MORTE PRESUMIDA E A EXTINÇÃO DA PERSONALIDADE DA PESSOA FÍSICA: ANÁLISE JURÍDICA E IMPLICAÇÕES SOCIAIS

Por RAIMUNDO RODRIGUES DE ARAÚJO FILHO | 22/07/2025 | Direito

MORTE PRESUMIDA E A EXTINÇÃO DA PERSONALIDADE DA PESSOA FÍSICA: ANÁLISE JURÍDICA E IMPLICAÇÕES SOCIAIS

 

Raimundo Rodrigues de Araújo Filho[1]

 

RESUMO

O presente artigo analisa a morte presumida como causa de extinção da personalidade jurídica da pessoa física no ordenamento brasileiro, conforme disposto no Código Civil. Parte-se da concepção de que a personalidade civil do indivíduo inicia-se com o nascimento com vida e extingue-se com a morte, sendo esta presumida quando há desaparecimento sem notícias por longo período, ou diante de situações excepcionais como catástrofes. A pesquisa objetiva compreender os efeitos jurídicos e sociais da declaração de morte presumida, bem como as implicações sobre direitos patrimoniais, sucessórios, previdenciários e familiares. A fundamentação baseia-se em doutrina especializada, jurisprudência atualizada e julgados relevantes. Com base na análise teórica e prática, observa-se que o instituto, embora necessário, ainda suscita inseguranças jurídicas, principalmente nos casos de reaparecimento do ausente. Conclui-se que a legislação brasileira busca equilibrar a segurança jurídica e os direitos dos envolvidos, mas exige constante reflexão e aperfeiçoamento.

Palavras-chave: Morte presumida; Personalidade jurídica; Código Civil; Direito Sucessório; Implicações sociais.

 

ABSTRACT

This article analyzes presumed death as a cause for extinguishing an individual's legal personality in Brazilian law, as outlined in the Civil Code. It begins with the concept that civil personality begins at birth and ends with death, which may be presumed when a person disappears without news for a long time or in exceptional situations such as disasters. The study aims to understand the legal and social effects of presumed death declarations, especially regarding patrimonial, succession, social security, and family rights. The theoretical basis includes specialized doctrine, up-to-date jurisprudence, and relevant case law. The analysis shows that while the presumed death doctrine is necessary, it still poses legal uncertainties, particularly when the absent person reappears. The article concludes that Brazilian law seeks to balance legal certainty with the rights of all parties involved, though it requires ongoing reflection and refinement.

Keywords: Presumed death; Legal personality; Civil Code; Succession Law; Social implications.

 

INTRODUÇÃO

A personalidade jurídica da pessoa física no Brasil tem seu marco inicial no nascimento com vida, conforme o artigo 2º do Código Civil. Sua extinção, por sua vez, dá-se com a morte, fenômeno que, em regra, depende de constatação empírica.

Contudo, o ordenamento jurídico admite a possibilidade de se presumir a morte de alguém quando há ausência prolongada e sem notícias ou quando o desaparecimento ocorre em contexto de risco de vida extremo.

Tal presunção visa resguardar os direitos dos interessados e regularizar situações jurídicas indefinidas, como herança, dissolução do casamento e acesso a benefícios previdenciários.

Apesar de tratar-se de uma ficção legal, a morte presumida tem efeitos concretos e profundos na vida dos indivíduos e da coletividade, sendo essencial compreender sua aplicação legal, os critérios exigidos, as consequências jurídicas decorrentes e os desafios práticos que emergem quando, eventualmente, o ausente retorna ao convívio social.

A continuidade jurídica e patrimonial da sociedade depende de instrumentos que permitam o encerramento de situações indefinidas, como o desaparecimento prolongado de uma pessoa.

Assim, a morte presumida surge como mecanismo necessário à estabilidade das relações sociais e jurídicas. Entretanto, esse instituto jurídico não está isento de controvérsias, pois envolve questões delicadas relacionadas à identidade, ao patrimônio e às emoções dos envolvidos.

O desaparecimento de alguém próximo traz impactos emocionais e práticos aos familiares, os quais precisam recorrer ao Judiciário para dar continuidade à vida civil. Este contexto exige análise detalhada da norma legal, das condições para a declaração da morte presumida e dos efeitos jurídicos dela decorrentes, como partilha de bens e anulação de matrimônio.

A legislação brasileira prevê a possibilidade de declaração de morte presumida sem decretação prévia de ausência nos casos excepcionais, conforme art. 7º do Código Civil.

Por outro lado, o artigo 6º regula a extinção da personalidade com a morte, sendo esta presumida apenas nas hipóteses legais. Essas disposições revelam um equilíbrio entre o princípio da continuidade das relações jurídicas e a proteção da pessoa desaparecida, que pode eventualmente estar viva.

A análise da jurisprudência demonstra que os tribunais têm adotado diferentes interpretações sobre a aplicação desses artigos, revelando divergências práticas que demandam uniformização de entendimentos e maior segurança jurídica para os jurisdicionados.

Além do viés jurídico, a morte presumida possui relevante dimensão social. Famílias de desaparecidos enfrentam inúmeras dificuldades emocionais, financeiras e administrativas. A inexistência de certidão de óbito impossibilita o acesso a pensões, heranças e outros direitos.

A morosidade dos processos judiciais para declaração de morte presumida agrava a situação dessas famílias. Portanto, discutir esse instituto é também refletir sobre políticas públicas e procedimentos judiciais que garantam celeridade, respeito aos direitos humanos e à dignidade da pessoa humana. A atuação do Ministério Público e da Defensoria Pública é fundamental nesses processos, especialmente quando há interesse de incapazes ou vulneráveis.

A doutrina civilista brasileira aborda o tema com riqueza de detalhes, destacando sua natureza jurídica, os requisitos legais e os efeitos jurídicos. Autores como Carlos Roberto Gonçalves, Maria Helena Diniz e Pablo Stolze Gagliano discutem amplamente as implicações da morte presumida no Direito Civil e sucessório.

Por outro lado, decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e tribunais estaduais evidenciam a complexidade prática da matéria. Esse conjunto teórico e prático fornece base sólida para a presente pesquisa, que visa analisar criticamente o instituto da morte presumida e suas consequências na extinção da personalidade jurídica da pessoa física.

