NAS LINHAS TÉNUES DO TRABALHO DA MULHER RURAL: POSSIBILIDADES E VIABILIDADES PARA PROMOÇÃO DA AUTONOMIA ECONÔMICA

Carmen Isabel Mubai1

Resumo: a agricultura familiar assume um papel fundamental e central em Moçambique e percentagem de mulheres economicamente activas que trabalham na agricultura atingem percentagens na ordem de 90%, tornando indiscutível a sua contribuição. O presente trabalho se propõe a reflectir sobre as possibilidades e viabilidades para promoção da autonomia econômica, igualdade de gênero orientadas para inclusão das mulheres no desenvolvimento a partir do trabalho da Mulher rural. Para este fim, serão utilizados autores de diversas teorias, a propósito desta discussão, para estabelecer um panorama sobre o trabalho da mulher rural.

Palavras – chaves: Mulher rural; género; Moçambique

Introdução

Nas zonas rurais falta de tudo, do básico, elementar, o indispensável torna-se dispensável, de vias terciárias, chega-sse lá a pé ou de bicicleta. Persistem assimetrias entre as zonas rurais e as urbanas, entre o campo e a cidade que propiciam o êxodo que ainda prevalecente (Fernandes, 2013). E a mulher rural, embora esteja inserida numa teia de interacções sociais que as colocam frequentemente em situação de desvantagem ou de discriminação, nomeadamente por questões de género, de pertença étnica e classe social, não são sujeitos passivos face as desigualdades. Porque desenvolvem várias formas de resistência, tentam melhorar as condições de trabalho, contribuem para o surgimento de novas formas de solidariedade.

Por isso, no presente trabalho propomo-nos a reflectir sobre as possibilidades e viabilidades para promoção da autonomia econômica, igualdade de gênero orientadas para inclusão das mulheres no desenvolvimento a partir do trabalho da Mulher rural.

Para esta reflexão, partimos da desvalorização e/ou da invisibilidade da mulher rural como produtora de riqueza no País apesar da participação na atividade agrícola, a principal fonte de recursos necessários para assegurar a alimentação, saúde e educação da sua família, e também a principal via da participação dos membros dos agregados familiares no processo de desenvolvimento econômico e social do País (PNUD citado por Cândido e Lopes, 2010).

Neste prisma, trabalho procuramos identificar algumas opções para promoção da autonomia económica da mulher rural em Moçambique.

Mas porquê trabalho das mulherer

De acordo com Mucavel (2015), mulher rural é aquela que vive no meio rural, a maioria (87%) vive da agricultura e 49% são vítimas de práticas tradicionais e culturais nocivas e de casamentos prematuros, sofrem de todo o tipo de desvantagens socioeconómicas, políticas e culturais, sofrem os impactos negativos das mudanças climáticas, que se traduzem em rupturas de estruturas familiares deixando-as com a responsabilidade dos filhos e às vezes emigrações não voluntárias; a assistência técnica é fraca, devido ao número reduzido de extensionistas para atender a todas as demandas; o controlo sobre o acesso à terra é fraco, uma vez que a sua produção é controlada pelo homem; o número de horas de trabalho na agricultura é excessivo o que lhe impossibilita a participação noutras actividades, como oportunidades de formação e de desenvolvimento, exacerbando a sua marginalização e discriminação, entre outras causas. Ela enfrenta dificuldades de acesso à educação e com níveis de analfabetismo rondando nos 81,2% (cerca de 6,1 milhões não sabe ler nem escrever), contudo, são o pilar da vida familiar e doméstica, sendo responsáveis pela alimentação, educação e meio de subsistência da sua família. (REDSAN-CPLP, 2015)

Toda via, desde os tempos mais recuados da história que a contribuição das mulheres foi fundamental na domesticação das plantas e no surgimento da agricultura, bem como na domesticação dos animais. Na África Subsariana, especificamente em Moçambique, “ as mulheres dedicam mais de metade do seu tempo e energia à sociedade sem retribuição e sendo subestimadas. São as agricultoras invisíveis e, no geral, não têm direitos legais sobre a terra, uma vez fora dos sistemas de parentesco” (Projecto SEGUI citado por Trindade, 2014:82).

Ora, na linha de argumentação de Trindade, este grupo de mulheres trabalha mais que os homens.

Realizam dois terços de todo o trabalho no mundo, recebem 10% do rendimento anual, são dois terços dos analfabetos (funcionais) do planeta, possuem menos de 1% da propriedade mundial, são mais de metade da população, vivem mais e em piores condições que os homens e têm um poder desigual no que diz respeito ao acesso e controle dos recursos e poder existentes”. (Projecto SEGUI citado por Trindade, 2014:82).

