São Paulo, 31 de agosto de 2005.

Olá, Como está tudo? Sabe, me deu saudades do nosso tempo juntas. Quanto tempo, hein? A distância realmente atrapalha muito. É difícil manter um relacionamento a distância, fica aquele carinho, mas a intimidade realmente vai embora.

Realmente sempre te achei muito fechada, de poucos amigos. Quero dizer "reservada", essa é a melhor palavra para definir você. Você sempre se cobrou muito e montou uma idéia de como seria a sua vida ideal. Escolheu tudo, imaginou, planejou e correu atrás do que você acreditava que seria o melhor para a sua vida. E aí o destino te surpreendeu, virou tudo e de uma hora para outra você se deu conta de que o seu mundo, o seu sonho, os seus planos perfeitos tinham sido literalmente enterrados.

E de, uma hora para outra, você teve que começar a "cavar" a sua vida do zero, não é verdade? Para alguém que sempre foi o exemplo, para quem tinha tudo certinho, tenho certeza que você se sentiu sem chão. E foi nesse momento que nos aproximamos. E talvez, a nossa aproximação possa até ter sido proposital. Porque lendo o seu e-mail, me dei conta de que muita coisa do que você escreveu e está correndo atrás de aceitar que é assim mesmo, também passou comigo. Eu me surpreendi muito com o seu e-mail, porque achei que muito do que eu vi naquelas linhas parecia comigo. E acredito que você está em uma fase, que muito ou quase tudo já foi dito, já foi analisado, já foi pensado. Você já aceitou toda a teoria, concordou com ela e sabe porque tudo chegou nesse ponto. E o principal, você sabe que precisa fazer alguma coisa, você sabe que precisa de fato colocar a teoria na prática. E aqui, começam os seus problemas. Porque sendo mimada, tendo sido superprotegida sempre, é muito difícil começar a andar com as próprias pernas. Eu não tenho dúvidas disso. Como é difícil sermos responsáveis, e únicos responsáveis, por nossa própria felicidade. A gente se dá conta de que, é mais fácil sermos crianças, ter alguém para decidir por nós tudo, para nos mostrar sempre o caminho a seguir. E mesmo crescendo, muitos pais continuam nos super-protegendo meio escondidinho. A gente finge que cresceu e que toma decisões, mas sabe que o "colinho" está sempre ali para a gente correr. E é o que fazemos, falamos, falamos e falamos como se fossemos donos da nossa vida, mas a qualquer sinal de perigo corremos para casa e pedimos proteção. Mesmo que isso seja se esconder no quarto ou ir visitar aquela tia velhinha que te admira muito e te acha uma super mulher só porque você trabalha fora e sabe dirigir. Isso acalma o nosso coração, mas acaba não resolvendo o nosso problema. Porque mesmo com o calorzinho da superproteção, ainda assim, não conseguimos ser felizes. E o pior de tudo é que vamos nos dando conta que o tempo está passando. E para nós mulheres, isso tem uma conotação pesada. Isso significa que filhos e família estão ficando para trás, que estamos fadadas a solidão e a infelicidade. E nesse momento começa a nossa corrida por fazer amigos e encontrar o príncipe encantado, que nas histórias que a gente sempre ouviu, ele vinha salvar a princesa, então no fundo a gente acredita nisso. E, querendo muito amigos e namorado, a gente começa a aceitar qualquer um. Começa a prevalecer a quantidade em detrimento da qualidade. Porque se nessa altura do campeonato a gente passar a se preocupar com qualidade, aí é que não teremos tempo mesmo. E vamos nos metendo em furadas, uma atrás da outra. Acho que você se lembra bem dessa minha fase. Passamos a achar que vamos conseguir mudar qualquer pessoa para transforma-la em amigo ou namorado. E vamos sobrevivendo às decepções, sempre achando que da próxima, vai dar certo. E acho, que não é bem por aí.

Para ser feliz é preciso encontrar alguém e ter filhos. Essa é a base da nossa criação, principalmente na América Latina. Mas não é verdade. Encontrar alguém é ótimo, ter filhos é maravilhoso, mas não são garantias da felicidade que a gente tanto procura. Assim como ter sucesso na vida profissional também não é garantia de nada. Ser feliz está além dessas conquistas.

