RESUMO 

O presente artigo tem por finalidade discorrer sobre a incidência ou não do Imposto sobre transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens e direitos nas movimentações financeiras entre cônjuges em cada regime de bens previsto no Código Civil brasileiro. Ao se entender a movimentação financeira entre cônjuges como sendo uma típica modalidade de doação pura e simples (sem ônus ou encargo), concebe-se a hipótese de surgimento, para o Estado, de interpretação da norma tributária no sentido da ocorrência do fato gerador do referido imposto, fazendo nascer para o fisco o crédito tributário. No entanto, o regime de bens mais comumente verificado no Brasil (que é o de comunhão parcial), há importantíssima questão sobre a incidência ou não do imposto, já que o parte do patrimônio do casal é comum, de sorte que não é possível uma pessoa doar em favor de si bem que já lhe pertence, o que afastaria a hipótese de incidência da norma tributária. O presente artigo, assim, discorre sobre os principais regimes de bens existentes no Brasil, a gênese do crédito tributário que é justamente o fato gerador e se a doação entre cônjuges consistente ou não hipótese de incidência do ITCMD. Palavras-chave: Doação, cônjuge, fato gerador, regime de bens.

INTRODUÇÃO 

O sistema tributário é um conjunto de regras e princípios que tem por finalidade estabelecer como se desenvolverá a atividade, vinculada, arrecadatória do Estado. No caso brasileiro, esse sistema está primordialmente desenhado na Constituição da República, a qual, as vezes até reputada por prolixa, estabelece competências e capacidades tributárias, quais são os tributos existentes na federação, dentre outras diversas regras atinentes à própria atividade de cobrança pelo fisco. Trata-se, portanto, de um rígido sistema tributário que serve, a um só tempo, ao princípio da legalidade tributária, ou seja, a impossibilidade de criação ou majoração de impostos senão por meio de Lei e ao princípio da indisponibilidade do interesse público, na medida em que se compreende que a consecução tanto do interesse público primário (serviços essenciais) quanto o secundário (funcionalismo público) depende da arrecadação de tributos para se efetivar. Por se tratar de uma prestação pecuniária compulsória, ou seja, obrigatória a todos que se enquadrem na condição de sujeito passivo da obrigação tributária, o princípio da legalidade ganha relevo de destaque, haja vista que no Estado Democrático de Direito, o próprio Estado deve ser o primeiro a se sujeitar à Constituição e às normas infraconstitucionais, daí porque se dizer que, muito embora seja prestação pecuniária compulsória, a atividade arrecadatória é vinculada. À guisa disso, o presente trabalho analisará a incidência ou não do Imposto sobre transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens e direitos nas movimentações financeiras entre cônjuges, especialmente entre casais cujo regime de bens aponte para patrimônio comum, total ou parcialmente. Perpassando, inicialmente, por uma breve exposição acerca dos principais regimes de bens, analisa-se, de seguinte o conceito da literatura jurídica e mesmo o conceito legal de tributo, a obrigação tributária e, em especial, o ICMD, para ao final apontar a possibilidade jurídica de não incidência do referido imposto em operações financeiras entre cônjuges.  

1 REGIME DE BENS ENTRE OS CÔNJUGES 

Inicialmente, far-se-á necessário tratar da conceituação do termo “regime de bens”, aduzindo que, trata-se do estatuto patrimonial que disciplina os interesses do casamento, onde os nubentes, em regra, possuem a liberdade de escolher qual será o regime que melhor enquadra-se na relação. Carlos Roberto Gonçalves, leciona que: Regime de bens é o conjunto de regras que disciplina as relações econômicas dos cônjuges, quer entre si, quer no tocante a terceiros, durante o casamento. Regula especialmente o domínio e a administração de ambos ou de cada um sobre os bens anteriores e os adquiridos na constância da união conjugal. (GONÇALVES, 2014). O estatuto patrimonial do casamento, definido como regime de bens, levando em conta os efeitos econômicos patrimoniais do casamento e a existência de interesses entre os cônjuges e terceiros, vai disciplinar as regras aplicáveis e os interesses econômicos, ativos e sociais, disciplinando as relações patrimoniais entre os mesmos. Conforme se depreende do texto do artigo 1.639 do Código Civil, os nubentes podem fazer a escolha do regime de bens através do pacto antenupcial, no qual a escolha do regime vai, a partir da celebração do casamento até sua dissolução. No parágrafo 2º, o Código Civil admite a possibilidade de mudança do regime de bens no decurso do casamento, desde que não cause prejuízos à terceiros. Art. 1.639. É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver. § 1o O regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento. § 2o É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros. (BRASIL, 2002). O artigo 1.640 do códex aduz que o regime legal de bens do casamento é o da comunhão parcial de bens quando não há convenção ou a mesma for nula ou eficaz. Art. 1.640. Não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial. 8 Parágrafo único. Poderão os nubentes, no processo de habilitação, optar por qualquer dos regimes que este código regula. Quanto à forma, reduzir-se-á a termo a opção pela comunhão parcial, fazendo-se o pacto antenupcial por escritura pública, nas demais escolhas. (BRASIL, 2002). Tendo em vista a possibilidade de escolha do estatuto patrimonial, os regimes de bens estipulados pelo Código Civil de 2002, nos artigos 1.658 e seguintes, são: comunhão parcial de bens, comunhão universal de bens, participação final nos aquestos, separação obrigatória de bens (separação legal) e separação convencional de bens (absoluta). Os regimes de bens estipulados pelo Código Civil de 2002, estabelecem as obrigações entre os cônjuges e disciplinam a situação patrimonial tanto na vigência do casamento quanto no momento da sua dissolução, por isso é uma etapa importante a ser definida pelos nubentes, tendo em vista o impacto que a escolha do regime trará nas futuras relações patrimoniais.

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