Com a privatização e suas consequências, a diminuição da proteção social, a redução de todos os serviços públicos, iniciadas com o ajuste estrutural dos anos oitenta, tendência actual tanto nos países do Norte quanto nos do Sul, são não apenas a diminuição do trabalho decente para mulheres e homens, mas também abrem espaço para a exploração crescente do trabalho gratuito das mulheres na esfera doméstica e familiar (Rocha, 2019). Neste contexto, os papéis significantes, mas subestimados, das mulheres na produção económica (agricultura e sector informal, predominantemente) e a sua posição na gestão do agregado familiar e no bem-estar (preparação da comida, saúde e higiene, apoio às crianças e educação) são centrais para o desenvolvimento económico e para a sobrevivência social (World Bank Working Paper nº73 citado por Trindade 2014).

O lugar da mulher na divisao sexual de trabalho

A emergência do conceito de género, permitiu perceber que os papéis masculinos e femininos são construções sociais nas quais relações de poder e hierarquia estão presentes. A inserção dessa categoria na análise das relações sociais de trabalho possibilitou uma melhor apreensão dessa realidade, pois o mundo do trabalho está fortemente marcado pela variável gênero.

A divisão sexual do trabalho deixou de ser vista como um processo natural, mas como uma expressão da assimetria das relações entre homens e mulheres.

Nesta divisão, a produção de valores de uso direcionados para a família e as atividades de reprodução da espécie e do cuidado com crianças, idosos e incapazes, foram consideradas atribuições femininas, restringindo a actuação feminina à esfera privada. Por outro lado, a produção social e o comando da sociedade, ou seja, atividades realizadas no espaço público, ficavam ao encargo dos homens (Castilho e Schneider, 2010).

Mesmo com a separação entre o espaço doméstico e o espaço de trabalho, e apesar da grande utilização da mão-de-obra feminina durante a formação da sociedade industrial, permaneceu a idéia de que as tarefas relativas às mulheres eram as reprodutivas, no âmbito doméstico. E hoje, não obstante a inserção das mulheres no mercado de trabalho, a divisão sexual perdura, através da separação entre setores apropriados aos homens e às mulheres (idem).

Na agricultura, estudos demonstraram que o trabalho familiar ainda mantém desigualdades de gênero, privilegiando o homem-marido enquanto chefe de família e da propriedade.

Em relacao a herança, no meio rural se baseia na tradição, em detrimento das leis, mesmo quando as mulheres tenham maior participação em atividades ligadas à produção, como na agrincultura que é de grande importância, seu trabalho não é notado e muito menos reconhecido como produtivo, e sim como uma extensão das atividades do lar, visto que para melhor gerenciar as actividades domésticas, elas costumam realizar o trabalho agricola dentro de casa. Além disso, os rendimentos são administrados pelo chefe da família, perpetuando as relações patriarcais e a forma de interação de homens e mulheres na sociedade (BONI, 2006).

Hoje podemos observar um aspecto bastante interessante:

o deslocamento dos homens para as actividades antes tradicionalmente desenvolvidas pelas mulheres que eram para o auto consumo, indicando a necessária alteração da divisão sexual do trabalho. Porque o trabalho da mulher continua a ser considerado como uma mera extensão dos cuidados dos filhos e dos demais membros das famílias, um trabalho concebido como uma ajuda, decorrente também do ocultamento do trabalho delas.

Neste sentido, é possível perceber que há indicações consistentes justificando a importância de se estudar a situação da mulher e as relações de gênero no meio rural.

Participação econômica e social da mulher rural

A literatura sobre género e desenvolvimento tem sido exaustiva em mostrar que, na maioria dos países em desenvolvimento, as mulheres tendem a realizar várias actividades que consistem não somente na produção mas também na reprodução e na comunidade. Em geral, estas actividades não são realizadas pelos homens, o que implica diferenças entre homens e mulheres no tempo alocado na produção e na medida em que eles reagem aos objectivos de fortalecimento do seu capital humano. No final, isto determina diferenças na forma e no grau em que contribuem para as actividades económicas assim como para o crescimento. Com tudo, o produto do seu trabalho sempre serviu de “amortecedor das crises de acumulação de capital, fornecendo, através da produção de subsistência, um seguro temporário contra o risco de desemprego ou de recessão no mercado de excedentes agrícolas” (Cambaza, 2009:6).

Políticas para as mulheres no período recente em Moçambique

No início da década de 90, Moçambique torna-se um Estado Democrático, abrindo espaço para a expansão das liberdades e direitos civis. Para o caso específico das mulheres, abrem-se novas possibilidades para a luta pela emancipação para as mulheres puderem se exprimir de forma mais plural (Osório, 2007). Contudo, apesar dos avanços no cenário político, os constrangimentos estruturais e uma forte cultura patriarcal continuam a preservar a posição dominante dos homens, e a inibir a maioria das mulheres de ganharem mais autoconfiança económica e independência social.

