REALIDADE E VIRTUALIDADE 

As duas citações acima têm apenas um propósito: apontar o quanto a virtualidade ou o virtual constituem campos sobre os quais a filosofia coleciona certamente muitas incertezas. Muito embora o citado trecho não tenha nenhuma relação direta com o tema proposto, fala da maneira como a filosofia lida com “conceitos”1 . E bem possível que o virtual, ao menos em certa medida, seja uma questão conceitual também. Muito imprecisa e longe de qualquer consenso. Porém, como apontam os franceses citados, conceituar não constitui um caminho tão seguro, nem confortável e muitas vezes também não convincente, (Deleuze & Guattari, 1996: 104). E não será este modesto trabalho que irá propor caminhos mais seguros ou convincentes. E isso também, sobretudo, por uma única razão: a falta de capacidade do autor desta síntese aqui de açambarcar tema com tamanha complexidade. E também porque a análise do que seria o virtual (se ele é uma coisa, um ente), ao menos em termos ontológicos, parece que só agora começa a despertar a busca por uma fundamentação filosófica mais consistente. Daí também a pouca pesquisa de que se dispõe até agora2 . Nesse sentido, o que segue são fagulhas, lampejos, recortes do que poderia ser dito sobre o virtual a partir de uma concepção filosófica. Mas é isso suficiente? É certo que discorrer sobre o tema “virtual” ou a “virtualidade” já não pode mais ser feito ou tomado como vinha sendo até agora, isto é, um termo apenas ligado às demandas das novas tecnologias comunicacionais ou ficcionais, visivelmente acentuadas no quatro cantos do planeta nas últimas duas décadas, (Lévy, 1998). Guattari (1993: 121) chama isso, que aqui é genericamente denominado por “demanda tecnológica” de “oralidade maquínica”. E vai mais longe ainda ao falar de uma “ecologia virtual” (Id. ibid: 116). Entretanto é também bastante óbvio que foram justamente essas demandas tecnológicas que colocaram o tema à prova e, por isso mesmo, ele exige hoje uma problematização mais ampla do que aceitá-lo simplesmente como um termo banal, sem qualquer relevância, quase sempre repetido aqui e acolá, das mais variadas maneiras, nos mais variados ambientes, sem, sobretudo, aperceber-se de que na realidade está se tratando de algo existente, ainda que virtualmente (um ser, um ente?). Ao menos em filosofia coloca-se um grande problema: se o virtual é algo (ente) o que ele é? Haveria aqui a necessidade de um fundamento ou um estatuto ontológico? E de que ordem ele seria? Foi nesse sentido que o Professor Celso Braida desafiou o grupo de estudantes do Mestrado em Filosofia do primeiro semestre de 2004, na Disciplina de Ontologia e Filosofia da Linguagem, a buscar no “Virtual” não apenas a compreensão comum que já se tem do termo, mas perceber que sob este termo podem estar submergidas questões muito significativas, tanto à filosofia como também às ciências em geral e ao entendimento como um todo. Porque, a princípio, a virtualidade não foi inventada pelos Modernos ou PósModernos, mas esteve ligado sempre à história da humanidade em geral. A título de ilustração apenas, e talvez de uma maneira ampla e rudimentar, a categoria aristotélica “potência” pode ser vista como tendo aspectos de virtualidade. Pois, se virtual deriva do termo latino Virtus, (de onde se origina a palavra, também latina, virtude) e pode ser traduzido por força ou aquilo que ainda há de vir, não seria inadequado admitir que aquilo que está só em Potência para o estagirita não poderia ser também aquilo que só existe virtualmente. Mas isso ainda não explica nada, porque também não é possível analisar o virtual sem adentrar, de alguma maneira, naquilo que se considera atual, atualidade e, sobretudo, naquilo que se considera real ou realidade. E ainda assim é possível perguntarse se virtual e virtualidade, real e realidade, atual e atualidade, podem ser tomados como sinônimos um a outro. Pois isso também não está de modo algum claro. Todo o pensamento filosófico ocidental está marcado, a grosso modo, por três grandes e distintos movimentos no que se refere às formas de compreensão daquilo que se denomina genericamente de real ou realidade. O primeiro é aquele que desde os gregos Pré-Socráticos pergunta-se sobre o que é aquilo que existe e quais seriam as formas de se conhecer essa realidade existente. O segundo momento é aquele sintetizado pela virada cartesiana que deslocou a maneira de se referir àquilo que supostamente pode ser conhecido – a realidade. E o terceiro ainda é muito recente, mas pode ser visto naquilo que se considera uma compreensão Pós-Moderna, que parte sempre de uma visão não-linear do conhecimento, o que Demo (2002: 13-31) chama também de complexidades, e Guatari (1993: 115) considera essa uma questão de desterritorialização do conhecimento. É possível que uma visão não-linear de compreender o que poderia ser o real, ofereça algumas possibilidades de tratar também da questão a cerca do virtual. Voltar-se-á a isso mais adiante.