Não aprendo como me ensinam; aprendo como aprendo...

“Havia um cego que pedia esmola à entrada do Viaduto do Chá, em São Paulo. Todos os dias, passava por ele, de manhã e à noite, um publicitário que deixava sempre alguns centavos no chapéu do pedinte. O cego trazia pendurado no pescoço um cartaz com a frase: ”Cego de nascimento. Uma esmola, por favor”.

Certa manhã, o publicitário teve uma ideia: virou o letreiro do cego ao contrário e escreveu outra frase. À noite, depois de um dia de trabalho, perguntou ao cego como é que tinha sido seu dia. O cego respondeu, muito contente:

– Até parece mentira, mas hoje foi um dia extraordinário! Todos que passavam por mim, deixavam alguma coisa. Afinal, o que é que o senhor escreveu no letreiro?

            O publicitário havia escrito uma frase breve, mas com sentido e carga emotiva suficientes para convencer os que passavam a deixarem algo para o cego. A frase era:

            “Em breve chegará a primavera e eu não poderei vê-la”.

Na maioria das vezes não importa O QUE você ensina, mas COMO você ensina. Nisso consiste analisar que ao longo da história, percebe-se que o mundo muda, era preciso mudar; as pessoas mudam, era preciso mudar; a natureza muda, era preciso mudar... O mundo muda, as pessoas mudam, a natureza muda. As mudanças pressupõem um novo destino, um novo olhar, novos caminhos...Mas, qual o destino? Quais foram os propósitos de uma mudança coletiva, sistemática, comportamental que seguiu qual roteiro, para alcançar que objetivos?  No ritmo frenético de tantas mudanças, muito se perdeu pelo caminho, as palavras foram acocopadas: “Em reverência, estamos à vossa mercê”,”Vosmecê”, “vosmicê”, “você”, “ocê” “vc”, “c”. Os textos foram cifrados: “trolar”, “lake” “deslake”,”brocar”, “focar”.

As crianças nascem sabendo que não precisam saber, fazendo o que não sabem porque fazem, mas sabe quem não podem deixar de fazer. Os jovens não podem poder, porque não podem não poder saber, fazem o que as mudanças impuseram que tudo pode e nada não podem. Os adultos, despreparados em tudo, não podem contrariar, sob pena de serem retrógrados, precisam ser modernos. São amigos, não podem ser autoritários, não podem dar ordens, não podem decidir, não poder dizer não, uma vez que essa prática contraria a versão moderna de que contrariar uma criança é limitar os seus direitos, qualquer negativa conduz à frustração, preconceito, intolerância que levará a criança contrariada a sentir-se menor, indigna, perseguida, desprotegida... tudo se permite, tudo se ignora, tudo é “que gracinha”. Birra e malcriação é caso de psicólogos, é o cognitivo afetado, surgem os déficit de atenção, de aprendizagem, de capacidade de reconhecer-se aprendiz, crescendo nas adversidades, enfrentando limites e amadurecendo potencialidades.

A criança não discerne o certo do errado, porque nada lhe foi imposto nesse sentido. Ela não tem estrutura mental suficiente para processar tudo de uma vez. Mas quem passou “tudo de uma vez” para a criança, foi o adulto. Foi o “educador”, o formador, o responsável pela sua formação.

Historicamente, no Brasil, grande número de crianças foram “criadas”, “acompanhadas”, “cuidadas” pelos seus próprios pais que, mesmo sem academicismo sistemático, sabiam o que era melhor para a criança: o limite, a ordem, o respeito, o tempo, os papeis que cada um desempenhava na família, o pai, mãe, o irmão mais velho, o tio, o avô... o professor, o padre, o pastor, o médico, o pedinte, o pobre, o rico; o grande, o pequeno; o bom, o ruim; o honesto, o desonesto; a coragem, o medo; o claro, o escuro; o seguro, o inseguro; o bonito o feio; o permitido, o proibido; o gostar, o não gostar; o ter, o não ter; o ser, o não ser. Cego de nascimento”. Diz a lenda. Ora, se a criança nasce sem conhecimento, tudo se lhe é passado.

