Luis Guilherme Serra Pires

1 DESCRIÇÃO DO CASO

O trabalho traz três situações distintas para se discutir acerca do liame existente entre as condutas de importunação, paquera, sedução, assédio e estupro. A cena 01 relata o caso no qual em uma folia de carnaval, um homem passou a mão em uma foliã, atitude essa que tomava em relação a todas as mulheres que passavam em sua frente. Indignada com o fato, amiga desta foliã foi tomar satisfação e jogou o boné dele no chão, e o mesmo a empurrou e quis lhe bater, só que a onda do bloco a levou e o impediu. A cena 02 traz a letra da música do cantor Mc Dieguinho, chamada “Só uma surubinha”. A cena 03 relata o caso “ME TOO X CATEHRINE DENEUVE ET AL”, onde se constatam dois cenários distintos: o “ME TOO” é o movimento feminino acerca do produtor de cinema Harvey Weinstein, acusado de assédio sexual a estupro na justiça americana; “CATEHERINE DENEUVE ET AL” trata da crítica das atrizes francesas em relação à repercussão causada sobre o caso do produtor americano, defendendo o direito dos homens de dar em cima das mulheres pela liberdade sexual. Diante dessas 03 cenas, indaga-se: Do ponto de vista jurídico, o que constitui o consentimento, a dificuldade de diferenciação de cada uma dessas condutas em alguns casos; o que significa o “sim”?

 

2 ANÁLISE DO CASO

Para a devida análise do caso, faz-se indispensável tratar do significado da palavra consentimento do ponto de vista jurídico, principalmente em relação ao Direito Penal. Na esfera criminal, o consentimento do ofendido é uma causa supralegal de exclusão de ilicitude defendida pela doutrina. Para Cleber Masson (p. 397, 2014), o instituto tem aplicabilidade restrita aos delitos em que o único titular do bem ou interesse jurídico é a própria pessoa que aquiesce, sendo necessário três requisitos: capacidade da vítima para consentir, o consentimento deve ser dado durante a prática da conduta e o bem jurídico deverá ser disponível.

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1 Case apresentado à disciplina de Direito Processual Penal II, no curso de Direito, 6º período da UNDB.

2 Aluno do curso de Direito, cursando 10º período da UNDB.

3 Professor da disciplina de Direito Processual Penal II do curso de Direito da UNDB.

 

 

Dentre um dos princípios norteadores do Direito Penal, está o Princípio da subsidiariedade, ou seja, o ramo penal será aplicado de forma subsidiária, quando não for suficiente a aplicação de outro ramo do Direito, de forma que a criminalização das condutas deverá ser limitada, evitando excessos. As liberdades devem ser harmonizadas, de maneira a garantir os direitos estatuídos pela Constituição Federal.

Diante dessas constatações iniciais acerca do Direito Penal, irá se fazer uma análise relacionando com o tema do case.

O Código Penal, em seu título IV, trata acerca dos crimes contra a dignidade sexual. Segundo Guilherme Nucci (p.1163, 2017), o que o legislador deve policiar, à luz da Carta Magna de 1988, é a dignidade da pessoa humana, e não os hábitos sexuais que porventura os membros da sociedade resolvam adotar, sem qualquer constrangimento e sem ofender direito alheio, ainda que pareçam inadequados ou imorais.

No atual contexto político brasileiro, percebe-se o fortalecimento dos movimentos feministas, tornando-se protagonistas de batalhas por reconhecimento de igualdades e contra o preconceito, que muito embora seja uma forma de desenvolvimento da sociedade, elevou o nível de radicalismo e intolerância. Assim como a relação de igualdade entre os sexos evoluiu com o passar dos anos, a imagem da mulher perante a sociedade também, como bem destaca Nucci (p. 1163, 2017) “Foi-se o tempo em que a mulher era vista como um símbolo de castidade e recato, no fundo autêntico objeto sexual do homem”.

Nos anos 50, Nelson Hungria já ressaltava (1958):

Desgraçadamente, porém, nos dias que correm, verifica-se uma espécie de crise do pudor, decorrente de várias causas. Despercebe a mulher que o seu maior encanto e a sua melhor defesa estão no seu próprio recato. Com a sua crescente deficiência de reserva, a mulher está contribuindo para abolir a espiritualização do amor(...). Com a decadência do pudor, a mulher perdeu muito do seu prestígio e charme. Atualmente, meio palmo de coxa desnuda, tão comum com as saias modernas, já deixa provocada a sensação de versos líricos. As moças de hoje, em regra, madrugam na posse dos segredos da vida sexual, e sua falta de modéstia permite aos namorados liberdades excessivas. Toleram os contatos mais indiscretos [...]

 

É inegável que ainda hoje a sociedade possui traços machistas, resultado de uma origem extremamente patriarcal e que considerava o homem como “dono” da mulher, como o sexo superior, no entanto, não se deve lutar contra isso de forma tão radical a inibir a liberdade masculina de demonstrar interesse quando no início de uma paquera, para demonstrar interesse na mulher.

