NEGOCIAÇÕES INTERNAS DE ESCRAVOS NA ÁFRICA E SUA EXPANSÃO PARA O ATLÂNTICO.

O texto do escritor John Thornton, “A escravidão e a estrutura social na África” contido na obra “A África e os africanos na formação do mundo Atlântico, 1400-1800” trata-se de uma crítica às antigas interpretações sobre o comércio de escravos, na qual as opiniões são dadas a partir do pensamento de que teria sido fatores externos a África e não vindo da África o início de um comércio de escravos sólido, organizado e difundido no atlântico. Essas interpretações sobre comércio de escravos e suas consequências serem algo danoso, são concepções baseadas em estudos demográficos, sobretudo defendida por estudiosos da área, alegando que o comércio de escravos provocou uma ruptura social ocasionando várias consequências, mas principalmente o aumento da desigualdade e uma carência populacional, majoritariamente de adultos do sexo masculino, nas regiões do comércio.

A diante, o conteúdo busca descrever como fluiu as relações de comércio do século XV ao XIX entre Europa e África e todo comércio interno no continente africano. A obra de Thornton trabalha com a ideia relativa de participação dos africanos na formação do mundo Atlântico e deixando claro ao seu leitor que foi uma questão de “oferta e demanda” a escravização dos africanos e sua comercialização. A escravidão já era um conceito formado, aceito e bem disseminado no continente e já existia o conceito de escravidão como um seguimento comercial naturalmente aceito e praticado pela sociedade africana antes de qualquer influência da Europa, onde o europeu entra nesse cenário já montado e é respondido pelos nativos africanos com o aumento da demanda durante os séculos.

Esse aumento e intensificação da exploração resulta num impacto demográfico local, culminando com as perdas de lutas internas e do comércio de escravos domésticos. De toda forma, aqueles que tinham o poder determinante, lideres políticos ou mercadores, mantiveram suas transações e permitiram que continuasse. Em consequência disso não devemos aceitar que eles foram coagidos a aceitar uma determinada condição ou que eles foram persuadidos a tomar decisões irracionais.

A medida que o comércio Atlântico desenvolvia-se, foi estimulando o comércio interno e sua difusão, ele também estimulou uma escravização mais intensa, contudo a escravidão já era amplamente difundida na África e seu desenvolvimento independe do comércio Atlântico. Ratificando, a escravidão não se deu por conta de fatores externos a África, nem ao comércio Atlântico e tampouco como muitos afirmam pelo fato da região ser subdesenvolvida economicamente ou por ainda não ter substituído o trabalho forçado pelo livre, mas sim pelo fato de ser legal e amparada institucionalmente pela sociedade africana que muito diferenciava das estruturas legais europeias.

A difusão desse comércio ocorre porque possuir escravos era a única forma de possuir propriedades privadas reconhecidas pelas leis africanas, assim como na Europa as propriedades legais eram possuir terras e isso pré-requisito para a posse de escravos para utilização produtiva pelo menos na agricultura. Se tratando desses motivos, podemos então afirmar que a ausência de posse de terras também levou a escravidão ser tão difundida dentre a sociedade africana.

No texto é citado também algumas informações, talvez sob influências socialistas europeias, que a ausência de propriedade privada de terras também significa uma carência ou no mínimo uma consolação para exploração e desigualdade social. Porém não corroboram as evidências com essas informações. Ademais devemos lembrar que a posse territorial é, em última instância, uma simples ficção legal, parafraseando Thornton. O que realmente importa, na verdade é a posse do produto que é produzido pela terra e não a terra propriamente dita.

O sistema social africano não era portanto, um sistema retrógrado e igualitário, mas sim um sistema divergente legal. Analisando essa divergência legal nos esclarece a importância desse fator na economia atlântica. O resultado desse sistema, foi o que permitiu as elites econômicas e políticas venderem um superior número de escravos, potencializando o comércio de escravos no atlântico. Toda essa legalidade em volta desse sistema foi o maior responsável pela expansão da escravidão, o seu comércio e sua estabilidade econômica.

Na África as pessoas eram taxadas em vez de terras e esse fator é uma outra indicação de que havia uma ausência de posse territorial privada, assim sendo as terras de posse do rei e cedidas pelo governo para que camponeses pudessem cultivá-la. Esse sistema de taxações ou impostos estatais eram mais do que simples tributações monetárias eles também englobavam direitos ao trabalho e serviço. Alguns relatos mencionam os nobres como proprietários de terras ou no mínimo exercendo controle sobre elas. Essas pessoas recebiam esse poder pelas suas posições no estado, então podemos afirmar que essas pessoas podiam ser considerados nobres por possuírem títulos e não em razão de possuírem terras.

