Nós e os nossos eupáticos

          Não é o diploma médico, mas a qualidade humana, o decisivo." Sob a ótica de Carl Gustav Jung, psiquiatra suiço, quando se trata de medicina, a compaixão pelo outro é mais valiosa do que conhecimentos técnicos. Será mesmo? Ao descortinar o século XXI, vivemos numa sociedade altamente individualista e praticar a compaixão pelo próximo é algo que se torna duvidoso, mesmo para aqueles que trabalham com as vidas e com os sentimentos das pessoas.

       Desse modo, não podemos ignorar a ausência de atendimentos humanizados dos profissionais da saúde. Não foram eles que levantaram os bracinhos e juraram guardar o máximo de respeito pela vida humana? Assim, não só os galenos, mas também todos nós devemos ser compassivos com as dores do outro, ainda que nada mais que isso possa ser feito. Estamos todos presos em uma Modernidade Líquida, com nossos laços que nos unem- ou uniam- se desfazendo. Estamos, aos poucos, nos distanciando um dos outros e desaprendendo a ser gente. Tal reflexão é proveniente das ideias teóricas do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, que afirma que o outro é um ser humano longínquo.

          Entretanto, podemos mudar! Assim, ao assistir ao filme "O Amor É Contagioso", me decepcionei demais! Nele, o médico protagonista descobre que o humor e o carinho são as verdadeiras fórmulas mágicas para curar ou desmelancolizar as moléstias dos pacientes; o que é extremamente bom e necessário, pena que as atitudes do protagonista médico não transcendam às telas, e vire nossa realidade. Só quem passa por situações de perdas, de dor e de ameaça de morte, sabe o quanto esse é um momento em que ficamos frágeis, e precisando de palavras e gestos reconfortantes, atitude essa que deveria ser a base para quaisquer relações humanas, sobretudo, para a díade médico e assistido. Afinal, não foram eles que nasceram com o dom de ajudar aos outros? Ou essa era somente uma frase para embelezar o sentido da medicina? Será que, na verdade, o verdadeiro motivo de ter escolhido tal profissão foi o amor ao bolso ao invés do amor ao próximo? Mesmo que tentássemos, seria paradoxalmente impossível encontrar e entender uma explicação para tamanha falta de compaixão de alguns médicos com os sentimentos dos enfermos, porém, ao invés disso, vamos falar como essa relação deveria ser fundamentada: com cuidado! Sim, pois sem ele, o sentido real da medicina cairia no ostracismo.

       Desse modo, conforme as páginas do livro infantil "O Pequeno Príncipe", "só se ver bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos", todos nós, principalmente os "deuses da saúde"- se é mesmo que podemos chamá-los assim- devem agir com o máximo de zelo e dar a devida atenção aos seus eupáticos, haja vista a definição da medicina paliativa que é tão repercutida e prestigiada em palavras, mas tão pouco, infelizmente, usada na prática. Nesse sentido, não poderia deixar de lado as ilustres palavras da poetisa Cora Coralina, "nada do que vivemos tem sentido se não tocarmos o coração das pessoas", uma vez que somos feitos de laços, não aqueles liquefeitos de Bauman, mas aqueles de amor! Devemos aprender a sermos gente, visto que precisamos da gente. Portanto, preciso falar mais algo para denunciar o tratamento desalmado da majoritária parte dos profissionais da saúde aos seus pacientes? É preciso relembrar, todos os dias, as palavras ditas, por eles mesmos, sob juramento, no dia da formatura, uma vez que é dever de todos dessa profissão se apaixonar por ajudar o outro e entregar o maior da sua capacidade profissional em prol do seu paciente, que merece o melhor dos tratamentos: aquele que o cuidado é percebido no olhar e jamais perdido nos prontuários!

       Dessa forma, os futuros médicos não seriam como os atuais, que se sentem como perfeitos e inalcançáveis heróis por somente colocar o jaleco branco, mas que mal sabem eles, que não é o vestir a capa que os fazem admiráveis, mas sim saber deixá-la de lado, quando preciso, para que outros também possam se sentir biopsicossocialmente perfeitos.

  • Ana Carolina Magnavita Costa (a caminha da Escola de Medicina)