Eu “ainda” sou do tempo em que o Natal começava a se vestir de festa, de surpresas e expectativas, lá pelos meados da primavera. Ele ia chegando devagarinho, escondido entre cochichos de pai e mãe que tratavam, seriamente, dos possíveis presentes, para as cinco filhas.

Eu sou do tempo em que se escrevia cartas para a o Papai Noel. Muitas cartas, porque o bom velhinho era o super-herói responsável pelos meus desejos. Então... escrevia, escrevia e escrevia até acertar o presente que, de fato, os meus pais poderiam comprar.

Eu sou do tempo em que sonhava com os presentes e ia registrando todos eles numa “listinha” enooooorme, mas com letras bem miudinhas. Tudo para não ficar muito pesada... na consciência.  E depois lia e relia para as pessoas mais próximas da família, na esperança de alguém avisar aos meus pais o que continha na minha lista de presentes. Mas, na noite de Natal, sem dúvida, o presente era uma surpresa até ser desembrulhado, porque eu, também, sou do tempo que presente não era exigência e nem uma negociação entre pais e filhos. O fato é que, no dia 25, ao pé da árvore de Natal, lá estava, entre os presentes que os meus pais escolhiam pra mim, um dos pedidos da minha lista. E, sem nenhuma decepção traumática, como eu ficava feliz!

Olha, eu sou do tempo que enfeite de Natal, nas vitrines da cidade, tinha dia e hora certos pra serem expostos. E à noite, a gente aprontava para ver a beleza das lojas. Sem exageros e sem congestionamento visual, as decorações cativavam os nossos olhos e estimulavam a nossa imaginação. Então, na contagem regressiva, a gente tinha tempo, para ver de tudo um pouco e sonhar, porque o visual era tão limpo e bonito que havia o prazer de ver a simplicidade de tanta beleza.

Eu sou do tempo em que os vizinhos levavam cadeiras para a calçada ao anoitecer e conversavam, animadamente, sobre os preparativos de Natal. Cada um deles tinha uma novidade a ser compartilhada, inclusive, oferecida para ser copiada com o maior prazer. É que havia um objetivo maior. O de oferecer, aos familiares e amigos, uma festa colorida, muita fartura para comer, pequenas lembranças que deixavam marcas de afetos e muita alegria nos olhos e no coração de todos. Superando, assim, os desentendimentos que, certamente, ocorriam durante o ano.

Eu sou do tempo em que se preparava, para o grande dia de Natal, doces no tacho ou em grandes panelas guardadas, exclusivamente, para esta ocasião. E, depois de lavadas e esterilizadas com limão, aí sim, iniciava-se a feitura destas delícias. Doces secos, em calda, enrolados, açucarados, em pedaço, de comer na colher e até de beliscar com a pontinha do dedo, quando ninguém tivesse olhando. Era tudo feito com muita paciência e seriedade. Todo este cuidado tinha uma justificativa incontestável. Cada receita, escrita ou de memória, significava o “manjar dos deuses” ensinado pela bisa que passou para a vó, que passou para a mãe, que passou para a filha e que ficou na história do tempo...

Eu sou do tempo em que depois de tudo pronto, o doce era colocado em caixa de madeira forrada com papel manteiga. Às vezes, no vidro ou na louça branquinha pintada com flores do campo, borboletas e passarinhos. E que passavam o ano inteiro na prateleira sobre forrinhos de crochê, aguardando as festas natalinas. Eram louças presenteadas por avós e madrinhas – duas personagens queridíssimas e mestras na arte de agradar e cativar.

Os doces serviam, também, para encher e devolver vasilhas emprestadas, às vizinhas que acudiam, em todo o tempo, durante o ano. Embrulhadas em papel celofane e laços de fita de cetim, minha mãe pedia, a mim e as minhas irmãs, que devolvêssemos as vasilhas recheadas de doces. Além do mimo, como dizia ela, a devolução era uma atitude de responsabilidade e bom caráter.

E assim, em todo tempo, aprendíamos com os olhos e com os ouvidos atentos, viver a vida de bem com ela.

Eu sou do tempo em que Natal tinha cesta comprada no armazém da esquina, com caderneta, pra pagar no final do mês. Era cesta cheinha de verdade. Com castanhas, vinhos, queijos, frutas, chocolates, caixa de madeira de marmelada/goiabada/bananada/pessegada (a famosa 4 em 1). E lá no fundo da cesta não tinha papel embolado e nem serragem para mascarar a quantidade e a qualidade dos produtos.

No Natal do meu tempo, o peru bebia pinga antes de morrer e, segundo meu pai, além de não sentir dor, ele ainda deixava a carne saborosa e macia depois de assado até dourar.  O pão amanhecido virava rabanada pra ninguém botar defeito. A castanha a gente quebrava escondido e bem antes da hora da ceia, mas o responsável pela proeza nunca aparecia.

Na verdade, o meu Natal era, rigorosamente, planejado, mas sem perder o sabor do improviso e dos imprevistos de última hora. E como a gente não ficava parada no tempo, todo dia era dia de preparar, mais um pouquinho, tudo que ia acontecendo naturalmente.

Então, eu sou do tempo de Natais que deixaram marcas, para que eu nunca mais esquecesse deles. Por isso, eu desejo que, neste e em todos os seus natais, você os viva de maneira especial e significativa.

Que eles fiquem guardados na sua memória para que sejam compartilhados, prazerosamente.

Faça parte das pessoas que não param no tempo, mas que constroem, nele, lindas história para lembrar e contar!