Bom, mas tudo isso era para mim uma perfeita teoria, mas na prática eu queria o meu príncipe encantado e os meus filhinhos. E ponto final. Mesmo sabendo que não era esse o caso, era difícil aceitar na prática, porque eu tinha acreditado a minha vida toda nisso. E, no meu caso, minhas irmãs e irmãos eram exemplos de casamentos perfeitos. Porque só eu estava fadada à infelicidade??? Eu tinha que encontrar alguém e quanto mais eu procurava, mais eu me afundava em relacionamentos nada a ver comigo. Eu cedia, eu acreditava que sapos eram príncipes e pronto. E foi uma fase horrível. Hoje eu tenho clareza disso. A gente vai sucumbindo a isso e passa a não nos dar o valor que realmente temos. Eu poderia ficar aqui falando um monte. Mas nesse momento eu precisava me convencer de que toda a teoria que eu passei a acreditar nas minhas sessões de terapia era realmente verdadeira. Porque mesmo, racionalmente, aceitando isso, emocionalmente eu me comportava da maneira como fui criada.

Eu precisava de uma tática, uma estratégia para me convencer disso. Que a felicidade não está nos príncipes encantados, que cada um tem o seu destino, que cada um pode ser realmente feliz sem ter nada disso. Primeiro eu me decidi entre ser uma profissional de sucesso  ou ter uma família. O que realmente era importante para mim?!? E era ter uma família que eu queria de verdade. Aí eu montei a minha estratégia:  Comecei a avaliar todos os casamentos que eu conhecia. Um a um. Comecei a me dedicar a isso. Analisar o casal, descobrir se eles eram felizes e mais do que isso, se eu seria realmente feliz se eu estivesse naquele contexto. Fui avaliando tudo e todos a minha volta. E foi aí que eu realmente me convenci que não era garantia de nada. Estar casado, ter filhos, encontrar alguém não era passaporte para a felicidade.

Vi casais juntos por comodismo.Vi casais desgastados. Vi filhos problemas. Vi casamentos de faixada. Vi maridos com amantes. Vi sogros problemas. Vi falta de respeito. Vi falta de carinho. Vi executivos viciados em drogas. Vi altos executivos com depressão. Vi mulheres sem auto-estima, casadas ou não, executivas ou não.

E a minha conclusão foi essa: não é só porque aquela mulher encontrou um marido e teve filhos lindos, tem uma casa maravilhosa, viajam todas as férias e chamam os amigos para tomaram vinho em casa, que necessariamente ela é feliz.

Não é só porque aquela mulher é alta executiva, cargo invejável, conhece o mundo todo, super assediada, bonita, bem vestida e culta, que necessariamente ela é feliz.

E mais: descobri que o objetivo da vida de alguém não está em ter um marido, um excelente emprego ou algo assim. O nosso objetivo aqui é sermos felizes. Ser feliz é ou deveria ser a prioridade de todos. E ser feliz implica em fazer o que nós gostamos e não o que disseram para a gente gostar. Não sei se estou me fazendo clara. Mas eu comecei a correr atrás de ser feliz.

Como eu tinha escolhido ter uma família. E eu não podia inventar um marido ou encontrar um príncipe da noite para o dia. Eu comecei a ver que eu poderia ter uma família por minhas próprias pernas. Eu poderia ir a um banco de espermas ou adotar uma criança. Eu mesma podia começar a minha família.

Montei o meu apartamento e comecei a investigar como seria um processo de adoção e etc e tal. Foi aí que ele apareceu. Quando eu não mais atribuía a alguém a responsabilidade de me fazer feliz. Quando eu assumi essa responsabilidade.

Mas eu te digo, que hoje, independentemente dele ter aparecido, eu teria a minha família. Eu teria o que me faria feliz. De uma forma ou de outra.