Por fim, importa destacar que a morte presumida se insere no contexto das garantias constitucionais, como o direito à vida, à dignidade, à propriedade e à proteção da família. Sua aplicação deve observar o devido processo legal e os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito. Ao estudar esse instituto, busca-se também contribuir para a reflexão sobre o papel do Direito na regulamentação de situações-limite da vida humana, equilibrando segurança jurídica e sensibilidade social. Essa análise demanda abordagem multidisciplinar e cuidadosa, integrando aspectos jurídicos, sociais, psicológicos e éticos, o que reforça a relevância e atualidade do presente estudo.

 

PROBLEMA

 

A morte presumida é um instituto necessário para estabilizar relações jurídicas interrompidas pelo desaparecimento de uma pessoa. Entretanto, levanta uma série de problemáticas jurídicas e sociais.

A primeira delas é a insegurança jurídica decorrente da possibilidade de reaparecimento do ausente, o que gera conflitos patrimoniais, sucessórios e familiares.

Outra questão é a demora e a burocracia nos trâmites judiciais para a declaração da morte presumida, que deixam familiares desamparados por longos períodos. Ainda há o problema da insuficiência de políticas públicas voltadas à assistência dessas famílias.

Como conciliar a necessidade de declarar a morte presumida com os direitos do desaparecido? Como resguardar o patrimônio dos envolvidos sem violar princípios como o da dignidade da pessoa humana e do devido processo legal? Essas indagações revelam a importância de analisar o tema sob múltiplas perspectivas, a fim de compreender a eficácia do instituto e suas implicações sociais.

 


 

 

JUSTIFICATIVA

 

O estudo da morte presumida justifica-se pela sua importância prática e jurídica na vida de milhares de brasileiros cujos entes desaparecem, deixando questões patrimoniais, afetivas e jurídicas em aberto.

Ao tratar da extinção da personalidade da pessoa física por meio de ficção legal, o instituto exige reflexão crítica sobre seus limites, aplicações e efeitos.

O desaparecimento de pessoas em contextos de catástrofes, crimes ou conflitos civis é um fenômeno crescente, exigindo resposta do ordenamento jurídico. Além disso, o tema possui interface com diversas áreas do Direito — Civil, Sucessório, Previdenciário e de Família —, bem como com o Direito Internacional dos Direitos Humanos, quando o desaparecimento está ligado a violações sistemáticas.

O presente artigo visa não apenas aprofundar a análise normativa, mas também discutir medidas que promovam mais celeridade, proteção e justiça a todos os envolvidos no processo de declaração de morte presumida, especialmente os familiares.

A abordagem também se mostra relevante diante da crescente judicialização de casos envolvendo morte presumida, especialmente em contextos de desaparecimentos forçados, conflitos armados, desastres ambientais e acidentes em locais de difícil resgate.

A doutrina ainda carece de consenso sobre aspectos práticos, como os limites da retroatividade dos efeitos da declaração, a restituição dos bens no caso de reaparecimento e a responsabilização do Estado em hipóteses específicas.

Além disso, a jurisprudência apresenta posicionamentos variados, o que acentua a necessidade de uniformização interpretativa.

Este trabalho, portanto, propõe-se a preencher essa lacuna, oferecendo uma análise sistematizada que contemple aspectos legais, jurisprudenciais e sociais, contribuindo para o aprimoramento da aplicação do instituto na prática forense.

 


 

 

OBJETIVOS

 

Objetivo Geral:

 

Analisar juridicamente o instituto da morte presumida como causa de extinção da personalidade da pessoa física, à luz do Código Civil Brasileiro, doutrina especializada, jurisprudência e julgados, bem como suas implicações sociais e práticas.

 

Objetivos Específicos:

 

ü  Examinar os dispositivos legais que regulam a morte presumida e a extinção da personalidade no ordenamento jurídico brasileiro.

ü  Identificar os requisitos e procedimentos judiciais necessários para a declaração de morte presumida.

ü  Avaliar os efeitos patrimoniais, sucessórios, previdenciários e familiares decorrentes da morte presumida.

ü  Investigar o tratamento jurisprudencial conferido pelos tribunais brasileiros em casos concretos de morte presumida.

ü  Apontar as principais dificuldades enfrentadas pelas famílias de pessoas desaparecidas e sugerir soluções jurídicas e sociais.

ü  Propor melhorias legislativas e procedimentais que garantam maior segurança jurídica e dignidade aos envolvidos.

 

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

 

1. A Personalidade Jurídica no Direito Civil Brasileiro

 

A personalidade jurídica da pessoa natural é o atributo conferido pelo ordenamento jurídico que habilita o indivíduo a ser sujeito de direitos e deveres. Segundo o art. 1º do Código Civil, "toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil", e, conforme o art. 2º, "a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida". A morte extingue essa personalidade, conforme o art. 6º, encerrando a aptidão para titularidade de direitos e obrigações.

O marco final da personalidade, no entanto, pode ser de difícil verificação em alguns casos, como nos desaparecimentos sem vestígios. Nesses casos, o Direito recorre à ficção legal da morte presumida para resolver os impasses gerados pela incerteza sobre a vida do indivíduo. Trata-se de uma exceção que confirma a regra: embora a morte deva ser constatada materialmente, admite-se sua presunção para que as relações jurídicas e sociais possam continuar com segurança e estabilidade.

 

2. Morte Presumida: Conceito e Natureza Jurídica

 

A morte presumida é uma ficção jurídica que permite a extinção da personalidade civil diante da impossibilidade de comprovação material do óbito. Prevista nos arts. 6º e 7º do Código Civil, ela se justifica pela necessidade de resguardar os direitos dos interessados e pela impossibilidade de manter indefinidamente suspensas as relações jurídicas da pessoa desaparecida. Juridicamente, é um ato declaratório com efeitos constitutivos, pois altera a situação jurídica dos envolvidos a partir da decisão judicial. Sua natureza híbrida, portanto, conjuga elementos de declaração e constituição.

A doutrina majoritária, representada por autores como Silvio de Salvo Venosa e Carlos Roberto Gonçalves, aponta que a morte presumida não se confunde com a ausência, embora possam estar correlacionadas. Enquanto a ausência trata da situação do desaparecido sem certeza da morte, a morte presumida decorre da conclusão judicial, fundamentada nos requisitos legais, de que a pessoa deve ser tida como morta para fins legais.

