MUDANÇAS, REVOLUÇÕES E SUAS IMPLICAÇÕES

CHANGES, REVOLUTIONS AND THEIR IMPLICATIONS


Emanuel Isaque Cordeiro da Silva – IFPE-BJ, CAP-UFPE e UFRPE - [email protected] / [email protected] e WhatsApp: (82)98143-8399

PREMISSA


A mudança social é um tema presente na Sociologia desde o seu início. Seria possível dizer que o surgimento da Sociologia está vinculado à discussão sobre as transformações sociais, ou seja, falar sobre a ciência da sociedade é falar sobre esse tema. Por isso mesmo, abordar o tema da mudança social pressupõe lidar com a questão das resistências às possíveis transformações.
Quando uma comunidade ou uma sociedade se depara com mudanças, de origem interna ou externa, há sempre resistência, pois há uma espécie de acomodação ao que já existe. Assim, as relações de poder, por exemplo, podem se modificar, num complexo jogo de resistência contra o poder e desejo de conquistá-lo ou ampliá-lo. Desse modo, confrontos e conflitos compõem o itinerário das mudanças e revoluções sociais.

Aqui serão objetos de análise dois grandes tipos de mudanças sociais: aquelas que, por seu caráter universal e multifacetado, afetaram toda a humanidade e aquelas de conotação sociopolítica, que atingiram determinadas sociedades e, depois, tornaram-se referência para outras mudanças. Serão, portanto, abordadas as revoluções agrícola e industrial e as recentes transformações e os episódios mais marcantes das revoluções políticas contemporâneas em todo o mundo.

A REVOLUÇÃO AGRÍCOLA


Esta revolução transformou radicalmente a forma de produção de alimentos das populações humanas. A expressão “revolução agrícola” foi criada pelo arqueólogo australiano Gordon Childe (1892-1957). Ela também é chamada de “revolução do Neolítico”, pois foi o período em que a humanidade desenvolveu a agricultura e as técnicas de cultivo de alimentos, como também aprendeu a domesticar e criar animais. Isso alterou o processo de obtenção de alimentos, pois as populações deixaram de ser coletoras e caçadoras e passaram, paulatinamente, a ter uma relação diferenciada com animais e plantas.
Essas mudanças não ocorreram ao mesmo tempo em todos os lugares. Elas se iniciaram no Oriente Médio (há 9 ou 10 mil anos). Depois, no Egito (9 mil), na Índia (8 mil), na China (7 mil), na Europa (6,5 mil), na África tropical (5 mil) e na América, principalmente no México e no Peru (4,5 mil anos), através do deslocamento de hordas humanas ou movimentos independentes. 
O processo foi muito longo. Inicialmente, percebeu-se que os grãos que eram coletados para alimentação poderiam ser enterrados, isto é, “semeados”, a fim de produzir novas plantas iguais às que eram coletadas anteriormente. Assim, foi possível produzir trigo, cevada, milho, arroz e tubérculos (vários tipos de batatas); posteriormente, também árvores frutíferas. A partir de então, em consequência da experiência e da observação do que acontecia no meio ambiente, passou-se a selecionar sementes e outras árvores para plantio. Através da experiência prática, desenvolveu-se um conhecimento dos diferentes tipos de solo e de plantas, o que ajudou a aprimorar as técnicas de plantio e colheita, incluindo a observação da melhor época para o desenvolvimento de cada uma das culturas.
Determinante para a fixação de grupos humanos (sedentarização) há milhares de anos, a agricultura ainda é a principal atividade de parte expressiva da população mundial. Essa atividade é a eminente na questão de desenvolvimento do Brasil, uma vez que o setor a cada ano emprega mais, a cada ano produz mais e a cada ano supera os índices de lucratividade anteriores, sendo, por fim, o baú do tesouro brasileiro.
Voltando para a Revolução, outro elemento essencial desse processo foi a domesticação de animais. Junto com a agricultura, esse foi um passo muito importante para a alteração do modo de vida da humanidade, já que eliminou a necessidade do deslocamento para obtenção da carne e das peles necessárias ao conforto e também do leite dos rebanhos. A domesticação deve ter surgido espontaneamente em vários locais, resultado do processo de aproximação e observação dos animais no decurso das caçadas. O primeiro animal domesticado foi o cão; na sequência, animais para a alimentação e tração, como a cabra, o carneiro, o boi e o cavalo. 
Paralelamente a essas mudanças, alguns instrumentos foram sendo confeccionados, como a foice, o arado, a roda e outros que eram utilizados para arar a terra e até na colheita: novas tecnologias para um processo revolucionário.
Esse processo intenso de subdivisões e deslocamentos provocou uma onda de difusão da agricultura e da atividade pastoril através das migrações. Imagine-se por um momento vivendo em grupos ou fazendo parte de hordas humanas, reproduzindo-se e subdividindo-se, migrando para outros locais, plantando e desenvolvendo a criação de animais em vários lugares, deslocando-se à procura de novos espaços e invadindo territórios de outros grupos, convivendo entre si ou em conflito, aprendendo e ensinando aos grupos com os quais estabeleceram alguma comunicação e submetendo-se ou sendo submetidos pelos habitantes com quem entraram em contato. Esse é apenas um pequeno esboço do que ocorreu nesse processo de transmissão e absorção de novas formas revolucionárias de viver.
A grande revolução agrícola (que foi, em essência, a síntese de centenas de revoluções localizadas no tempo e no espaço e marcadas pela diversidade de ações e resultados) foi aquela que alterou de fato e profundamente toda a humanidade. Mas ela continua até hoje, uma vez que as transformações que ocorrem na produção de alimentos não estacionaram e mantêm um processo de mudança contínuo. Entretanto, existem ainda formas de organização social, como a de alguns poucos povos caçadores e coletores, que utilizam a agricultura e a domesticação de animais à moda antiga.


