Marelise de F. Griebeler
Me em Educação
Escritora

 

É notório a “vibe” da automatização da vida, nos tempos atuais. Com os avanços científicos/tecnológicos, usuários conectados em todos continentes e de todas as faixas etárias, consomem com rapidez produtos para todas as necessidades, sejam reais ou imaginárias, importantes ou supérfluas. Por outro lado, até que ponto este acesso, em excesso, não limita o sujeito em sua conexão e consumo ilimitado?

 

Sobre isso o Psiquiatra Paulo AndreIssa, em sua página no facebook, no dia 25 de dezembro de 2017, alerta:

 

Amigos, sou psiquiatra, estudo o comportamento e funcionamento do cérebro humano. Fiquei assustado neste Natal com a influência que os canais infantis como #DiscoveryKids #Gloob #Nickeloden #NickJr #Disney #CartoonNetWork e canais do YouTube tem sobre as crianças.

Me foi pedido como presente de Natal um brinquedo chamado #LOL. Pedi para comprarem, não sabia do que se tratava e me assustei com o preço mediante o tamanho do brinquedo, 80 reais.Minha surpresa maior foi quando dei o presente e vi o tamanho e a simplicidade do objeto (...) uma bonequinha minúscula, que não faz absolutamente nada, não acende nenhuma luz, não emite som algum, não mexe nem um braço ou perna.E sabe a pior parte da história? A criança que presenteei ficou maravilhada, deslumbrada de ter ganho. Isso foi o principal! Encantada com um objeto 0% interessante. Só porque viu repetidamente na TV ou YouTube!Outro fato assustador: o caixa da loja disse que o outro modelo de 100 reais se esgotou em 3 horas!!! (facebook@pauloandreissapsiquiatria)

 

Ainda, sobre o consumo da boneca LOL, Mariana Sá, em 28 de dezembro de 2017, publica um artigo na sua página “Movimento Infância Livre de Consumo”, criticandoo fato dos cuidadores não controlarem o acesso das crianças à publicidade e ao YouTube. A principal crítica vai para os vídeos no estilo "unpacking" (uma definição em inglês para vídeos no Youtube em que crianças aparecem abrindo presentes e brinquedos). Em sua visão, este apelo reacende a máxima cruel da publicidade: “eu tenho, você não tem!” (http://milc.net.br).

 

Tanto Paulo AndreIssa, como MarianaSácriticam o acesso às mídias, desvinculada de um olhar reflexivo sobre o conteúdo.

 

Ampliando os impactos desta “vibe” de consumo para além do universo infantil, sãoapresentados produtos em nossas vidas “normatizando” o que comemos, vestimos, decoramos, construímos...Enfim, tornando-nos, muitas vezes, anestesiados do sentir/escolher e pensar por si, em diálogo com o outro, próximo de mim.Agimos no impulso do que nos é apresentado como belo, moderno, importante e, distanciamo-nos da escuta de nosso próprio desejo e cultura. Esvaziamos o nosso existir com acúmulos de “coisas”, muitas vezes, sem o menor sentido. 

 

Sobre esta anestesia, algunsautores explicam este processo como o resultado de um entorpecimento da sensibilidade, sensações e dos sentidos. Decorrente a isso, também alertam sobre o embrutecimento nos relacionamentos, aliados ao aumento de patologias consideradas como “biopatias”.

 

Barreto (2017, p. 26), remetendo-se aos estudos de Reich, apresenta-nos o conceito “biopatia”, onde são considerados todos os processos de doenças causadas por uma disfunção básica no aparelho vital autonômico. Depois de iniciada, essa disfunção pode resultar em carcinoma, angina, asma, hipertensão, esclerose, coreia, alcoolismo, entre outras.E para isso, salienta o autor, é preciso escutar os sinais do corpo.

 

Ainda os estudos de Barreto (2017, p.26) chama a atenção da complexidade de aprisionamentos em que o nosso corpo/existir, sucumbe:

 

A prisão existencial da qual Reich nos diz não está apenas na arquitetura dos ambientes (cada vez mais vigiados e instransponíveis devido a câmeras, muros, fechaduras e cercas) ou no modo de funcionamento institucional – autoritário, burocrático, protocolar, padronizado de nossas práticas institucionais, que aprisionam a criatividade humana e operam para mortificar a Vida, abafar sua potência por reter o contínuo movimento transformativo que ela enseja. A prisão também não se encontra especificamente na família, nas organizações políticas partidárias, ou ainda nos regimes capitalistas ou comunistas. A prisão tergiversa todas estas dimensões, mas o seu cerne está encarnado em nosso corpo encouraçado.

