Resumo

O objetivo deste artigo é apresentar uma análise dos valores iniciais que permeavam a psique do Homem primitivo, demonstrando que todo processo civilizatório buscava uma dissociação com sua carga naturalista e animalesca, sendo proveniente de tais processos, todas as ferramentas modernas que o homem utiliza para se autoconhecer e deste modo aumentar ainda mais sua dissidência com sua raiz puramente inconsciente.

INTRODUÇÃO

Ao falarmos em inteligência, não podemos nos furtar de algumas noções antropológicas, que elucidam que a mesma não anterior ao pensamento, do mesmo modo que o pensamento não é anterior à ação. Estão conectadas, emergem num mesmo sentido, de uma mesma fonte cognitiva incipiente. Também não podemos deixar de pensar em algumas noções axiológicas, como se fosse necessário trazer à tona todo o tipo de verdades e colocá-las sob o jugo das dúvidas sombrias.

Procede-se inicialmente tímido, titubeando através das sendas sinuosas do conhecimento; como se os valores mais celebrados tivessem perdido o brilho eminente de suas afirmações eloquentes. É dolorosa a incompetência do Homem de chegar a si mesmo efetivamente, de sombrear sua luz com partículas duvidosas.

Se o inconsciente parece incontrolável e se o mesmo pode ser produto de incontáveis repressões (conscientes ou não), o “Impulso negativo” do Homem poderia ser justificado por essa “dialética”? Se o Homem precisa olvidar seu lado “animal”, não é coerente pensar, que uma hora este “animal” aparecerá num instinto básico e irrepreensível?

O Homem que julgava possuir uma alma animal, a possui menos se dela não faz caso? O processo de inteligência será aquele que molda o homem como um ser consciente, um ser pensante, que apercebe-se no mundo diferente das outras coisas. Porém, isso não se procede inicialmente de maneira integral. O Homem que nota-se no mundo, ainda julga carregar atributos naturais e toda sua evolução, como ser consciente de si e possuidor de uma “consciência experimental” parece um afã em separar-se amplamente da natureza e dominá-la. O ser está em constante processo de dominação de sua natureza. É necessário esquecer, pois sem o esquecimento como haveria processo civilizatório? Um indío sul-americano necessita abandonar seus hábitos e aprender os valores do homem branco europeu. Parece absurdo, contudo tendo o homem branco uma consciência mais livre de sua característica natural, sabe ele mais de si e do mundo que o cerca. É em termos comuns, mais desenvolvido, pois domina as ferramentas coevas e combate com mais veemência as suas raízes animalescas, bem como seus impulsos naturalistas. “[…] cada ser humano é constituído de várias unidades interligadas apesar de distintas. Isso significa que a psique do indivíduo está longe de ser seguramente unificada. Ao contrário ameaça fragmentar-se muito facilmente […]” (JUNG, 2008, p. 24).

O sonho do colonizado é diferente em sua maioria do sonho do colonizador. Possuem em seu bojo conceitual elementos contrários, mas aproximam-se em determinadas definições. Muda-se a simbologia pelo qual o desejo do dominador é expresso, pois sua linguagem sabe mais de si e do mundo, abarca uma noção maior da realidade, e os símbolos tem uma ligação direta com a nossa realidade e com a realidade suprema, para utilizar um termo amplamente inteligível da Sociologia.

Quem analisa a partir de um ponto de vista coevo a inteligência, pode renegá-la à uma simples reação orgânica e sensorial. De fato, não estão errado completamente os que assim procedem, entrementes o homem não é produto do “agora” e nem tanto suas faculdades intelectuais as são. Além do aparato fisiológico, o que nos pode fornecer um panamorama válido e mais amplo sobre o eclodir de um “clarão de inteligência”, é uma abordagem histórica, uma vez que os sentidos interagem com o meio em que vivem, então logo acrescenta-se o sócio-histórico como senda coerente para tais concepções complexas. Além do mais, é de convir que um indicativo de atitude racional e inteligente se expressa-se em todas as sociedades, tal qual as noções religiosas, uma vez que a dialética  de interação com o meio dá-se através dos sentidos e todos os seres possuindo estes sentidos, relacionariam-se com o meio através das mesmas ferramentas, mudando apenas a topografia física-ambiental. Um homem que utiliza as mesmas ferramentas de interação  e que possui necessidades fisiológicas semelhantes, só poderia construir objetos análogos que pudessem satisfazer estas mesmas necessidades, logo indentificar raízes  em comum entre as sociedades seria encontrar realmente um traço de inteligência genuína entre elas.