A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL


O que se chama de Revolução Industrial na Europa nos séculos XVIII e XIX não é uma revolução puramente industrial, nem começou repentinamente nesses séculos. Foi um processo lento de transformação que se desenvolveu desde o século XV e atingiu grandes setores da produção, como o mineiro, o metalúrgico e o têxtil.
A expansão da produção nesses setores envolveu a invenção de novas técnicas e máquinas, além de uma estrutura (a fábrica) que permitisse a concentração de equipamentos e trabalhadores num só lugar.
Situadas quase sempre nas cidades, as fábricas requeriam muita mão de obra. Atraindo as pessoas que deixavam o campo em busca de trabalho, as cidades cresceram vertiginosamente. Transformava-se, assim, a forma de produzir bens e serviços, alterando as formas de viver e revolucionando as relações sociais. Mas isso não aconteceu de maneira uniforme no mundo todo. Para que se tenha ideia da multiplicidade das mudanças trazidas pela urbanização e pela industrialização, a Inglaterra conheceu esses fenômenos típicos da modernidade em torno de 1860; o Brasil, por volta da década de 1930; a China, a partir do final do século XX.
A Revolução Industrial começou no setor têxtil, na produção da lã e do algodão, com o uso das máquinas de fiar conhecidas como Spinning Jenny (1764) e Spinning Mule (1789), inventadas, respectivamente, por James Hargreaves e Samuel Crompton. Nessa época, a produção era feita manualmente, com rocas de baixíssimo rendimento.
Pode-se dizer que, paralelamente à Revolução Industrial, houve na Europa uma segunda revolução agrícola. Ela teve início com a mudança na estrutura da propriedade rural, quando os proprietários de terras se juntaram a ricos comerciantes das cidades interessados em investir na agricultura e promoveram a introdução de novas técnicas de cultivo, entre as quais a rotação de culturas sem pousio (parcela de terras em repouso), de forma a retirar o máximo proveito das terras; a drenagem de terras pantanosas; o abate de florestas; e a ocupação de terras comunais.
No intuito de melhorar a produção, promoveram a seleção das espécies mais produtivas, de sementes e o apuramento dos melhores rebanhos. Além disso, foram introduzidas máquinas e houve melhora nos transportes no espaço agrário. Isso permitiu relativa abundância em produtos agrícolas essenciais (carne, leite e derivados, legumes, tubérculos, cereais etc.), que juntamente com a indústria extrativa do sal, indispensável para a conservação dos alimentos, propiciou a melhoria gradual na dieta alimentar.
Essas mudanças e a diminuição crescente da mortalidade propiciaram o que se pode chamar de revolução demográfica. Para se ter uma ideia, na Inglaterra, onde a Revolução teve início, a população em 1750 era de 6,5 milhões; em 1801 passou a 16,3 milhões e, em 1851, somava 27,5 milhões. Isso exigiu um aumento da produção e de matérias-primas vegetais e animais (transformadas nas fábricas).
No século XIX, outras transformações ocorreram em face da emergência de novas fontes energéticas (eletricidade e petróleo) e de novos ramos industriais, o que resultou em alteração profunda nos processos produtivos, com a introdução de novas máquinas e equipamentos. Todas essas transformações propiciaram mudanças nas comunicações (telégrafo e telefone), nos meios de transporte (navio e trem a vapor, automóvel) e também em todas as esferas da vida (familiar, educacional, jurídica, governamental etc.). Além disso, provocaram o surgimento de inovações na arte, na literatura e nas ciências.