Os nobres não obtinham seu poderes sobre as terras por hereditariedade e não podiam vendê-las ou passar adiante para herdeiros, logo as terras não eram de posse deles. As terras eram dadas pelos reis como uma fonte de renda enquanto servissem a eles como funcionários e se fossem demitidos, caso que era possível, não poderiam mais recolher suas rendas, apesar de poderem procurar emprego e renda de um reinado vizinho.

Aparentemente, se não fosse uma concessão do estado, essa estrutura social não permitiria a ninguém possuir renda além da sua própria produção de trabalho ou comércio, aliás alguns estudiosos da área comentaram que o motivo da região não ter desenvolvido a economia, era culpa do Estado que inibiu uma iniciativa privada limitando a riqueza estável; e mais além, esses especialistas articularam que, sobretudo, a falta de riqueza privada, seja ela de qualquer forma que não seja através do Estado, impediu o crescimento do capitalismo e por consequência o progresso na África. Contudo, se por um lado, os africanos não tinham a terra, eles possuíam o trabalho e não era preciso o terceiro fator, o capital (que era insignificante antes da revolução industrial) Logo a propriedade privada do trabalho, atribuiu uma riqueza estável ao empreiteiro africano.

A propriedade poderia se desenvolver por meio de linhagem, em que os mais jovens eram subordinados aos mais velhos ou também através do casamento, onde suas esposas se subordinavam para criar uma força de trabalho e serem usadas em grande escala. Alguns governantes chegavam a possuir um verdadeiro harém de esposas para conseguir uma linha de produção até chegar as vendas. Esses argumentos reforçam que a riqueza na África era medida pelas esposas, uma vez que a poligamia denotavam prestígio e as esposas constituíam forças de trabalho. Ademais o caminho mais importante para a riqueza privada, geradora de recursos para os africanos, era a escravidão, constituindo o conceito de propriedade. Sendo assim, não surpreende que a escravidão seja tão disseminada dentro da própria África.

No continente africano, as pessoas que queriam investir em formas produtivas de riquezas, não compravam terras, pois o único recurso era comprar escravos e como propriedade poderiam ser herdados e gerar riquezas. Como a legislação africana providenciava a terra, desde que já não tivesse um outro lavrador, sendo livre ou escravo podia cultivar, eles não tinham dificuldade em obtê-las para a agricultura. Os escravos tinham mais utilidades na África do que na Europa onde eles queriam investir em algo seguro e provavelmente comprariam terras, porém as terras não produzia riqueza por si só, era explorada por trabalhadores contratados ou era arrendada em troca de remuneração e em nenhum dos casos precisava-se de mão de obra escrava.

No geral o trabalho escravo era usado quando havia falta dos trabalhadores contratados ou arrendatários. Por conseguinte o escravo tinha um trabalho difícil, exigente e degradante, além dos maus tratos dos donos ansiosos pelo aumento dos lucros. Entretanto, o trabalho escravo e a escravidão em si, não foi mais degradante ou foi realizado sob maior coerção, nem com mais resistência do que os trabalhadores livres ou arrendatários. A ideia de que a dependência desse tipo de trabalho inibiu inovações, é provavelmente exagerada.

Assim, por todas as partes da África atlântica, se encontravam escravos desempenhando muitos tipos de funções diferentes. Quando o europeu chega e se oferece para comprar escravos, não encontra nenhum tipo de resistência e são aceitos de imediato. Além da profusão de escravos, o comércio de escravos era bem desenvolvido e haviam muitos proprietários privados, qualquer pessoa com recursos podia obter escravos, apesar de algumas vezes precisar de permissão real ou do estado, os europeus entraram nesse mercado igual qualquer africano. Aliás, os donos de escravos (mercadores, funcionários do estado ou governantes), foram exatamente as pessoas com que os europeus estabeleceram contato.

Assim, até certo ponto, não há razão para se pensar que os portugueses fossem, por si sós, capazes de comprar escravos ou forçar os mercadores africanos a adquirir escravos contra sua vontade. Em vez disso, observa-se um sistema bem desenvolvido de escravidão, de mercado de escravos e de distribuição, preexistente a qualquer contato com a Europa.

Podemos, por fim, chegar a conclusão que o comércio atlântico de escravos e a participação da África tinham sólidas origens nas sociedades e sistemas legais do continente africano e que a instituição da escravatura era totalmente disseminada e aceita em todas as áreas de exportação da África, assim como suas circunstâncias, a captura, a compra, o transporte e a venda, eram vistas normalmente dentre a sociedade. Em suma, a difusão do comércio atlântico de escravos contou com a organização social que preexistia, sendo muito mais responsável do que qualquer fator externo a África.