O que não dá é para forçar situações ou mesmo deixar a vida passar. O fato é: a vida passa muito rápido. E tudo é quando pode ser. Não dá para ficar forçando. E entre uma crise ou outra de depressão, eu me dei conta que eu estava perdendo muito tempo com depressão. E só estava adiando a minha felicidade.

Eu sei que cada história é única. Não há receita, nem regras. Mas lendo o seu e-mail, me fez recordar muita coisa que eu passei. E eu precisei apanhar muito para aprender a caminhar sozinha. A parar de me comparar com as outras pessoas ou mesmo com o meu plano de vida perfeita. E eu tive uma amiga maravilhosa que jogou muitas verdades na minha cara. Que bom que ela apareceu naquele momento.

E eu estou aqui, se você precisar de mim, se quiser conversar, se quiser passar uns dias por aqui, se quiser apenas chorar ou se quiser encher a cara. Não fuja das pessoas, não se esconda, não espere que a felicidade vá bater a sua porta, vá te buscar em casa. Ela não vai. Você tem que ir atrás dela. Saindo, assistindo um bom filme, comprando uma linda roupa, cuidando de você, de verdade. Pegue o que você tem na mão hoje e comece a trabalhar, não fique esperando encontrar alguém encantado para comer pipocas ao seu lado. Coma pipocas sozinha e, se dê ao luxo de morrer de rir de uma comédia. Sozinha sim, e porque não? A gente tem que, em primeiro lugar, gostar de estar conosco mesmas. Ninguém vai ser mais interessante na sua vida do que você mesma.

Eu posso quase que te garantir, que se existir o seu príncipe encantado nesse mundo, nessa vida, ele vai com certeza aparecer. Mas, por favor, não espere por ele. Porque se ele não existir, você terá perdido muito tempo nessa espera inútil.

Estar sozinha é o melhor dos mundos? Com certeza não é. Se você pudesse escolher, gostaria de ter alguém ao seu lado, só que a gente não pode controlar tudo. Isso não nos pertence. Faça a sua parte e deixe que o resto, o pessoal lá de cima faça. Entregue isso a eles. Infelizmente ou felizmente não somos nós que decidimos o nosso futuro.

Na sua idade, eu jamais acharia que eu teria a vida que hoje eu tenho. Tudo me indicava que seria completamente diferente. E de uma hora para outra, minha vida deu uma guinada de 360 graus. Hoje eu posso te dizer que eu sou feliz, que eu tenho uma família maravilhosa. Mas te garanto que a minha felicidade não vem disso. A minha felicidade está dentro de mim. A minha felicidade está em cuidar de mim, ler muito, me divertir, construir as minhas coisas, cuidar da minha casa, ir ao cinema, escolher os filmes que eu gosto, fazer as viagens que eu sempre quis. Ele e as meninas fazem apenas parte do meu mundo. Eu me sinto feliz ao lado deles, mas minha felicidade não está garantida só porque eles existem. Com eles ou sem eles, eu teria a obrigação de ser feliz.

Hoje eu recebi um convite de casamento de uma amiga de faculdade minha. Vamos aí em outubro, faço questão de estar lá. Ela nunca teve uma paquera, nunca namorou e jamais pensava em se casar. E de uma hora para outra apareceu uma pessoa na vida dela e, sem mais nem menos, vão se casar. Ela tem 35 anos e me disse que quando ela realmente desistiu de seguir o padrão, quando ela começou a cuidar dela mesma, sem esperar príncipe encantado. Apareceu uma pessoa e que hoje ela acredita que vale a pena investir. Ela me disse que quer viver dia a dia, que ela se cansou de projetar a felicidade dela nos outros.

Tenho uma amiga que também veio para cá. E hoje está com 10 anos de casamento. Casamento esse planejado desde os 15 anos de idade. E disso eu me lembro muito bem. Com 15 anos, a gente estudava juntas e ela já tinha encontrado um cara para cumprir o papel de marido nos planos dela. O cara ideal. Mas simplesmente hoje, ela não é feliz. Ela me disse que perdeu a melhor fase da vida dela porque se fechou para o mundo porque planejou demais a sua vida e se esqueceu de viver. Hoje eles estão em fase de separação (a gente sempre conversa). Ela nunca foi feliz com a vida que ela tanto planejou e colocou em prática. Hoje ela conseguiu o primeiro emprego dela aos 33 anos e vai morar sozinha. Ela me disse que sempre pinta depressão, porque para ela é começar aos 33 anos de idade e a sensação de tempo perdido dói muito. Mas vale a pena tentar ser feliz.