AS REVOLUÇÕES CONTEMPORÂNEAS


Há uma grande transformação em curso nas sociedades humanas. Os grandes artífices dessas mudanças cada vez mais radicais são as inovações tecnológicas e os resultados alcançados pela evolução dos processos científicos. É difícil demarcar espaços que estejam imunes a essa era de revoluções múltiplas e de largo alcance: de algum modo, todas as culturas estão imersas nessa nova fase da aldeia global, em que tudo e todos parecem estar condenados à interconexão e às novas realidades na microeletrônica, na genética de laboratório e na nanotecnologia, para citar apenas alguns dos “admiráveis mundos novos”.
A microeletrônica revolucionou a escala produtiva de bens e serviços mediante o desenvolvimento de sistemas computacionais. Provocou uma mudança significativa também nos meios de comunicação. O uso de celulares, smartphones, computadores pessoais e portáteis, tablets e outros tantos equipamentos está alterando a forma de as pessoas e organizações públicas e privadas se comunicarem e se estruturarem.
Novos componentes eletrônicos produzidos com base na nanotecnologia poderão revolucionar o que hoje conhecemos por computação, permitindo a produção de computadores pessoais com muitos processadores, extremamente rápidos e com enorme capacidade de armazenamento. No futuro, os nanoprocessadores provavelmente estarão presentes na maioria dos objetos que utilizaremos. Por meio da microeletrônica e da nanotecnologia, o nível de desenvolvimento da bioengenharia (ou engenharia genética) beirará a ficção científica. A manipulação genética, com o aprofundamento do conhecimento do DNA humano, de plantas e animais, será ampliada.
As pesquisas mais divulgadas nessa área se referem às possibilidades de intervenção no campo da Medicina, como as vinculadas à utilização de células-tronco, à produção de vacinas e medicamentos específicos, à produção sintética de elementos essenciais à saúde humana (como a insulina e a albumina), à análise genética das doenças e à consequente terapia gênica, aos transplantes, ao mapeamento genético dos indivíduos, à formação de bancos de genoma de espécies em extinção, à recuperação de DNA de espécies extintas e até à clonagem de animais.
Essas transformações podem gerar, entretanto, novos desafios e suscitar questões atreladas, por exemplo, à privacidade dos indivíduos, ao acesso desigual à tecnologia, aos riscos ambientais (aos seres vivos, incluindo os humanos), às relações sociais e de trabalho, às mudanças de valores e normas sociais e, principalmente, às possibilidades de maior liberdade e igualdade ou maior opressão/controle, além de maior ou menor desigualdade social.
A Sociologia, que, como vimos, nasceu na Europa no contexto de grandes transformações, propõe debates sobre essas novas tecnologias e as mudanças sociais provocadas pelo uso delas. São necessários novos olhares, novos conceitos e teorias para dar conta desses elementos que estão afetando a vida humana em todos os sentidos.
A utilização de novos saberes e tecnologias alterará a pesquisa em todas as ciências, permitindo mais aprofundamento, através de novos equipamentos, com modificações sensíveis nos modos de conhecer o mundo.
A aplicação e o desenvolvimento científicos exercerão impacto na maioria das indústrias existentes, em áreas como as de sistemas de construção, transportes, comunicações, maquinário agrícola, e, é claro, na prestação de serviços.