 

3. Requisitos Legais da Morte Presumida com e sem Declaração de Ausência

 

A legislação brasileira prevê duas hipóteses para a declaração de morte presumida: com prévia declaração de ausência (arts. 22 e 23 do Código Civil) e sem necessidade dessa declaração (art. 7º). Na primeira hipótese, deve-se observar o procedimento do Livro IV da Parte Geral do Código Civil, em que há a nomeação de curador, abertura de sucessão provisória e, após dez anos, abertura da sucessão definitiva. Já a segunda hipótese aplica-se quando o desaparecimento ocorre em circunstâncias extremas, como naufrágios, guerras ou catástrofes, sendo dispensada a decretação prévia de ausência.

Nessa situação, a morte presumida pode ser declarada após seis meses de busca ou investigação, mediante requerimento dos interessados. A jurisprudência brasileira tem ampliado a aplicação do art. 7º em casos contemporâneos, como desaparecimentos em regiões de conflito urbano, tragédias naturais e até crimes hediondos, reconhecendo a necessidade de adaptar o texto legal à realidade social e fática do país.

 

4. Procedimento Judicial da Morte Presumida


O processo para declaração de morte presumida segue o rito especial previsto nos arts. 744 a 746 do Código de Processo Civil. A petição inicial pode ser proposta por interessados legítimos, como cônjuges, companheiros, herdeiros, credores ou o Ministério Público, nos casos em que houver interesse de incapazes.

O juiz avaliará a existência de provas do desaparecimento e da ausência de notícias. Quando se tratar de morte presumida sem prévia declaração de ausência (art. 7º do Código Civil), é necessário comprovar a extrema probabilidade do óbito e a realização de diligências infrutíferas. Se declarada a morte, o juiz expedirá mandado para lavratura do assento no Registro Civil.

Trata-se de decisão que produz efeitos jurídicos amplos, especialmente sobre a partilha de bens, dissolução de matrimônio e liberação de pensões. O processo demanda prudência e ampla instrução probatória, pois seus efeitos são potencialmente irreversíveis, especialmente em caso de reaparecimento do desaparecido.

 

5. Efeitos Patrimoniais da Morte Presumida

 

A declaração de morte presumida produz efeitos significativos sobre o patrimônio do declarado morto. A abertura da sucessão definitiva permite a transferência dos bens aos herdeiros legítimos e testamentários, conforme as regras do Código Civil.

O espólio é partilhado e os sucessores assumem a titularidade dos bens, como se o falecido tivesse morrido efetivamente. No entanto, o art. 39 do Código Civil estabelece que, em caso de reaparecimento do ausente, este poderá reaver os bens ainda existentes e o valor dos alienados, se não houver má-fé dos herdeiros.

Essa disposição visa proteger o direito de propriedade do reaparecido, preservando o equilíbrio entre a segurança jurídica dos sucessores e os direitos do titular originário.

A jurisprudência do STJ tem reforçado a necessidade de cautela nas decisões que envolvem morte presumida, justamente para evitar prejuízos irreparáveis ao patrimônio e aos interesses do próprio desaparecido, caso ele retorne após o trânsito em julgado da decisão.

 

6. Implicações Sucessórias e Direito de Família

 

A morte presumida implica o encerramento do vínculo matrimonial ou da união estável, permitindo ao cônjuge ou companheiro contrair novo matrimônio ou união. Esse efeito é importante para garantir a liberdade de constituir nova família e evitar a perpetuação de vínculos com pessoas desaparecidas.

Também se dá a abertura da sucessão, como já abordado, com partilha dos bens conforme a ordem legal ou disposição testamentária. No entanto, os efeitos do novo casamento são protegidos mesmo em caso de retorno do ausente, conforme prevê o art. 1.577 do Código Civil.

Essa proteção visa garantir a segurança das novas relações familiares constituídas de boa-fé. Em relação aos filhos, a morte presumida pode gerar efeitos sobre guarda, alimentos e direito à herança. A doutrina aponta que, embora necessária, a morte presumida deve ser aplicada com extrema cautela para não comprometer relações jurídicas futuras, principalmente diante da possibilidade de o declarado morto retornar.

 


 

 

7. Reaparecimento do Presumido Morto e Reversão dos Efeitos

 

O reaparecimento da pessoa cuja morte foi presumida provoca efeitos jurídicos complexos. O art. 39 do Código Civil garante ao reaparecido o direito de reaver os bens que ainda existam em poder dos sucessores ou o valor correspondente aos bens já alienados, desde que não haja má-fé.

Essa situação levanta discussões jurídicas importantes, como a proteção à boa-fé dos herdeiros, a responsabilidade pela restituição do patrimônio e a validade de atos praticados durante a ausência.

Os tribunais brasileiros, como o STJ, têm entendido que, em regra, os efeitos da morte presumida não são automaticamente anulados com o retorno do presumido morto, devendo haver ação própria para reversão dos atos.

A jurisprudência ainda impõe limites à restituição quando terceiros agiram com boa-fé. Esses conflitos mostram que a presunção de morte não extingue definitivamente os efeitos civis, o que exige análise ponderada do caso concreto para evitar injustiças e prejuízos irreparáveis.

 

8. A Morte Presumida e os Direitos Previdenciários

 

No âmbito previdenciário, a morte presumida também tem efeitos relevantes. A Lei n.º 8.213/1991 prevê que, nos casos de desaparecimento do segurado em decorrência de acidente, catástrofe ou desastre, poderá ser concedido benefício previdenciário mediante declaração judicial de morte presumida.

O art. 78 da referida lei permite o recebimento de pensão por morte aos dependentes, desde que comprovadas as circunstâncias e o nexo com o evento que ocasionou o desaparecimento.

Há discussões doutrinárias e jurisprudenciais sobre a necessidade ou não de ação judicial para o reconhecimento da morte presumida na esfera previdenciária.

O entendimento majoritário é que a sentença judicial garante maior segurança jurídica. O INSS, em muitos casos, exige essa declaração como condição para liberação de benefícios.

Assim, o cruzamento entre o Direito Civil e o Direito Previdenciário reforça a complexidade do tema e evidencia a importância da atuação judicial célere e eficaz para garantir a subsistência dos dependentes.

 

9. Aspectos Históricos do Instituto da Morte Presumida

 

Historicamente, o instituto da morte presumida remonta ao Direito Romano, que já previa formas de proteger os interesses patrimoniais dos herdeiros diante do desaparecimento de alguém.

