MORADIA E MEIO AMBIENTE EM SÃO LUÍS: uma possível solução para esse conflito[1]

 

Tércius Lucianus Ribeiro de Azevedo[2]

Frederico Nepomuceno Léda[3]

Thaís Viegas[4]

 

Sumário: Introdução; 1. Meio ambiente; 1.1. Direito a um meio ambiente saudável; 1.2. Desenvolvimento sustentável; 2. Direito à moradia; 2.1. Evolução histórica da propriedade; 2.2. Direito a propriedade em São Luís; 3. A solução de acordo com o método de Alexy; 3.1. Adequação; 3.2. Necessidade; 3.3. Ponderação/Proporcionalidade em sentido estrito; 4. Considerações Finais; Referências.

RESUMO

Neste trabalho será abordado o meio ambiente e no que ele consiste, analisando a qualificação garantida a ele pelo legislador brasileiro quando esse se refere à meio ambiente saudável. Por outro lado, também é objetivo do trabalho analisar a realidade do direito à moradia no município de São Luís para poder então basear-se no método de resolução de colisões entre direitos fundamentais proposto por Alexy, a proporcionalidade, para tentar compatibilizar a situação dos dois direitos conflitantes.

PALAVRAS-CHAVE: Meio Ambiente. Desenvolvimento Sustentável. Evolução histórica da propriedade. Método de Alexy

 

INTRODUÇÃO

O constituinte de 1988 no seu artigo 225 elevou o direito a um meio ambiente saudável ao status de direito fundamental. No inciso VI do artigo § 1º do mesmo artigo o constituinte resolve que cabe ao poder público promover a educação e conscientização ambiental em todos os níveis de ensino a fim de assim preservar o meio ambiente. Contudo, mesmo mais de 20 anos depois da promulgação da Constituição “Cidadã” o que é possível observar é que ainda há em grande parte povo brasileiro a ideia de que o meio ambiente existe apenas para ser usado, o que causa grandes problemas quanto à preservação deste, como desmatamentos, queimadas e até mesmo a sua ocupação para moradia.

A moradia também foi instituída na carta magna de 1988 como um direito fundamental ao ser humano, merecendo assim, obviamente, também ser respeitada. O problema é que para efetivar esse direito à moradia, o meio ambiente tem sido cada vez mais usado indevidamente por construtoras para satisfazer seus interesses, sejam esses a pedido do governo ou particulares.

Diante desse embate entre o direito à moradia e o direito à um meio ambiente saudável pretende-se utilizar neste trabalho o modelo proposto por Robert Alexy para a resolução de colisões advindas de direitos fundamentais para tentar chegar a uma compatibilização entre os mesmos tomando como base a situação em que se encontra a cidade de São Luís. Também será analisado de que forma há a proteção ambiental de acordo com a lei 6.938, que instituiu uma política nacional do meio ambiente que tem, dentre outros objetivos, preservar o meio ambiente.

  1. MEIO AMBIENTE

O meio ambiente, segundo Édir Mirales, “é espaço onde a vida ocorre, esfera de convivência, habitat, lugar, sítio, recinto, o mundo à volta, à volta do mundo”. (MIRALES, 2001, p. 63, apud GUERRA). É um conceito que ainda está em formação, e que tem passado por modificações em virtude das alterações advindas da modernidade. Nesse mesmo sentido, José Afonso discorre que, “o meio ambiente é, assim, a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas”. (SILVA, 2000, p. 20, apud ALVEZ, 2008, p. 79).

No artigo 225 da Constituição Federal de 1988, estabelece que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.  Sendo incumbido ao Poder Público assegurar a efetividade desse direito.

A lei 6.938/81 dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. No seu artigo 3º, inciso I, traz a seguinte definição de meio ambiente, “para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: I - meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite abrigar e reger a vida em todas as suas formas”. Nesse sentido Édis Milaré esclarece que:

Numa concepção ampla, que vai além dos limites estreitos fixados pela Ecologia Tradicional, o meio ambiente abrange toda a natureza original (natural) e artificial, assim como os bens culturais correlatos. Temos aqui, então, um detalhamento do tema: de um lado como meio ambiente natural, ou físico, constituído pelo solo, pela água, pelo ar, pela energia, pela fauna e pela flora; e, do outro, com o meio ambiente artificial (ou humano), formado pelas edificações, equipamentos e alterações produzidos pelo homem, enfim, os assentamentos de natureza urbanística e demais construções. Em outras palavras, quer se dizer que nem todos os ecossistemas são naturais, havendo mesmo quem se refira a “ecossistemas naturais” e “ecossistemas sociais”. Esta distinção está sendo, cada vez mais, pacificamente aceita , quer na teoria quer na prática. (MIRALES, 2001, p. 64, apud GUERRA)

