O sol está voltando a brilhar na música nordestina, já que pela primeira vez em anos posso dizer que a modinha obscena do Ritmo Nordestino Estilizado Imundo (RINEI), mais conhecido como “forró estilizado”, está dando sinais de que seu ápice acabou – leia-se queda de espaço nas rádios e nos carros que exalam som alto pelas avenidas. Bem que poderia ser hora de os intelectuais da região avaliarem o rastro de corrosão cultural deixado. Até prova em contrário dessa decadência, é tempo de respirar de novo. Mas não para sempre, porque uma infeliz verdade é que a existência de uma vertente esbanjadora más influências de comportamento social na música popular não verá seu fim nem tão cedo, ou mesmo nunca, e outro ritmo de letras escrotas em breve aparecerá. O Ritmo Imundo obviamente não foi a primeira imundície que assolou a música brasileira, nem a última. E nem a irresponsabilidade é exclusiva das letras de certos estilos, mas também integra a atitude e o comportamento de músicos de estilos “acima de suspeita”. Senti que chegou a hora de matar a curiosidade de muitos: por que às vezes a música e seus donos fazem tanta porcaria? É nesse ponto que acho importante, inclusive no esforço de avaliar os estragos feitos pelo RINEI, expor a questão das ligações entre a música e o comportamento social (auto ou não) destrutivo para melhor compreensão pelas pessoas que não se deram ao trabalho de pensar no assunto nesses anos nublados.

Desde meados do século 20, com a “guerra” da juventude rebelde e auto-afirmada contra a repressão cultural vinda daquela sociedade tradicional, muito cristã e pouco acostumada com a urbanização intensa e os novos hábitos de consumo capitalista, os sentimentos de libertação dos ímpetos reprimidos vêm sendo muito expressados através da música. O antigo forró de duplo sentido, avô do RINEI que fez sucesso nos anos 70 e 80, e o axé-pagode baiano que cresceu ao longo dos anos 90 são os antecessores mais marcantes no Nordeste e também eram indigestos perante a crítica musical de suas épocas. A luta contra a repressão cultural juvenil foi algo apreciável enquanto método de quebra daquele paradigma amarrado da velha sociedade, mas, quando quebrou os limites do respeito e do direito das pessoas de não ouvir o que não querem, perdeu esse caráter lutador e passou a se configurar como problema. Tanto que, por exemplo, hoje a ordem maior na juventude urbana nordestina é beber, “catar” e transar sem responsabilidade ou amor, com resultados catastróficos quando se fala, por exemplo, de traições e gravidezes indesejadas e/ou precoces, graças às péssimas influências legadas pelo RINEI.

Aliás, estilos “corruptos” não são os únicos vetores de degeneração sócio-cultural. Ritmos praticamente insuspeitos têm suas ovelhas negras que esbanjam irresponsabilidade social, mesmo quando estão longe dos microfones. É o que pode se dizer do rock e do pop, ora no Brasil ora lá fora, que infelizmente geraram gentalha que, por exemplo, favorece os maus tratos contra animais – vide bandas de pop-rock ou hardcore melódico que tocam em rodeios e cantores(as) que ostentam, numa lamentável falta de consciência e compaixão, casacos de pele – ou estimula, conscientemente ou não, o consumo de drogas legais ou ilegais – como o caso de Amy Winehouse, melhor exemplo atual de “suicida pop que ainda não concluiu sua empreitada”, e de uma velha banda pernambucana de hardcore cujo nome não quero citar mas cujo lema lembro que era “beber, fumar, fu...!” e era muito exaltado em seus shows.

Ser um músico teoricamente pervertido por rebeldia é algo positivo quando ataca valores arbitrários como a repressão sexual, mas usar esse poder de fogo para mirar também os bons costumes e a saúde social não é nada divertido ou construtivo, bem pelo contrário. Do mesmo jeito, ser irresponsável em seu comportamento no qual muitos jovens se inspiram é um delito não menos grave contra a integridade da sociedade. Se a meta é prover diversão, ser irreverente ou atacar valores idiotas, façam-nos com consciência e respeito, e não estimulando comportamentos que terminam em prejuízo, autodestruição e maltrato contra inocentes.