A cada dia que passa somos conduzidos a pensar, mais frequentemente, com base em narrativas do que em reais evidências. Nossas redes sociais estão repletas de narrativas dos fatos que, muitas vezes, vêm acompanhadas de “selos” de autenticidade, quando falsamente atribuídas a personalidades públicas famosas e notórias. Além disso, os filtros de conteúdo desenvolvidos por estas plataformas selecionam, criteriosamente, os conteúdos que serão distribuídos aos seus assinantes cadastrados de acordo com suas preferências manifestadas nestas mesmas plataformas. Deste modo, os conteúdos que nos chegam, constantemente, acabam por reforçar nossa crença nas narrativas recebidas por estes mesmos canais. E assim formamos as nossas bolhas de informação que passamos a chamar de verdades e que são usadas de forma afiada para contestar os argumentos de nossos opositores naquelas idéias. Está criada a nossa nova realidade virtual que passamos a acreditar piamente e somos capazes de brigar com familiares e amigos em sua defesa.

A ciência, apesar de também criar modelos e teorias muitas vezes com base em observações, tem como prática a exaustão na coleta e na estatística destas observações antes que sejam propostas novas teorias e modelos que definem a natureza e tentam direcionar o comportamento humano. Mesmo assim, muitos destes modelos acabam por ser desmontados quando novas evidências e observações surgem de forma mais clara permitindo refazer as crenças humanas e redirecionar os caminhos da ciência. Grandes nomes da ciência como Albert Einstein já tiveram modelos e teorias que foram revistas ou complementadas pelos novos avanços e pesquisas de outros cientistas. O mérito está, pois, em acreditar nos modelos e teorias até que surjam evidências de que algo não condiz com a realidade e dão espaço a novos modelos científicos mais modernos. Abraçar uma narrativa e se fixar a ela de modo inflexível é como torcer por um time de futebol e acreditar que ele é o mais bem preparado enquanto que as evidentes derrotas do mesmo ocorrem diante dos seus olhos.

Mesmo na recente operação Lava Jato, delações premiadas serviram de narrativas para condenar alguns políticos e empresários e precisaram ser acompanhadas de evidências e provas para que pudessem ser aceitas pelo judiciário brasileiro. Mas, com o passar dos tempos, as narrativas foram se tornando mais fortes e justificaram formas de se obter novas evidências para sustentá-las, mesmo empregando-se métodos jurídicos considerados parciais pelo Supremo Tribunal Federal. Tais métodos, apesar de visarem acelerar a obtenção de provas contra os acusados, foram interpretados pelo Supremo como evidências não da prova de acusação, mas da parcialidade do juiz responsável pela condenação. Neste caso, algumas narrativas anteriores condenatórias dos réus foram desacreditadas e contrapostas por novas narrativas, desta vez, contestando a parcialidade jurídica.

Neste mar de narrativas, precisamos estar abertos e aptos a não nos deixar guiar pelas mesmas, por mais que nos soem encantadoras e alinhadas com nossas crenças de momento. O melhor mesmo é estamos sempre abertos a colher ou aceitar novas evidências, desde que embasadas em critérios sólidos e, preferencialmente, científicos. Não é vergonha mudar de opinião por novas evidências! Vergonhoso mesmo é nos abraçarmos a algumas narrativas ou realidades virtuais disfarçadas, e acabarmos afundando junto com elas!