Eu gosto muito de você. Sei que você é muito reservada. É difícil furar o seu bloqueio, talvez eu tenha sido corajosa demais desde a época que nos conhecemos. Dizendo coisas que as pessoas não tinham coragem. Mas eu quero te ver feliz, quero que a depressão faça parte do seu passado. Quero te ver crescendo. E, se você me perguntar hoje, como eu te vejo. Eu te diria que te vejo muito forte, muito diferente da menina que eu conheci, muito mais forte do que você seria se tivesse se casado com ele ao invés dele ter morrido, disso eu não tenho dúvida. Eu te vejo lutando para sair da bolha de superproteção da sua família, eu te vejo querendo um espaço e buscando coragem para enfrentar o que está por vir. Eu te vejo parando de acreditar em contos de fadas e vendo a vida real como ela é. Eu te vejo buscando muito a felicidade. Eu te vejo sofrendo. E te digo que não existe crescimento sem sofrimento.

Talvez as outras pessoas respeitem os limites que você coloca e acabam não se aproximando como gostariam, talvez você acaba não dando oportunidade das coisas acontecerem. Relaxe. Você é uma pessoa interessante, bonita e de caráter (isso é raro atualmente). Acredite nisso, dê espaço para as pessoas chegarem, conte a sua história. Eu aprendi que a gente não precisa esconder nada ou ficar cheia de reservas, todo mundo tem problemas e dificuldades. A gente não precisa ficar preocupando com as aparências.

Tenho um amigo argentino muito sociável, a casa dele é sempre cheia de amigos. Eu adoro estar com eles, eles conhecem todo mundo, vivem com a casa cheia. E uma vez fui visitá-lo em Buenos Aires, e, sem mentira nenhuma, havia uns 10 amigos dele no aeroporto me esperando. Eu não acreditei. Então quando deu uma "brechinha" eu perguntei para ele como ele conseguia fazer tantos amigos. Que era a minha maior dificuldade, que eu não conseguia encher os dedos das mãos se contasse todos os amigos que fiz na minha vida inteira. E eu não me esqueço da sua resposta. Ele me disse que eu estava sendo muito exigente. Um amigo não precisa ser uma pessoa perfeita. Existem amigos para tudo, amigos só para nos acompanharem ao supermercado, amigos para contarmos os nossos problemas, amigos para irem conosco buscarem amigos no aeroporto, amigos que querem apenas falar de si mesmos, amigos distraídos, amigos para baladas, amigos para comer pipoca em casa, amigos que só dá para irmos a um cineminha e pronto. Não existem amigos completos, para tudo, unha e carne. Cada necessidade nossa, a gente encontra em uma pessoa diferente. A gente monta um SUPER AMIGO, como se fosse um FRANKSTEIN, com um pedacinho de cada um.

Para variar, eu escrevi demais. Vou me intrometendo na sua vida, mesmo sem ser convidada. Eu gosto muito de você. Infelizmente estar em outro estado nos distanciou muito. Hoje, quando a gente se encontra, soa meio estranho, distante mesmo. Porque amizade é algo construído no dia a dia, no contato, na convivência. Quero te ver acima de tudo feliz. Mesmo com as restrições do nosso distanciamento, eu estou aqui. Sempre que quiser desabafar é só ligar. Quero te dizer que você é um pedacinho do meu Frankstein que eu estou montando.

Escreva sempre. Não fique achando que as pessoas não têm tempo para você. Você é uma pessoa muito interessante. Eu espero que você tenha gostado do livro que eu te mandei. Eu me identifiquei com ele e com o vale da coragem.

E é o que eu te desejo agora: Coragem para enfrentar os próximos passos.

Beijo,
Lisa