 

É claro que, quando de alguma forma essa “paquera” ultrapassa seus limites e passa a ser uma forma de importunação, a mulher tem todo o direito de sentir-se ofendida, mas a questão é achar o ponto em que essa ofensa por parte da mulher deve ser tratada pelo Direito Penal, de forma a evitar o excesso de proibição e também a inércia do poder legislativo.

Como já explanado, o Direito Penal deve ser tratado como meio subsidiário. O Estado deve evitar proibir em excesso, pois tal excesso inibe a liberdade individual dos próprios cidadãos, que é uma garantia constitucional. O princípio da proibição de excesso é um princípio implícito na Constituição Federal, sendo uma garantia fundamental. Segundo Nelson Nery (p.251, 2017), sua existência é ínsita ao estado Constitucional e é fundamental para controlar a atuação dos poderes, sendo o principal instrumento de controle da atuação restritiva da liberdade individual.

O princípio da proporcionalidade é uma dos subprincípios do princípio da proibição de excesso, ou seja, diz respeito à justa medida ou à relação de adequação entre os bens e interesses em colisão, ou, mais especificamente, entre o sacrifício imposto pela restrição e o benefício por ela almejado. (JUNIOR, p. 251, 2017)

Desta forma, em relação às situações trazidas pelo case, deve-se fazer uma análise minuciosa da circunstância de cada caso, da concorrência da conduta da vítima para com a conduta do agente, da proporcionalidade entre a aplicação do direito penal e o resultado de tal aplicação, levando em consideração que interesses estão em colisão.

Assim como qualquer outro ramo do Direito, o Direito Penal deve acompanhar a modernização dos costumes da sociedade. No século XXI, mais precisamente no corrente ano,  a imagem que se tem da mulher, bem como a postura da mesma na sociedade, é bastante diferente de 1984 (ano de reforma do Código Penal). Ainda que a Lei 12.015 que provocou a alteração nos crimes do Título IV do Código Penal seja de 2009, também tem uma lapso temporal de quase 10 anos para os dias de hoje, o que implica em grandes modificações nos costumes sociais.

Para Nucci (p.1179, 2017), é importante em cada caso analisar o grau de resistência da vítima, avaliando a superioridade de forças do agente, apta a configurar o constrangimento através da violência. A anuência da mulher é extremamente relevante para a análise do caso concreto.

Acerca da capacidade de consentir, é preciso analisar também o efeito de álcool e drogas ilícitas no corpo humano e até que ponto estes podem afetar o consentimento. A UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) realizou um estudo sobre tais efeitos, chegando à conclusão que qualquer que seja a quantidade ingerida, causará efeitos no organismo humano. Interessante destacar que a quantidade de 0,05% de álcool no organismo já causa alteração no pensamento e no senso crítico da pessoa (UFMG, 20--?).

Desta forma, partindo-se para análise das cenas apontadas no case: Na cena 01, pode-se perceber que não houve anuência da vítima acerca da atitude do agente em passar a mão nela, causando assim uma extrema ofensa à vítima, no entanto, seria desproporcional tipificar a conduta do agente no art. 213 do Código Penal. É inegável a importunação e o abuso causado pelo agente, pois a vítima sequer o conhecia ou de qualquer forma concorreu para que o fato ocorresse, porém, excessivo seria também dizer que de alguma maneira o agente satisfez sua lascívia com o ato. Assim, prudente seria classificar sua conduta no art. 61 da Lei de Contravenções Penais, que trata da importunação ofensiva ao pudor.

Na cena número 02 depara-se com a música do MC Dieguinho. A letra da música é de conteúdo extremamente pesado, incitando claramente práticas previstas no Código Penal, de embebedar a vítima e realizar atos sexuais sem o seu consentimento ou com o consentimento eivado de vício.

Em relação à cena 03, tem-se os fatos ocorridos na indústria americana de cinema, onde o produtor Harvey Weinstein está sendo acusado por diversas mulheres de abusos que vão de assédio sexual a estupro. Notadamente é um caso em que precisa ter muita cautela, analisando tanto a conduta do agente quanto a conduta das vítimas, pois assim como o agente pode ter de certa forma se aproveitado e realmente cometido tais atos, nada impede que as vítimas de igual forma tenham tido um certo interesse na posição de importância do produtor para conseguir os papéis. Deve-se analisar as circunstâncias em que se deram os fatos, bem como se realmente houve o dissenso por parte da vítima; se a relação foi de todo forçada.

3 DESCRIÇÃO DO CRITÉRIOS E VALORES

Consentimento da vítima como causa supralegal de excludente de ilicitude; Princípio da subsidiariedade do Direito Penal; Proporcionalidade e razoabilidade; Princípio da proibição de excesso; Princípio da Defesa deficiente; Movimentos feministas; Contravenções penais; Direitos fundamentais.

REFERÊNCIAS

HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1958.

JUNIOR, Nelson Nery; NERY, Rosa. Constituição Federal comentada e legislação constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017.

MASSON, Cleber. Direito Penal esquematizado: Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2014.

NUCCI, Guilherme. Código Penal Comentado. Rio de Janeiro: Forense, 2017.

UFMG. Álcool. Centro regional de referência em drogas/UFMG. 20--?. Disponível em: . Acesso em: 12 abril 2018.