No Brasil, o Código Civil de 1916 já tratava da morte presumida no contexto da ausência prolongada. Com o advento do Código Civil de 2002, houve uma reorganização das hipóteses e requisitos, estabelecendo com maior precisão as condições para a declaração.

O art. 7º, por exemplo, passou a prever a possibilidade de declaração sem prévia decretação de ausência, em caso de desaparecimento em circunstâncias extremas.

A evolução legislativa demonstra o esforço em adaptar o instituto à realidade social e às novas formas de desaparecimento, como em acidentes aéreos, catástrofes naturais e conflitos urbanos.

A doutrina contemporânea, como Silvio Venosa e Pablo Stolze, reconhece essa evolução como necessária para dar resposta jurídica adequada a fenômenos sociais cada vez mais complexos.

 

10. A Proteção à Boa-fé nas Relações Jurídicas


Um dos pilares que sustentam o tratamento jurídico da morte presumida é o princípio da boa-fé objetiva. Os atos praticados pelos herdeiros, cônjuges e terceiros de boa-fé devem ser protegidos, mesmo no caso de retorno do ausente.

Esse princípio orienta diversas decisões judiciais, que mantêm válidos atos como casamentos, vendas de bens e nomeações de representantes legais durante o período em que se acreditava na morte do presumido.

O Código Civil, no art. 231, também garante a proteção dos negócios jurídicos realizados com base na aparência de legitimidade, reforçando a ideia de segurança jurídica.

A boa-fé atua, portanto, como critério de justiça e equilíbrio, evitando que a ausência de dolo ou culpa acarrete prejuízos indevidos. Assim, o reaparecido não tem direito absoluto de anular atos válidos e praticados de boa-fé, sendo necessária ponderação entre direitos em conflito. A jurisprudência nacional tem consolidado essa interpretação em diversos julgados.

 

11. A Morte Presumida e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana


A dignidade da pessoa humana, fundamento da República (art. 1º, III da Constituição Federal), deve ser o princípio orientador de qualquer análise sobre a morte presumida. O desaparecido continua sendo sujeito de direitos até a declaração judicial de sua morte. Assim, o procedimento deve respeitar garantias como o contraditório, ampla defesa e proteção de sua imagem e nome. Nos casos em que o desaparecido retorna, é necessário garantir sua reintegração social, jurídica e psicológica. A sociedade e o Estado têm o dever de assegurar a recuperação de sua identidade e patrimônio, evitando constrangimentos e prejuízos. A declaração de morte presumida, embora necessária, não pode ser banalizada. É indispensável adotar critérios rigorosos, investigações diligentes e respeito aos direitos da personalidade. A doutrina enfatiza que a dignidade do ser humano não se extingue com o desaparecimento físico e, portanto, deve continuar sendo resguardada pelo ordenamento jurídico em todas as suas dimensões.

 

 

12. Morte Presumida em Casos de Desastres e Tragédias Coletivas


Em eventos como desastres naturais, acidentes aéreos, enchentes, incêndios de grandes proporções ou rompimento de barragens, o desaparecimento de pessoas pode ocorrer em massa e em situações de extremo risco. Nesses casos, a morte presumida torna-se fundamental para que as famílias possam registrar o óbito dos desaparecidos e dar prosseguimento às suas vidas civis. O art. 7º do Código Civil autoriza a declaração de morte presumida mesmo sem a prévia decretação de ausência, desde que fique comprovado o desaparecimento em risco de morte e a realização de buscas ineficazes. A jurisprudência tem acolhido essa interpretação de forma ampliativa, reconhecendo o sofrimento dos familiares e a necessidade de garantir acesso a direitos previdenciários e sucessórios. O caso da tragédia de Brumadinho (MG), por exemplo, evidenciou a importância da morte presumida como instrumento jurídico de reparação e justiça diante da ausência de corpos e da dificuldade de identificação das vítimas.

 

13. Jurisprudência do STJ sobre Morte Presumida

 

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem se posicionado de forma consistente quanto à aplicação da morte presumida. Um exemplo é o REsp 1.337.550/MG, no qual se reconheceu a morte presumida de trabalhador desaparecido após desastre natural.

A Corte Superior enfatizou que, em situações excepcionais, a presunção de morte é compatível com os princípios constitucionais da dignidade e da proteção à família. Outro precedente relevante é o AgRg no REsp 1.412.651/DF, que trata da concessão de pensão por morte mediante prova do desaparecimento em circunstâncias fatais.

A jurisprudência tem caminhado no sentido de flexibilizar formalismos quando comprovada a plausibilidade do desaparecimento e a ausência de indícios de vida, reforçando o papel social do Judiciário na efetivação dos direitos das famílias.

Esses julgados mostram que o instituto da morte presumida está em constante evolução interpretativa, buscando se adaptar às necessidades concretas da sociedade.

 

14. A Atuação do Ministério Público e da Defensoria Pública

 

Nos processos de morte presumida, a participação do Ministério Público é obrigatória quando houver interesse de incapazes, conforme o art. 178, II, do Código de Processo Civil.

A atuação ministerial visa garantir que o procedimento seja conduzido com legalidade e que os direitos de todos os envolvidos sejam observados. Já a Defensoria Pública cumpre papel essencial na representação das famílias hipossuficientes, que muitas vezes não têm condições de arcar com os custos do processo.

A atuação conjunta dessas instituições é fundamental para assegurar o contraditório, a prova adequada e a proteção das garantias individuais e sociais.

Em casos de desaparecimentos coletivos, como em áreas de conflito armado ou tragédias, a mobilização do MP e da Defensoria é ainda mais relevante, tanto para requerer a declaração judicial quanto para defender os interesses de herdeiros, companheiros e filhos menores. Trata-se de instrumentos fundamentais de justiça social e cidadania.

 

15. Morte Presumida e o Direito Internacional dos Direitos Humanos

 

O desaparecimento forçado de pessoas, quando praticado sistematicamente por agentes estatais ou com sua aquiescência, constitui grave violação aos direitos humanos.

A Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas, da qual o Brasil é signatário, impõe aos Estados o dever de prevenir, investigar e reparar tais violações.