Também nesse mesmo sentido José Afonso da Silva assinala:

O meio ambiente é, assim, a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas. A integração busca assumir uma concepção unitária do ambiente, compreensiva dos recursos naturais e culturais. (SILVA, 2000, p.10, apud GUERRA)

Com isso, percebe-se que o meio ambiente é um bem unitário global, composto por vários bens culturais, que abrange toda a natureza, tanto a natural, quanto o artificial. Esses bens, de uso comum do povo, estão sujeitos à exploração indiscriminada com risco de permanente indisponibilidade para as gerações futuras. Sendo necessário para que isso não aconteça ser tutelada pelo Direito Ambiental, que tem como objetivo o meio ambiente e também o meio ambiente do homem, na primeira são as condições físicas da terra, da água, do ar; e na segunda, são as condições produzidas pelo homem que afetam sua existência. De acordo com José Afonso da Silva, o objetivo do Direito Ambiental consiste “no conjunto de normas jurídicas disciplinadoras da proteção da qualidade do meio ambiente”. (SILVA, 2000, p.42, apud GUERRA).

1.1. DIREITO A UM MEIO AMBIENTO SAUDÁVEL

Meio ambiente, no seu conceito, envolve qualidade de vida, pois somente assim, em um meio ambiente saudável, teremos a qualidade de vida almejada. Fica claro nas palavras de Luís Paulo Sirvinkas, que discorre, “entende-se por qualidade do meio ambiente o estado do meio ambiente ecologicamente equilibrado que proporciona uma qualidade de vida digna para o ser humano. Essa qualidade de vida está relacionada com a atividade contínua e ininterrupta das funções essenciais do meio ambiente”. O meio ambiente serve como referencial para a qualidade de vida, e também se constitui de um referencial com relação às agressões sofridas. (SIRVINKAS, 2002, p. 113, apud ALVEZ, 2008, p. 82).

É importante resaltar que com a deterioração do meio ambiente e da limitação do uso de recursos, surgiu a preocupação jurídica do ser humano com a qualidade de vida e a proteção do meio ambiente, como um bem difuso. Essa questão diz respeito à qualidade do meio ambiente, que por sua vez envolve a qualidade de vida como direito de todos. Segundo Varella, “o homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequada em um meio, cuja qualidade lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar, e tem a solene obrigação de proteger e melhorar esse meio para as gerações presentes e futuras”. (VARELLA, 1998, p. 64, apud ALVEZ, 2008, p. 84).

Para que se tenha qualidade do meio ambiente é necessária à efetiva proteção do bem ambiental, como bem discorre Gomes Canotilho:

Em primeiro lugar, o bem ambiental pode qualificar-se como bem jurídico, se e na medida em que é objeto de uma disciplina autônoma distinta relativamente ao regime jurídico patrimonial dos bens, privados ou públicos, ou da ‘res communes omnium’ que o constituem. Consequentemente, é necessário que a proteção do ambiente tenha na lei ou em outras fontes um título jurídico autônomo. O fundamento da tutela específica e autônoma reconduzir-se-á, logicamente, à necessidade da conservação ou gozo do bem ambiental por parte da coletividade ou do particular ‘uti cives’. (CANOTILHO, p. 325-326, apud ALVEZ, 2008, p.84).

É nesse contexto que se deve ocorrer a proteção ambiental, entendendo o bem ambiental como um “bem de uso comum do povo”, conforme dispõe a Constituição Federal. Para que se tenha qualidade de vida é preciso indicar as condições mínimas do meio físico, e deve indicar também os fatores necessários para atender as necessidades básicas, tais como educação, saúde, alimentação e habitação. Isso porque, para que haja uma boa qualidade de vida é preciso que tenha a devida proteção dos recursos naturais. (ALVEZ, 2008, p.84-85)

1.2. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Esse princípio está disposto no artigo 225, caput, e no artigo 170, caput, inciso VI da Constituição Federal, nesse último artigo está disposto que:

Art. 170 - A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação.

É um dos mais importantes princípios do meio ambiente, sendo um dos pilares da temática jus-ambiental. Esse princípio compõe o núcleo de todos os esforços empreendidos na construção de um quadro de desenvolvimento social melhor e de uma distribuição mais justa das riquezas. O desenvolvimento sustentável procura uma ligação entre, o direito ao desenvolvimento e o direito a um ambiente sadio, em que na primeira são todas as suas dimensões, humana, física, econômica, política, cultural e social; e na segunda estão presentes as condições para que a humanidade possa projetar o seu amanhã. (BOUAMRANTE, Meriem e ANTONA, Martine, 1998, p. 146, apud COSTA NETO, 2003, p. 57).