Os que procedem com incúria, podem expressar que os elementos do homem branco europeu são superiores aos do homem primitivo. Se observarmos com mais perspicácia veremos que as relações com o meio, dá-se por uma via assaz análoga. As estruturas divergem na qualidade da manufatura, mas não em sua finalidade, pois como dito anteriormente,usa-se as mesmas ferramentas num ambiente díspare. Também seria incoerente negar que um homem que tem o desejo de subsistir e tem ao seu dispor o ferro e sabe moldá-lo, terá um objeto que facilite a realização da necessidade, de maneira mais letal e pragmática, do que um ser que apenas utilize a madeira como matéria prima para engendrar seus objetos.

Deste modo, não existe uma noção de “superioridade dinâmica” primária, apenas elementos diferentes num ambiente onde as ferramentas semelhantes são utilizadas para prover e conhecer o mundo. Tais concepções serão analisadas e detalhadas de forma mais ampla, quando se fizer realmente necessário no decorrer deste artigo, uma vez que sendo o assunto deveras extenso, e suas concepções oriundas de uma análise axiológica assaz incipiente, não poderá abarcar todas as definições em seu “bojo conceitual”. Contudo, não haverá desvios bruscos da senda analítica proposta inicialmente; sendo desta forma também evitada uma postura que não denote clareza e inteligibilidade.

CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS

Relação de práxis: interação com o meio, visando a subsistência

Não se pode pensar que o Homem tenha irrompido inicialmente como um ser puramente social, que tivesse suas regras bastante estabelecidas.  Realmente, o Homem só é capaz de engendrar concepções elaboradas após estabelecer sistematicamente o provimento de suas necessidades mais urgentes. Sem leis sociais, sem noções políticas, sem questões de valores certos e errados, como pode o super-ego regular psiquicamente a vida do ente? Logo, ele não existe de forma inata, é coerente ruminar que o Homem primitivo faz tudo mecanicamente, regido apenas por seus desejos mais preementes, tal como um animal selvagem.

Como um animal, ele não se apercebe distinto da natureza da qual está inserido, por isso é normal que as noções religiosas mais adiante estejam ligadas a impulsos naturalistas. A religião é uma forma de ligação do Homem com sua “consciência experimental” e com suas regras. É de supor que o Homem celebre valores que ainda não possua, isso é factível, uma vez que não é necessário ser ruim para ter noção de sua concepção.O Homem que logra deduzir uma ação oposta a partir de uma ação qualquer, pode imaginar um efeito contrário. É a partir dessa distinção dualística, que o Homem dar um passo enorme na diferenciação entre o mundo que o cerca e si mesmo.

“A indicação do caminho certo me foi dada pela seguinte questão: que significam exatamente do ponto de vista etimológico, as designações para “bom” cunhadas pelas diversas línguas? Descobri então que todas elas remetem a mesma transformação conceitual – que, em toda parte “nobre”, “aristocrático”, no sentido social, é o conceito básico a partir do qual necessariamente se desenvolveu “bom”, no sentido de “espiritualmente nobre”, “aristocrático”, de “espiritualmente bem nascido”, “espiritualmente privilegiado: um desenvolvimento que sempre corre paralelo àquele outro que faz “plebeu”, “comum”, “baixo” transmutar-se finalmente em “ruim”. (NIETZSCHE, 1993, p.8)

Na relação de práxis, o Homem ao moldar a natureza modifica a si próprio. Não é uma via inercial; é uma ação instintiva com resultados objetivos. Visa a subsistência e amplia gradativamente o incosciente, criando sua dissociação elementar: A divisão entre consciência e inconsciente. A percepção de si, do mundo e a alteridade. É de supor que tudo tenha surgido na consciência do Homem num lapso dissociativo  súbito e “violento”. O incosciente cheio de símbolos e noções arcaicas torna-se superficial, quase visível. O homem começa a ter noção das coisas, percebe através da manufatura de seus objetos e interação com a natureza, que é distinto dela em partes e que não a constituiu.

É o processo criativo que pressupõe um criador maior, uma divindade. O Homem irá vislumbrar sua silhueta e renegá-la ao que lhe dar vida: a natureza. Enceta a noção benéfica que o “bem”, o “bom”, supõe manutenção da vida e tudo que a fere é oposição, é contrario, é “ruim” e “mau”.Eclode uma das primeiras noções valorativas, que imprime num conceito, um atributo valorativo.Este conceito irá influenciar não só a dinâmica social no qual o ente está inserido, mas também o desenvolver de suas relações e consequentemente sua cognição.

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