No âmbito do Direito Internacional dos Direitos Humanos, a morte presumida é reconhecida como medida excepcional e subsidiária. O Estado deve adotar todos os meios possíveis para encontrar o desaparecido antes de presumir seu óbito.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos já reconheceu que a morte presumida, em certos contextos, pode ser utilizada como instrumento de reparação simbólica e material, mas não isenta o Estado de suas obrigações investigativas.

No Brasil, essa perspectiva ainda é incipiente, mas tem ganhado relevância nos casos envolvendo desaparecidos políticos e vítimas de violência institucional. O reconhecimento judicial deve sempre respeitar as normas internacionais de proteção à vida e à verdade.

 

16. Impactos Psicológicos e Emocionais da Declaração de Morte Presumida

 

A declaração de morte presumida possui impacto jurídico relevante, mas também gera profundos efeitos psicológicos e emocionais nas famílias. A ausência de corpo e de despedida dificulta o processo de luto e pode prolongar o sofrimento dos entes queridos.

O momento da declaração judicial é, ao mesmo tempo, um alívio e uma dor: permite o encerramento de pendências civis, mas oficializa a perda de alguém cuja morte não foi comprovada. Muitos familiares relatam angústia e culpa por reconhecer juridicamente a morte sem certeza absoluta.

O acompanhamento psicológico, a escuta ativa dos envolvidos e o respeito aos ritos culturais e religiosos são elementos fundamentais para humanizar o procedimento.

O Direito, ao lidar com situações tão sensíveis, deve considerar não apenas a norma fria, mas os sentimentos, a memória e a dignidade dos envolvidos. Integrar o conhecimento jurídico ao saber psicológico é essencial para uma abordagem mais justa e eficaz.

 

17. Diferenças entre Morte Presumida, Ausência e Morte Real

 

No Direito Civil brasileiro, há distinção clara entre morte real, morte presumida e ausência. A morte real é constatada por meio de laudo médico ou certidão de óbito, sendo o modo tradicional de extinção da personalidade.

A ausência ocorre quando a pessoa desaparece sem deixar notícias, dando início a uma sucessão processual: curadoria, sucessão provisória e, por fim, a definitiva.

Já a morte presumida permite a declaração direta da morte, mesmo sem cadáver, quando o desaparecimento ocorre em risco de vida ou quando há ausência de notícias após longas diligências.

A doutrina e a jurisprudência reafirmam essas distinções, pois cada instituto possui requisitos e efeitos próprios. Confundir essas figuras pode gerar nulidades processuais e injustiças.

Por isso, é imprescindível que o operador do Direito compreenda as diferenças substanciais e processe corretamente cada tipo de situação. A precisão conceitual é condição para a segurança jurídica e efetividade das decisões.

 

18. Desafios Práticos na Declaração de Morte Presumida

 

Na prática forense, diversos obstáculos comprometem a efetividade da morte presumida. O principal é a morosidade do Judiciário, que pode levar anos para proferir a sentença, mesmo diante de fortes indícios da morte.

Outro desafio é a dificuldade de obtenção de provas, especialmente quando o desaparecimento ocorre em áreas remotas ou sem testemunhas. A burocracia excessiva, os custos processuais e a resistência dos órgãos públicos em reconhecer os efeitos da sentença também dificultam a vida dos familiares.

A falta de estrutura de delegacias especializadas em desaparecidos agrava o problema, impedindo investigações eficazes. Além disso, muitas famílias não têm acesso à informação jurídica e permanecem anos sem saber que podem requerer a declaração judicial.

O aprimoramento das políticas públicas, a especialização das varas cíveis e a capacitação dos magistrados são medidas urgentes para tornar esse instituto mais eficiente e acessível. O Direito precisa servir à vida e à dignidade, especialmente nos momentos de perda.

 

19. A Importância da Celeridade e da Sensibilidade Judicial

 

A celeridade processual, prevista no art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, deve ser princípio norteador nos processos de morte presumida.

O sofrimento das famílias não pode ser prolongado pela inércia estatal. A sensibilidade do juiz ao lidar com esse tipo de demanda é essencial para humanizar a Justiça. Cada caso deve ser analisado com empatia, escuta e respeito à dor dos envolvidos.

O formalismo excessivo e o apego a provas inalcançáveis podem causar mais danos do que proteção. A jurisprudência recente tem demonstrado evolução nesse sentido, com decisões que priorizam o direito à reparação emocional e material.

A atuação de peritos, psicólogos e assistentes sociais nos processos pode contribuir significativamente para decisões mais equilibradas e justas.

A morte presumida não é um simples reconhecimento legal, mas um marco simbólico na vida das pessoas. O Poder Judiciário deve estar preparado para lidar com essas questões de forma célere, técnica e sensível.

 

20. Contribuições da Doutrina Jurídica Brasileira

 

A doutrina nacional tem contribuído de forma expressiva para o aprimoramento da compreensão da morte presumida. Carlos Roberto Gonçalves destaca a necessidade de proteger o desaparecido e os herdeiros, equilibrando os direitos em conflito.

Maria Helena Diniz observa que o instituto deve ser interpretado à luz da dignidade da pessoa humana, com foco na proporcionalidade e razoabilidade. Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona abordam a importância da boa-fé e da função social da norma. Flávio Tartuce, por sua vez, propõe soluções práticas para os dilemas patrimoniais e afetivos oriundos do instituto.

Esses autores apontam que a morte presumida é um exemplo clássico de como o Direito precisa adaptar-se à realidade concreta, protegendo os indivíduos sem engessar a justiça. Suas obras fundamentam interpretações modernas, permitindo que juízes, promotores, defensores e advogados apliquem a lei de forma justa, equilibrada e coerente com os valores constitucionais e com os anseios da sociedade.


 

 

APLICAÇÃO SOCIAL

 

 

1. Efeitos Sociais da Morte Presumida nas Famílias

 

A morte presumida, embora de natureza jurídica, gera profundos reflexos sociais. O desaparecimento de um ente querido rompe o ciclo natural do luto e coloca os familiares em uma posição ambígua: a de esperar por um retorno incerto ou aceitar a perda sem corpo e sem despedida.

A declaração judicial de morte presumida, nesse contexto, serve como marco de encerramento simbólico, permitindo aos familiares resolver pendências civis, como sucessão e previdência.

Contudo, ela também pode ser vivenciada como uma segunda perda, mais institucional que emocional. As famílias, ao terem acesso a esse instituto, podem, enfim, planejar seu futuro, tomar decisões patrimoniais e reorganizar suas vidas.

