa que se promova educandos moral e intelectual para que tornem cidadãos críticos, participativos inseridos em um contexto social que venham em conjunto encontrar novos caminhos na ação de avaliar. Esta avaliação deve ser encarada como um instrumento auxiliar do ensino e aprendizagem e não como mecanismo de aprovação ou retenção dos alunos, deve servir para o professor repensar sua prática.

Conduzir a avaliação neste aspecto não é tarefa fácil, exige uma ação que surja do consenso, do contexto escolar construído de forma coletiva e que atinja todos os sistemas de ensino seja federal, estadual ou municipal rompendo com as várias faces da avaliação presente no cotidiano das instituições de ensino.

Esta abordagem é de suma importância para uma reflexão mais ampla. Neste estudo a autora citada escreve “avaliação é um movimento, é ação e reflexão” (HOFFMANN, 1995, p.61). A avaliação concebida neste enfoque não pode ser um momento estanque como ocorre em muitas escolas e universidades, semana de provas ou exames, horário marcado, tempo para resolução. Para a autora o processo avaliativo vai muito além, pois à medida que os alunos realizam suas tarefas efetivam muitas conquistas: “(...) refletem sobre suas hipóteses, discutem –nas com os pais e colegas, justificam suas alternativas diferenciadas(HOFFMANN,1995,p.61). Este movimento constante de ir e vir ultrapassam o momento da tarefa não se esgotando nelas como único fim.

Acredita-se que o professor conhecendo e valorizando as novas abordagens e conceitos da avaliação, iniciará um processo de mudança internalizando a importância do ato de avaliar como processo de seu fazer pedagógico. Este repensar do professor vem a tornar o processo de avaliação como mediação que: “(...) desenvolve-se em beneficio do educando e dá-se fundamentalmente pela proximidade entre quem educa e quem é educado”. (HOFFMANN, 1993, p.191).

Este redimensionamento do processo avaliativo também pode ser abordado dentro de um enfoque da avaliação formativa muito bem enfatizada e denominada por Perrenoud (1999). Para o autor a avaliação sempre está presa por organizações pedagógicas e que mudar avaliação exige o repensar de todo o sistema de ensino. Esta organização em que a avaliação esta inserida envolve vários mecanismos que são correspondentes e interdependentes, seja ele social, econômico ou até mesmo psicológico.

A avaliação neste enfoque deve estar a favor do aluno e de seu desenvolvimento intelectual e não como um caso clinico de forma que se precisa fazer um diagnóstico para ser resolvido. Nesta forma de avaliação os erros  e as dificuldades surgidas durante o processo são considerados normais durante o desenvolvimento da aprendizagem.

Estes pontos foram tomados com o intuito de esclarecer melhor o enfoque que a Secretaria Municipal de Educação de Belém adotou para garantir as transformações de um paradigma de avaliação tradicional para um paradigma da avaliação emancipatória.

Entende-se que as idéias destes autores articulam-se com o fazer pedagógico onde o processo acontece dentro do projeto Escola Cabana que vem sendo construído ao longo destes sete anos de governo popular na cidade de Belém.

Tem-se a clareza que não são somente estes enunciados e abordagens que vão respaldar este estudo, pois caso fossem abordados conceitos de avaliação de forma mais profunda com o intuito de esgotar o tema, um trabalho de pesquisa não seria suficiente para se fazer analise de uma prática que se tornou complexa na atual conjuntura da educação em que cada conceito, como pode-se verificar, traz consigo uma determinada concepção de educação. Porém acredita-se humildemente que estes conceitos e abordagem são suficientes para travar uma discussão dentro da realidade pesquisada que vem mudando seu processo avaliativo.

Entretanto, é preciso repensar os conceitos, medir e testar no cotidiano da escola, pois segundo estudiosos como Hoffman (1993) ainda há dúvidas quando o professor faz uso destes conceitos enunciados anteriormente.



[1] BLOOM, Bejamin et alii.Taxionomia dos objetivos educacionais.porto Alegre: Globo,1973