Entretanto, a Constituição de 1900 (retificada em 2004) criou novos campos de intervenção pública, potencializando a incorporação de novos problemas, questões e soluções para a participação não só política das mulheres. Reconhecendo a igualdade entre homens e mulheres perante a lei nos seus artigos (66 e 67). O artigo 57 atribui ao Estado a responsabilidade de garantir a igualdade substantiva da mulher, promovendo e apoiando a emancipação da mulher, promovendo incentivos para aumentar o papel da mulher na sociedade, encorajando a participação da mulher na defesa do país e em todas as esferas da atividade politica, económica, social e cultural do país (Vidal, 2017).

Este quadro jurídico-legal, dá a possibilidade e abre espaço para que, movimentos das mulheres e movimentos sociais mistos de mulheres que auto organizem-se lutem pela sua emancipação económica, político, cultural e social.

Nos anos 2000, ganha mais força a atuação das mulheres rurais, na luta pela sua afirmação como agricultoras, como sujeitos políticos que questionam as relações de poder existentes no meio rural. Estas associações apoiam as mulheres rurais (MR) a vários níveis, como educação, defesa dos Direitos Humanos e direitos das mulheres, direito ao voto e à participação nos órgãos e processos de tomada de decisão, permitiram o seu empoderamento, o acesso a apoios agrícolas e atividades de geração de renda, que contribuíram para a melhoria da produção e produtividade, alternativas de sobrevivência e desenvolvimento sustentável.

Para o alcance dos seus objetivos, estas associações e organizações suportam-se não soo na constituição mas também na  

Lei de Terras, Lei da Família, Lei contra a Vio-lência Doméstica, Estratégia Presidencial para o combate ao VIH/SIDA, Convenção para as Mudanças Climáticas, Género e Mudanças Climáticas, PROAGRI (substituída pela PEDSA), PEDSA, PNISA, ESANII, Lei do Direito Humano à Alimentação Adequada (para aprovação no Parlamento), Política de Género, Lei de Agricultura e Segurança Alimentar e Nutricional (para aprovação no Parlamento), Declaração das Primeiras Damas de Génova (1992), Declaração de CEDAW (1993), BENJING (1995), entre outras” (REDSAN-CPLP, 2015).

Mas é preciso sublinhar que, apesar de diversos compromissos jurídicos para garantir a igualdade do género, existem ainda muitos desafios na implementação prática para mudar a cultura para a igualdade do género.

 

Finalizando, de acordo com Cândido e Lopes (2010), a problemática da invisibilidade da contribuição das mulheres das áreas rurais ao desenvolvimento e o reconhecimento da multiplicidade de papéis que elas desempenham no cotidiano social, econômico e cultural, continua sem ser resolvida, mas é possível perceber que existem políticas de promoção para autonomia e igualdade das mulheres rurais que podem ser implementadas favoravelmente as condições de vida das trabalhadoras rurais e para reducao da pobreza.

Contudo, a partir das associações, podemos perceber também que algum trabalho tem sido feito, mas a sua transformação é ainda microscópica.

Bibliografia

  1. CAMBAZA, Virgílio. A Lei de Terras, de Minas e Sistemas de Direitos Consuetudinários.  II Conferência IESE “Dinâmicas da Pobreza e Padrões de Acumulação Económica em Moçambique” Conference Paper Nº12
  2. CÂNDIDO, Maria Henrique e LOPES, Marta Júlia Marques. Crédito pecuário a mulheres de Moçambique: dinâmicas sociais de gênero. REDES, Santa Cruz do Sul, v. 15, n. 3,2010 p. 142 - 164
  3. CASTILHO, Carolina Braz e SCHNEIDER, Silva1 Sérgio. Gênero, Trabalho Rural e Pluriatividade. Florianópolis/SC, Ed. Mulheres, 2010, pg. 183-207
  4. OSÓRIO, Conceição. Acesso e Exercício do Poder Político pelas Mulheres. Outra vozes n°2, 2007
  5. PAIVA, Joana Catarina. Direitos das Mulheres Rurais na CPLP. REDSAN-CPLP, 2015, p 10-14
  6. ROCHA, Ana. Mulheres, trabalho e reprodução social. [online] disponivel na internete via https://www.vermelho.org.br/noticia_print.php?id_noticia=324053&id_secao=10, arquivo consultado em 17 de Outubro de 2019
  7. TRINDADE, Catarina Casimiro. Como as instituições de microcrédito promovem a autonomia das mulheres em Moçambique. Estudo de caso da Tchuma, cooperativa de crédito e poupança(parte I). Revista Zona de ImpactoISSN 1982-9108. ANO 16 Volume 2 -Julho/Dezembro, 2014. P 64-86
  8. VIDAL, Sara. A Participação política das Mulheres – em Moçambique e na Tanzânia: um estudo comparado. Dissertação submetida como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Estudos Africanos, Departamento de Ciência Política e Políticas Públicas. Lisboa, Instituto Universitário de Lisboa, 2017