Por isso, é importante que os profissionais do Direito compreendam o impacto psicológico e social desse processo, promovendo uma atuação sensível e humanizada. A morte presumida não é apenas uma solução jurídica; é um passo necessário para a reconstrução da vida dos que ficam.

 

2. O Papel das Políticas Públicas na Proteção dos Envolvidos

 

A atuação do Estado por meio de políticas públicas voltadas à busca de desaparecidos é essencial para evitar a banalização da morte presumida. Programas integrados entre delegacias, secretarias de segurança pública, conselhos tutelares e defensorias públicas são fundamentais para garantir que todas as diligências possíveis sejam realizadas antes da judicialização da questão.

A criação de bancos de dados unificados, como o Sistema Nacional de Localização e Identificação de Desaparecidos (SINALID), facilita o cruzamento de informações e contribui para o encontro de pessoas.

Além disso, campanhas educativas podem conscientizar a população sobre os procedimentos e direitos envolvidos no desaparecimento. Tais ações colaboram não só para prevenir o uso indevido da morte presumida, mas também para garantir que ela seja utilizada como último recurso.

O Direito, por si só, não resolve todas as situações de vulnerabilidade; ele precisa estar atrelado a políticas públicas eficazes e integradas.

 

3. Impactos na Previdência e na Assistência Social

 

A morte presumida é frequentemente requisitada para garantir o acesso a benefícios previdenciários, como a pensão por morte, especialmente quando o desaparecido era o provedor da família.

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) exige, na maioria das vezes, decisão judicial para reconhecer o direito ao benefício, o que pode levar meses ou até anos. Essa espera prolongada compromete a subsistência de viúvas, filhos e outros dependentes, que, muitas vezes, se veem sem fonte de renda.

A morosidade processual agrava a vulnerabilidade econômica dessas famílias. A atuação de assistentes sociais, defensores públicos e procuradores é fundamental para garantir prioridade nos trâmites e reduzir os danos.

Além disso, o próprio Poder Judiciário deve adotar uma postura mais proativa, especialmente em casos de urgência. A junção de esforços entre os setores jurídico, previdenciário e social é imprescindível para proteger os direitos dos mais frágeis diante da tragédia do desaparecimento.

 

4. Casos de Reaparecimento e seus Efeitos Sociais

 

Embora raros, os casos de reaparecimento da pessoa declarada morta presumidamente causam comoção social e repercussões jurídicas profundas. A reintegração dessa pessoa à sociedade não é simples: ela precisa recuperar sua identidade civil, documentos, contas bancárias e até sua convivência familiar.

Em muitos casos, sua posição social e patrimonial foi substituída por herdeiros ou terceiros de boa-fé. O retorno do ausente pode gerar litígios, traumas e desconforto entre familiares, que já haviam elaborado emocionalmente o luto.

Em termos jurídicos, há regras para devolução dos bens remanescentes, mas em termos humanos, a reparação do vínculo social nem sempre é possível.

Por isso, o Estado e as instituições jurídicas devem oferecer apoio psicológico e administrativo para esse processo de reinserção.

O reaparecimento desafia os limites do Direito e mostra como a técnica jurídica precisa dialogar com a realidade social, considerando não apenas os efeitos legais, mas também as consequências emocionais da situação.

 

5. Vulnerabilidade e Desigualdade no Acesso à Justiça

 

A realidade brasileira mostra que o acesso à justiça para declarar a morte presumida não é igualitário. Famílias pobres, sem instrução ou residentes em áreas rurais e periféricas, enfrentam maiores dificuldades para reunir documentos, contratar advogados ou sequer entender os procedimentos legais. Muitas vezes, o desaparecimento nem chega ao conhecimento das autoridades competentes.

Nesses casos, a ausência de ação judicial perpetua a insegurança jurídica e econômica dos familiares. O papel das Defensorias Públicas e de organizações da sociedade civil é fundamental para minimizar essa desigualdade.

A ampliação do atendimento gratuito e a criação de núcleos especializados em desaparecidos podem facilitar o acesso de grupos vulneráveis ao direito à declaração de morte presumida.

Essa disparidade de acesso revela que o Direito, para ser justo, precisa ser também acessível, eficaz e inclusivo, de forma a garantir a todos o direito à memória, ao patrimônio e à reorganização da vida.

 

6. Morte Presumida e a Cultura da Memória

 

A morte presumida também impacta a forma como a sociedade lida com a memória dos desaparecidos. Em muitos casos, ela serve como instrumento de reconhecimento oficial da perda, sendo um marco simbólico para o encerramento de uma dor que não teve corpo ou velório.

No entanto, em contextos de desaparecimento forçado ou violência institucional, a morte presumida pode ser percebida como uma tentativa de apagar vestígios de responsabilidade estatal.

Por isso, é fundamental que esse instituto não seja utilizado como substituto da investigação e da responsabilização. A cultura da memória exige respeito aos desaparecidos e suas famílias, com políticas de verdade, justiça e reparação. Em sociedades democráticas, o Direito deve servir como meio de preservação da dignidade humana e da memória coletiva.

A morte presumida, nesse contexto, deve ser um ponto de partida para a reconstrução de vínculos, para a superação do trauma e para a reafirmação da vida.

 

METODOLOGIA

 

1. Abordagem Metodológica da Pesquisa

 

A presente pesquisa adota uma abordagem qualitativa, descritiva e exploratória. A escolha dessa metodologia se justifica pela natureza complexa e multifacetada do tema, que envolve aspectos jurídicos, sociais, históricos e psicológicos.

Ao invés de quantificar dados, a pesquisa qualitativa busca interpretar significados, identificar padrões e compreender as implicações da morte presumida no contexto da extinção da personalidade jurídica da pessoa física.

Dessa forma, o trabalho se propõe a descrever, analisar e interpretar os dispositivos legais aplicáveis, as decisões judiciais relevantes e as manifestações doutrinárias que abordam o tema.

A perspectiva descritiva permite contextualizar o instituto jurídico em sua aplicação prática, enquanto a dimensão exploratória oferece abertura para reflexões críticas sobre os limites da legislação e os desafios sociais envolvidos.

A pesquisa baseia-se em análise documental, jurisprudencial e bibliográfica, com o intuito de construir uma visão ampla e interdisciplinar sobre o assunto.

