Com a Copa do Mundo na Rússia a gente começa a se lembrar dos russos, um povo na maioria eslavo que habita a maior nação do mundo situada no leste europeu. A Rússia pela sua extensão quase se assemelha ao antigo Império Britânico, em que o sol nunca se punha em seus domínios.  O Garrincha, com o seu jeito simplório, respondeu ao técnico Vicente Feola da seleção brasileira sobre as táticas que queria utilizar contra os times adversários: “Mas você já falou com os russos?”. E essa frase ficou marcada e acabou virando a resposta para quando afirmamos alguma coisa que depende de como os outros vão reagir. Para ele os russos eram quase todos os estrangeiros, principalmente europeus, englobando suecos, suíços, ingleses etc.

Nos anos 1960 em São Caetano tínhamos um casal de vizinhos russos. Eram muito simpáticos e me lembro bem da dona Amélia que frequentava nossa casa. O casal era espírita e minha mãe às vezes frequentava as sessões de orações na casa deles, mais para agradar a amiga, pois era católica convicta.  O marido dela, seu Dimitri, contava muitas histórias sobre a Rússia, principalmente sobre o Stalin e seu regime de terror.  Sobre o comunismo, outra senhora vizinha, dona Maria, uma Checa, casada com um homem negro, também contava suas histórias como fugiram da invasão soviética no seu país. Eram sempre histórias tristes, com relatos de violência, fome, maus tratos e pessoas generosas que ajudavam os refugiados a escaparem. Checos, poloneses e húngaros eram todos russos para a vizinhança, principalmente para o dono do armazém que não entendia nada de geografia.

Os russos entraram mesmo no imaginário brasileiro depois da Revolução de Outubro de 1917, liderada por Lênin. Pela primeira vez na história da humanidade as classes subalternas estariam no poder, pelo menos simbolicamente, pois quem estava mesmo no poder era uma classe média intelectualizada e revolucionária que assumiu o controle do país, seguindo os princípios do marxismo.  Mas Lênin não viveu muito tempo para ver a sua revolução progredir e o cruel e sanguinário Stálin assume o poder de forma totalitária reprimindo violentamente nos seus opositores, incluindo os revolucionários de primeira hora como Leon Trotsky.  Aliás, o consagrado poeta Pablo Neruda, militante do Partido Comunista, foi encarregado da primeira tentativa de eliminar o dissidente Trotsky. Por sorte ele não teve sucesso e talvez nem tivesse recebido o Prêmio Nobel.

Entre as esquerdas brasileiras havia uma percepção de que sob o comando de Lênin as coisas seriam diferentes, mas a revisão histórica indica que não mudaria muito, mesmo considerando que ele era um intelectual mais refinado do que o brutamonte Josef Stalin. Mas quando se toma o poder pela força a história mostra que é preciso governar de forma totalitária suprimindo liberdades e direitos e só assim é possível consolidar o poder. Numa revolução, aqueles que foram desalojados do poder sempre vão tentar recuperá-lo. A troca de comando não se dá de forma democrática e civilizada, mas com troca de chumbo.

Os russos também fizeram sucesso por aqui com a viagem da cachorrinha laika, que viajou em torno da terra num foguete. A pobrezinha não sobreviveu e não pode usufruir da fama que merecidamente ganhou por ter sido a primeira viajante espacial da história. Mas o Yuri Gagarin fez história ao ver pela primeira vez na história o nosso planeta do espaço. A sua frase: “A terra é azul” ficou eternizada. Ele descobriu com seus próprios olhos que o céu não existia. Só era possível ver planetas, galáxias e estrelas no espaço cósmico. E imaginar que Galileu Galilei quase foi lançado à fogueira da inquisição porque queria provar que a Terra era o centro do universo.

Mas entendi um pouco mais a civilização russa com a leitura de alguns romances do Dostoievski, do Tolstoi e do Pasternak. Esse último teve uma versão para o cinema que já vi várias vezes, o Doutor Jivago, sobre a história romântica história de um médico e poeta desencantado com a revolução comunista. O filme mostra o outro lado da revolução, com a aristocracia e burguesia perdendo o poder e seus bens com a coletivização da economia.

Ainda sobre os russos, recordo-me de um artigo no suplemento literário do Estadão nos anos 1970, afirmando que na União Soviética havia uma forte oposição ao regime em razão do atraso em relação ao Ocidente, pelas perseguições políticas e censura. Entretanto, afirmava o articulista: “A URSS deverá passar por profundas mudanças, mas jamais retornará ao regime capitalista. A população que nasceu sob os princípios socialistas, jamais aceitará mudanças no sistema econômico”. Enganou-se redondamente o autor cujo nome não me lembro. A URSS se desintegrou, voltando a Rússia e os países que dela faziam parte ao capitalismo e da pior espécie, ou seja, quase selvagem e corrompido. Hoje a Rússia, maior país do mundo em território, é governada por um quase ditador que tem pretensões a ser um novo Czar legitimado por uma frágil democracia.

Enfim, talvez a Rússia até leve a Copa do Mundo, pois o Putin deverá fazer qualquer coisa para manter-se no poder, resgatando o velho império e o prestígio internacional que teve no pós-guerra, como a segunda maior potência global. Para levar a Copa para o seu país gastou dezenas de bilhões de dólares, muito mais do que o Brasil. Nada como o pão e circo, lição que todos os chefes de estado aprenderam com o velho Império Romano, para agradar o povo e conseguir a estabilidade política.