“Em breve chegará a primavera e eu não poderei vê-la”. Na maioria das vezes, não importa o que você ensina, mas como você ensina.

Com o passar dos tempos, a magia da comunicação atinge a magia do conhecimento: muitos pais, por necessidade passaram a trabalhar mais do que antes, se tornando necessário deixar seus filhos ainda pequenos, com a vizinha, com a avó, com outros irmãos menores, babás... sozinhos é uma grande prática, principalmente nas periferias das grandes cidades. Tantos e tantos outros “cuidadores”. Nenhuma graduação é exigida, nenhuma qualificação é necessária, nenhuma qualificação é requisito, até porque a renda familiar não permite tal luxo. “Fica com quem existe”, fica seguro em casa, não abra a porta para estranhos, não saia para a rua, fique vendo televisão...”, “Conheço os meus filhos...

O que eles vão aprender é o que eles terão hoje. O que eles serão é o que eles aprenderam a ser. O mundo mudou, o homem mudou, a educação mudou, a história mudou, os valores são outros. Os caminhos são outros, o futuro esperado também deverá mudar. A quem cabe ensinar, planejar, executar, avaliar, orientar, formar, dirigir... a família, que mudou, não sabe como ensinar já que tudo mudou; a escola se prepara para ensinar a quem está preparado para aprender, educado para sistematizar conhecimentos, mas ela enfrenta um grande desafio que é suprir lacunas e cobrir possíveis defasagens na forma que muitas de suas crianças foram “formadas” para aprender.

 Muitas crianças reagem muito mal diante de limitações, de orientações, de ordens, de normas, de regras. Houve superposição de atividades, negligência de oportunidades, excesso de cuidados que não cuidaram de cuidar do ser que cada criança representa, mas que que forma tratadas como um elemento passivo, que não sente, que não pensa, que não cria, que não se desinstala para não ser contrariado, que não cresce para não ter com que se preocupar. Esse será o homem das próximas gerações. Frágil, individualista, solitário, intolerante, sem força, sem vontade, só com vontades e caprichos.

Antever a fragilidade do homem do porvir é reconhecer que as crianças não estão sendo “testadas” dentro de sua realidade e condições, para o enfrentamento de situações que, se “treinadas” em ambiente propício à formação, viria a ser uma possibilidade de maior resistência e melhores condições de reconhecer-se capaz de superar desafios muito dantes experimentados.

Admitir o individualismo como resultado de um conjunto de lições que não foram assimiladas em ambiente favorável, durante o processo de apreensão do conhecimento necessário à aquisição de habilidades, os valores mais simples como o respeito foram ignorados. A falta de reconhecimento do papel do outro em nosso aprender a viver nos torna “ostra” dos nossos próprios brilhos. A  pérola, no seu tempo de ostra era “feia, incompleta, irreconhecível, apesar de sua essência para brilhar no futuro. A criança, enquanto aprende lições que lhes farão , ou não, brilhar como perolas, no futuro, têm essência, mas não são definidas como a pérola que virão ser.

Se a ostra falha, a pérola não existe; se o homem falha no processo ser formador da criança, o homem do futuro não terá brilho. A pérola sem brilho, perde o seu valor; o homem sem valores, nem perde o valor que nunca teve: não existe. Sem expressão, se isola, fecha em si mesmo, solitário e intolerante, sem força, sem vontades... só com um sentimento de revolta como resultante dos seus caprichos, birras e má-criações feitas enquanto criança que pedia olhar, exigia limites, pedia exemplos, clamava por ajustes. Queria aprender e, aprendeu como aprendeu: aprendeu que não precisa aprender.

  • Sebastião Maciel Costa