 


 

 

2. Fontes Utilizadas: Doutrina, Legislação e Jurisprudência

 

Para fundamentar teoricamente a análise, foram utilizadas fontes primárias e secundárias, com destaque para a legislação vigente, especialmente o Código Civil de 2002 (arts. 6º, 7º, 22 e 23), o Código de Processo Civil de 2015 (arts. 744 a 746), a Constituição Federal de 1988 e a Lei de Benefícios da Previdência Social (Lei 8.213/1991).

No campo jurisprudencial, foram examinadas decisões proferidas por Tribunais de Justiça dos Estados e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que tratam de casos concretos de morte presumida.

A doutrina especializada, representada por autores como Maria Helena Diniz, Carlos Roberto Gonçalves, Silvio Venosa e Flávio Tartuce, foi essencial para compreender a evolução histórica e os fundamentos teóricos do instituto.

A combinação dessas fontes possibilitou uma análise sistemática e crítica, permitindo identificar pontos de convergência e controvérsia entre teoria e prática, e ampliando a compreensão sobre os impactos jurídicos e sociais da morte presumida.

 

3. Estratégia de Coleta e Análise de Dados

 

A coleta de dados foi realizada por meio de pesquisa bibliográfica e documental. Foram consultadas obras jurídicas clássicas e contemporâneas, legislações atualizadas, acórdãos de tribunais superiores e periódicos acadêmicos disponíveis em bases como Scielo, JusBrasil, Google Scholar e repositórios institucionais.

Os julgados foram selecionados a partir de critérios como relevância, atualidade, repercussão e fundamentação jurídica.

A análise dos dados seguiu o método hermenêutico, com foco na interpretação das normas legais à luz dos princípios constitucionais, especialmente o da dignidade da pessoa humana.

A interpretação da jurisprudência buscou identificar tendências, divergências e entendimentos consolidados sobre a morte presumida. Esse procedimento permitiu a construção de um panorama jurídico coerente e atualizado, bem como a identificação dos principais desafios enfrentados pelos operadores do Direito na aplicação prática do instituto.

A triangulação entre doutrina, jurisprudência e legislação conferiu rigor e profundidade à análise.

 

4. Limitações da Pesquisa

 

Apesar do esforço em oferecer uma análise abrangente, a pesquisa apresenta algumas limitações. Primeiramente, trata-se de um estudo teórico e documental, sem a realização de entrevistas, coleta de dados empíricos ou estudo de campo, o que poderia enriquecer a abordagem com relatos de familiares e operadores do Direito envolvidos diretamente com o tema.

Em segundo lugar, o tema da morte presumida envolve aspectos emocionais e subjetivos que nem sempre são plenamente captados pelas fontes jurídicas formais. Além disso, as decisões judiciais nem sempre são publicadas integralmente, o que limita o acesso a fundamentos e detalhes relevantes dos casos concretos.

Por fim, a legislação brasileira, embora ampla, ainda carece de atualização em alguns pontos, o que dificulta a análise de situações novas, como desaparecimentos em conflitos urbanos modernos. Mesmo diante dessas limitações, a pesquisa busca contribuir com o debate jurídico e social de forma significativa.

 

5. Justificativa da Escolha Metodológica

 

A escolha da abordagem qualitativa, baseada em revisão bibliográfica e análise documental, deve-se à necessidade de compreender a complexidade do tema em profundidade. O instituto da morte presumida transcende o campo técnico do Direito, envolvendo dimensões humanas que exigem sensibilidade na análise.

A metodologia escolhida permite investigar não apenas os dispositivos legais, mas também os valores e princípios que fundamentam a aplicação do instituto, como a dignidade da pessoa humana, a boa-fé e a segurança jurídica. Ademais, a pesquisa visa promover uma análise crítica e propositiva, capaz de sugerir melhorias legislativas e práticas forenses mais eficientes.

A natureza exploratória possibilita identificar lacunas no ordenamento jurídico e nas políticas públicas voltadas às famílias dos desaparecidos.

A pesquisa se propõe, portanto, a não apenas sistematizar o conhecimento já existente, mas também a contribuir para o avanço do debate jurídico e social sobre a morte presumida no Brasil.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

1. Conclusão sobre a relevância do instituto da morte presumida

 

A morte presumida configura-se como instituto indispensável à organização jurídica da sociedade, servindo como solução para situações excepcionais em que a ausência prolongada de uma pessoa impossibilita a continuidade das relações civis, familiares e patrimoniais.

Sua existência no ordenamento brasileiro assegura, de forma equilibrada, tanto a proteção dos direitos dos desaparecidos quanto dos interesses dos seus familiares e herdeiros.

A análise realizada evidencia que a legislação vigente, apesar de sólida, demanda interpretações sensíveis à realidade social, sobretudo em contextos de desastres e desaparecimentos forçados.

É inegável que o instituto cumpre uma função essencial ao permitir o encerramento formal da personalidade civil de alguém desaparecido, proporcionando segurança jurídica às relações que dele dependem.

Contudo, é preciso atenção constante para evitar que esse mecanismo jurídico se transforme em um instrumento de abandono institucional ou de simplificação indevida de situações humanas complexas e profundamente marcadas por sofrimento e incerteza.

 

2. Importância da sensibilidade na aplicação judicial

 

A atuação do Poder Judiciário no processo de morte presumida deve ir além da mera análise técnica dos requisitos legais.

É fundamental que os magistrados desenvolvam uma sensibilidade específica para lidar com o sofrimento das famílias, com a ausência de provas materiais e com os riscos de injustiças decorrentes de decisões precipitadas ou burocráticas.

A morte presumida não é apenas uma formalidade jurídica, mas um divisor de águas na vida dos familiares do desaparecido, que precisam reorganizar sua existência a partir dessa declaração.

O juiz, como agente de pacificação social, deve estar atento às peculiaridades de cada caso e utilizar os princípios constitucionais, como a dignidade da pessoa humana e a razoabilidade, como norteadores de sua decisão.

A sensibilidade judicial, aliada ao conhecimento técnico, é um requisito indispensável para que o instituto da morte presumida cumpra sua função de maneira justa, efetiva e respeitosa.

 

3. Necessidade de maior celeridade processual

 

Outro ponto que merece destaque é a necessidade urgente de tornar os processos de declaração de morte presumida mais céleres.

