Que tarefa desagradável: criticar, mui respeitosamente, o artigo Paralelos históricos – ou Dilma e Isabel, de autoria da ilustre professora Angela Alonso. Vejam que absurdo, eu, um especialista em rebimbocas e parafusetas, ouso discordar da professora livre-docente do Departamento de Sociologia da USP e presidente do Cebrap. Só pode ser sinal do fim dos tempos.

No entanto, enquanto a liberdade de opinião ainda estiver garantida neste país, coisa que era tão grata a D. Pedro II mas não sei se irá longe, farei o que estiver a meu alcance (que é pequeno, mas é meu) para defender a memória de D. Isabel, princesa imperial “de facto” e imperatriz “de jure” do Brasil, de 05.12.1891 (falecimento de seu pai) até 14.11.1921 (seu falecimento) – conforme já expliquei em A história do Brasil reescrita pelas leis.

Em síntese, o artigo da professora faz um paralelo entre D. Isabel e Dilma. E o primeiro ponto de contato que aponta é o gênero. Antes de prosseguir, coloquemos em pratos limpos que a ex-presidente não foi a primeira mulher a assumir a chefia do Estado no Brasil. Nossa primeira chefa de Estado foi D. Maria I, quando o Brasil foi elevado a Reino unido a Portugal. Depois, D. Leopoldina assumiu a regência, durante a viagem de D. Pedro I a São Paulo. Por fim, D. Isabel também, três vezes, durante as viagens de seu pai. Também já expliquei isso em meu artigo citado. Ou seja, ninguém me venha com o “nunca na escória deste país”.

Essa ressalva é muito bem feita pelo artigo. E aponta que D. Isabel sofreu preconceito, por parte da classe política, por ser mulher. De acordo. Há um livro especificamente sobre isso, de Roderick Barman. A sociedade machista e patriarcal não aceitava a hipótese de ter uma imperatriz.

Só que, ao contrário do artigo, respeitosamente, discordo que a condição feminina seja causa para as críticas à ex-presidente. Aliás, isso me lembra de alegações semelhantes feitas por outros personagens da política recente. Quando Celso Pitta foi acusado de corrupção, disse que só foi perseguido porque era negro. Depois que aquela deputada petista fez a “dancinha do mensalão”, alegou que só foi criticada porque era feia. Quando Marcos Valério foi preso, afirmou que só foi atacado porque era careca. Sem comentários.

segundo ponto de contato, ainda segundo o artigo, é que, em ambas as situações, a oposição substitui a agenda redistributiva do governo por outra moralista. Com o devido respeito, as denúncias de corrupção envolvendo os irmãos Loyos nunca foram apontadas como causa para o golpe republicano. Basta consultar os livros sobre o período. Sempre hão de falar em questão religiosa, questão militar e quejandos. Nem uma palavra sobre corrupção. O próprio Marco Antonio Villa, historiador republicano, reconheceu numa edição do Jornal da Cultura que, no Império, só houve dois casos de corrupção, sendo que num deles, o corrupto fugiu do país e só retornou depois do golpe republicano. O que é compreensível, porque a república nunca deu grande importância à ética (por paradoxal que isso soe, se considerarmos a etimologia da res publica). Ainda neste aspecto, não é possível comparar as responsabilidades de ambas as figuras históricas. A ex-presidente foi chefe titular de Estado e de governo, enquanto a regente era chefe interina de Estado.

terceiro ponto de contato, sempre segundo o artigo, é a impopularidade. Afirma que D. Isabel era impopular. Não é o que consta no livro de Marcos Costa, O reino que não era deste mundo, que resenhei alhures ("O III Reinado em dois livros recentes"). Ela era impopular, sim, nos setores mais atrasados da sociedade e da economia, descontentes com a abolição e temerosos dos avanços que estavam por vir. E foram eles justamente que manietaram o golpe republicano. Alguém dirá que o mesmo ocorre atualmente. Será? Então quer dizer que os bancos, as grandes empreiteiras, os pelegos, as mortadelas, a mídia chapa-branca e o Waldir Maranhão são a vanguarda política deste país? Folgo em saber.

Por fim, a autora conclui dizendo esperar que a crise atual se resolva não como a de 1889, que terminou em golpe, mas como a de Prudente de Morais, que conseguiu terminar o mandato, sem ruptura institucional. Mais uma comparação que, salvo engano, merece respeitosas ressalvas. Porque, para as causas da crise política de Prudente, não havia solução constitucional. Daí que qualquer outra opção que não o paliativo da licença médica seria golpe. Muito diferente da crise recente que, para algumas de suas causas (cometimento de crime de responsabilidade), tem um remédio eminentemente constitucional: o impeachment. Pergunto-me se os que afirmam, atualmente, que o impeachment é golpe (mas não é) diziam a mesma coisa em 1992.

Claro que não estaríamos discutindo isso tudo se não tivesse ocorrido o lamentável golpe de 1889, o pai de todos os subseqüentes. Quando, para não destoarmos de nossos vizinhos, importamos não só a forma de Estado, mas o pacote político completo, que nos colocou numa rota – e numa rotina – de crises institucionais, golpes, contra-golpes, tiranias e caudilhos. O que em nada há de surpreender, pois essa é a rota e a rotina de toda e qualquer republiqueta.