Será possível fabricar materiais cem vezes mais resistentes que o aço, carros cuja lataria não estará sujeita a riscos, espelhos antiofuscantes, aviões mais leves, jornais eletrônicos de plástico semelhante ao papel, tintas que mudam de cor etc. No cotidiano, roupas que não amassam ou que não cheiram mesmo depois de absorver muito suor poderão ser compradas em supermercados; do mesmo modo, tecidos que controlam a temperatura do corpo, adaptando-o confortavelmente à temperatura do ar, serão vendidos a preços acessíveis em toda parte, ao lado de vestimentas que auxiliam no emagrecimento e em diversas atividades orientadas por médicos e profissionais de saúde e esporte. O futuro, então, logo trará roupas impermeáveis, inodoras e que não mancham, as chamadas roupas interativas. Esses são exemplos simples do que já existe, mas ainda não em escala industrial para consumo massivo.
A presença de robôs no processo produtivo já é uma realidade insofismável e pode-se prever que em pouco tempo eles farão serviços domésticos e outras várias atividades que hoje são desenvolvidas por pessoas de carne, osso e alma. Veículos autônomos, ou os automóveis que andam sozinhos, estão sendo desenvolvidos e alguns já são utilizados para a alegria e o espanto de muita gente.
Na área ambiental, a revolução tecnológica poderá ocorrer em muitos campos. Ganharão muita visibilidade o uso de materiais alternativos e a utilização do que hoje chamamos de resíduos industriais ou domésticos na fabricação de mercadorias. Todos esses resíduos, que hoje são descartados, inclusive os chamados não recicláveis, podem passar a ser matérias-primas para diferentes setores da economia. A máxima de Lavoisier (1743-1794) seria então plenamente consagrada: Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma.
Nem tudo são flores, entretanto. Acesso desigual aos frutos dessas mudanças; prejuízos ao meio ambiente (riscos aos seres vivos, incluindo os humanos), às relações sociais e de trabalho, aos valores e normas sociais e, principalmente, às possibilidades de maior liberdade e igualdade ou mais opressão e controle, além de maiores ou menores desigualdades sociais. Um conjunto de situações novas para as quais ainda não se tem respostas pode surgir da expansão tecnológica e do desenvolvimento da ciência. Assim como a energia atômica trouxe benefícios extraordinários e malefícios estarrecedores à humanidade, novas tecnologias e inovadores processos científicos poderão trazer grandes soluções e reviravoltas nas formas de ser e de viver, bem como enormes e imprevisíveis prejuízos e destruições.


BREVE CONCLUSÃO


As revoluções do passado e do presente se estenderão ainda por muito tempo, uma vez que são expressões da atividade humana, a qual transforma o meio e é por ele transformada. Não há transformações que não retenham algo do passado e, ao mesmo tempo, delineiem alguns traços do futuro, pois as mudanças, por mais radicais que sejam, sempre conservam algo. Além disso elas não ocorrem em todos os lugares nem atingem a todos da mesma forma, deixando abertas as portas da história. Essa imprevisibilidade da ação humana, calcada no tempo anterior e orientada para os dias posteriores, dá graça e mistério à existência, tornando a vida em sociedade um desafio de conquistas fabulosas e um palco de derrotas lampejantes.

REFERENCIAL TEÓRICO


ALMOND, M.; BATISTA, G. O livro de ouro das Revoluções. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2018.


TOMAZI, N. D.; ROSSI, M. A. Sociologia para o ensino médio. Vol. Único. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016.


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