A morosidade da justiça é um fator que agrava a dor das famílias e prejudica o exercício de direitos fundamentais, como o acesso à pensão por morte, à partilha de bens, à dissolução do matrimônio e à regularização documental. O tempo de espera para a sentença pode significar, na prática, a negação de justiça.

Assim, medidas como a especialização de varas, o uso de tecnologia processual e a priorização desses casos nos tribunais são imprescindíveis. A celeridade, entretanto, não pode comprometer a segurança jurídica, devendo estar acompanhada de diligência e responsabilidade na análise probatória.

O equilíbrio entre rapidez e rigor técnico deve ser o objetivo principal dos operadores do Direito ao lidarem com esses processos, evitando, tanto quanto possível, a perpetuação do sofrimento e da insegurança dos familiares do desaparecido.

 


 

 

4. Importância do apoio institucional e psicossocial

 

Além da atuação judicial, é essencial que haja uma rede de apoio institucional e psicossocial para as famílias que enfrentam a angústia do desaparecimento.

O sistema jurídico deve funcionar em articulação com os serviços de assistência social, psicológica e previdenciária, garantindo acolhimento integral.

A declaração de morte presumida, muitas vezes, marca o fim de uma esperança, sendo necessário um suporte emocional adequado para lidar com esse encerramento simbólico.

Organizações da sociedade civil, defensorias públicas e núcleos especializados devem atuar de forma proativa na orientação dos familiares, promovendo campanhas de conscientização e prestando auxílio jurídico e psicossocial.

A humanização do processo de morte presumida é essencial para que ele seja não apenas juridicamente correto, mas também moral e socialmente aceitável.

O Direito deve ser instrumento de justiça e também de cuidado, promovendo a dignidade de quem parte e de quem permanece.

 

5. Perspectivas de reforma legislativa

 

A análise crítica do instituto da morte presumida aponta para a necessidade de reformas legislativas que tornem o processo mais ágil, seguro e adaptado às novas realidades sociais.

A legislação atual, embora abrangente, apresenta lacunas e excessiva burocracia em algumas etapas, especialmente nos casos de reaparecimento do presumido morto e na restituição de bens.

Propostas legislativas poderiam prever prazos mais curtos em situações de catástrofes, padronização de procedimentos administrativos, ampliação dos efeitos da decisão judicial e maior integração com os órgãos de investigação.

A criação de um marco legal sobre desaparecimentos civis, que envolva diretrizes específicas para atuação policial, judicial e previdenciária, poderia fortalecer a proteção dos direitos envolvidos.

A legislação brasileira precisa dialogar com os tratados internacionais de direitos humanos, assegurando maior efetividade e respeito aos compromissos internacionais assumidos. Reformar o instituto é garantir que ele continue cumprindo sua função sem se tornar um obstáculo à justiça.

 

6. Reforço da atuação das Defensorias e Ministério Público

 

Outro aspecto que merece ser reforçado é o papel estratégico da Defensoria Pública e do Ministério Público na proteção das famílias em situação de desaparecimento.

A Defensoria, por sua capilaridade e compromisso com os hipossuficientes, tem condição privilegiada para promover ações de declaração de morte presumida em favor de famílias carentes.

Já o Ministério Público, como fiscal da lei, deve assegurar que o processo seja instruído de forma justa, protegendo especialmente os interesses de incapazes.

A atuação conjunta desses órgãos é essencial para o equilíbrio e legitimidade da decisão judicial. Em especial, diante da desigualdade de acesso à justiça, o fortalecimento dessas instituições é caminho necessário para efetivar os direitos sociais, patrimoniais e familiares dos afetados.

Investimentos em estrutura, capacitação de equipes e ampliação de núcleos especializados são medidas que podem elevar o padrão de resposta do sistema de justiça diante dos dramas humanos que envolvem a morte presumida.

 

7. Integração entre os Poderes e instituições

 

A eficácia do instituto da morte presumida depende também de uma ação coordenada entre os três poderes e entre instituições diversas. O Poder Executivo, por meio de políticas públicas, deve investir em tecnologia de identificação e localização de pessoas desaparecidas. O Legislativo deve revisar e aprimorar a legislação vigente, conforme sugerido. O Judiciário, por sua vez, deve garantir celeridade e sensibilidade no julgamento dos casos.

A integração com o Ministério Público, Defensoria Pública, INSS, cartórios de registro civil e órgãos de segurança pública é fundamental para um fluxo eficiente de informações e decisões. A articulação entre essas esferas permite uma resposta mais eficiente às famílias, evita sobreposição de esforços e amplia o alcance das ações de busca e proteção.

Essa atuação integrada representa uma abordagem moderna e eficaz, condizente com os desafios de um país continental como o Brasil, onde o número de desaparecimentos ainda é preocupante.

 

8. Considerações finais gerais

 

A morte presumida é mais do que um mecanismo jurídico: é um símbolo da forma como o Direito enfrenta os limites da vida e da ausência. Sua aplicação exige mais do que técnica normativa – exige empatia, sensibilidade e compromisso com a dignidade humana.

Ao declarar uma morte sem corpo, o Estado reconhece uma ausência irreparável, mas também cria condições para que os vivos possam seguir em frente. Este artigo demonstrou que, apesar dos avanços legislativos e jurisprudenciais, ainda há muito a ser feito para que o instituto atenda plenamente aos seus objetivos sociais.

É necessário tornar o processo mais acessível, célere, justo e humanizado. Por fim, espera-se que este estudo contribua para o debate acadêmico e prático sobre o tema, promovendo uma atuação jurídica mais eficaz e sensível, em que a justiça caminhe lado a lado com a humanidade e a solidariedade social.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – STJ. REsp 1.337.550/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em 05/03/2015, DJe 10/03/2015.

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[1] Licenciado em Letras - Fundação Universidade do Tocantins – UNITINS, 2001, Bacharel em Administração de Empresas – Faculdade Guaraí – FAG, 2009, Pós – Graduação em Gestão de Projetos Sociais e Captação de Recursos – Faculdade Guaraí - FAG & Instituto Ath@enas, 2011, Bacharel em Direito Instituto de Ensino Superior Santa Catarina- IESC, FAG, 2015, Pós-Graduação em Direito Processual Civil, Universidade Cândido Mendes, 2016, Pós-Graduação em Direito Tributário, Universidade Cândido Mendes, 2022.

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