 

 

Semelhante a esta perspectiva, Duarte Jr (2000, p. 21) também denuncia a deseducação e embrutecimento (ou aprisionamento) dos nossos sentidos, em decorrência de um ambiente social degradado, de um espaço urbano rude e de uma crescente deterioração ambiental. E chama a atenção ao impacto das construções virtuais realizadas principalmente pelos meios de comunicação e que se superpõe, como um sonho dourado, afastando os indivíduos do contato crítico com a verdade das ruas e de si mesmos.

 

O autor acima citado,baseado emTouraine, denomina a sociedade contemporânea de “programada”, em que tudo é “ensaiado” pelas mídias, aliados a poderosas corporações industriais. E ainda, citando Lasch, diz que:

 

em tal sociedade programada, resta-nos apenas desenvolver um “mínimo-eu”, sem grandes apegos a valores e crenças e flexível o suficiente para mudar de opinião e de estilo ao sabor da moda. O que segundo ele, não gera tranquilidade, mas apreensão e um alerta constante para não se ficar “por fora” (Duarte Jr, 2000, p.22).

 

Mas oque intenciono provocar neste texto, não se trata de uma negação às novas tecnologias/midiáticas, mas um pensar crítico sobre esta situação. Poisas consequências, muitas vezes, resultam no que considero uma atrofia da sensibilidade. Ou seja, uma diminuição e/ou regressãodos saberesque ajudam a nos humanizar, através da conexão consigo, com o outro e com o meio.

 

Neste sentido, os estudos de Duarte Jr (2000)também nosauxiliama refletir e agir, por uma educação que nos coloque em contato com o mundo, na intencionalidade de se construir uma razão mais ampla, na qual as esferas sensíveis sejam consideradas.

 

Segundo o autor,na educação do sensível devemosnos voltar para o cotidiano mais próximo, a cidade onde vivemos, as ruas e praças pelos quais circulamos e encontramos os produtos que consumimos, na intenção de despertar a sensibilidade para com a vida mesma, consoante, levada no dia-a-dia (Duarte Jr, 2000, p.26-27).

 

E, sendo assim, segundo o autor, precisamos educar primeiramente os sentidos:visão, audição,tato, paladar, olfato; na intencionalidade de nos vincular ao cotidiano/realidade.

 

Ou, como penso,faz-se necessário um respiro, um pouso, em meio as nossas navegações flutuantes de acessos ilimitados... Faz-se necessário pousar e pisar em nosso território. Sentir o prazer do pulsar da vida, o sabor dadiversidade, decisão, escolha e caminhos.

 

Os passos, neste caminho, tecem-seatravés da arte em suas múltiplas linguagens, plástica, teatro, dança, música, literatura, entre outros saberes...E, não nos esqueçamos, como diz Duarte Jr,“da arte culinária, dos perfumes e cheiros, das paisagens e noites estreladas, das frutas colhidas e saboreadas ‘no pé’, das caminhadas por trilhas e bosques, enfim disso tudo que a vida moderna nos vem afastando”(2000, p. 29).

 

E é nessa “vibe” de busca do(s) sentido(s) no processo de uma educação humanizadora, que me empolgo, respiro, escrevo e caminho. E, ainda, inspirada no pensamento de Carlos Castañeda,sempre em conexão com a escuta e visão sensível, sentindo se neste caminho tem coração...

Vamos?

Referências

BARRETO, Alexandre Franca. Pedagogia da Vida: um testemunho na formação humana. [recurso eletrônico] / Alexandre Franca Barreto – 2017. 262f. Editora Fi. Porto Alegre, RS. <Disponível em http://www.editorafi.org.>

DUARTE JR, João Francisco. O Sentido dos Sentidos: a Educação (do) sensível. 2000. 234f. Tese (Doutorado em Educação)–Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, São Paulo.

Issa, P.Andre. Comentário disponível em <facebook@pauloandreissapsiquiatria> acesso 25/12/2017.

SÁ, Mariana. “LolDoll: Qual é a graça? X Qual é o problema?” 2017. Disponível em <http://milc.net.br> acesso em 28/12/2017.