O desenvolvimento sustentável envolve alteração comportamental que não se restringe à formulação de conceitos, mas que impõem à formulação de políticas públicas necessárias à implementação do ecodesenvolvimento. Segundo Élida Séguin e Francisco Carrera, sobre desenvolvimento sustentável:

É mister suprir as necessidades essenciais do homem, a manutenção dos padrões básicos de consumo nos limites das possibilidades das nações em desenvolvimento, tão pouco privilegiadas e vítimas de um crescimento econômico globalizado e neoliberal, que, por vezes, ignora sua existência. (SÉGUIN, CARRERA, 2001, p. 119, apud ALVEZ, 2008, p. 86).

Isso porque, cabe à sociedade civil resolver as questões ambientais através da imposição de políticas públicas necessárias, tendo que, a política de desenvolvimento ser construída mediante a mudança da acepção social individual existente. (ALVEZ, 2008, p. 86).

O discurso da sustentabilidade traz consigo um conceito, de que os recursos naturais não são inesgotáveis. Expressa a sua compreensão de que só pode haver desenvolvimento pleno, se os caminhos trilhados para sua consecução não desprezarem um sistema de exploração racional e equilibrada do meio ambiente. Sendo que para haver um desenvolvimento sustentável é necessária uma melhoria na qualidade de vida dos povos que habitam o planeta, isto é, a redução das desigualdades sócio-econômicas. (COSTA NETO, 2003, p. 59).

Dessa forma, percebe-se uma clara vinculação entre desenvolvimento sustentável e a pobreza, pois em uma sociedade em que há elevados índices de pobreza e miséria tendem a uma exploração desordenada dos recursos naturais, com efeitos negativos ao meio ambiente, inviabilizando, com isso, o desenvolvimento sustentável. (COSTA NETO, 2003, p. 59).  No Relatório do Brasil para a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, elaborado pela Comissão Interministerial para Preparação da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (dezembro/91), com apoio do PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), diz que:

As duas causas básicas da crise ambiental são a pobreza e o mau uso da riqueza: os pobres do mundo são compelidos a destruir no curto prazo, precisamente os recursos nos quais se baseiam as suas perspectivas de subsistência a longo prazo, enquanto a minoria rica provoca demandas à base de recursos que em última instância são insustentáveis, transferindo os custos mais uma vez aos pobres. (COSTA NETO, 2003, p. 61).

Com isso, para o bem estar social e a melhoria da condição de vida, é preciso ao se cogitar um desenvolvimento sustentável, a interação de duas metas, o desenvolvimento econômico e qualidade do meio ambiente, uma vez que o mau uso dos recursos ocasiona a degradação do meio ambiente. (COSTA NETO, 2003, p. 61).

  1. DIREITO À MORADIA

O direito à moradia foi reconhecido como direito humano em 1948, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Isso significa que os Estados Nacionais têm obrigações e responsabilidades para assegurar esse direito. Tornou-se um direito humano universal, aceito e aplicável em todas as partes do mundo como um dos direitos fundamentais para a vida das pessoas. (CAZALIS)

A obrigação e responsabilidade dos Estados de promover e proteger esse direto é fundamentado em vários tratados internacionais de direitos humanos. Brasil faz parte desses tratados, contida na própria Constituição Brasileira em seu artigo 5º, §2, que diz, “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. (JÚNIOR, 1999, p.64)

O direito à moradia está vinculado com outros direitos humanos, pois sem um lugar adequado para se viver, a saúde fica precária, fica difícil manter o emprego, ter uma educação de qualidade, e também fica impedida a participação social. O artigo 6º da Constituição Federal assegura constitucionalmente o direito humano à moradia, em que está disposto, “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. (OSÓRIO)

O direito à moradia não é somente um teto com paredes, é preciso que se tenha um padrão de vida adequado. A pessoa precisa ter acesso a dignidade, saúde física e mental, e uma comunidade segura para se viver. (CAZALIS). E para isso a moradia deve incluir:

 Segurança da posse: Todas as pessoas têm o direito de morar sem o medo de sofrer remoção, ameaças indevidas ou inesperadas. As formas de se garantir essa segurança da posse são diversas e variam de acordo com o sistema jurídico e a cultura de cada país, região, cidade ou povo;

Disponibilidade de serviços, infraestrutura e equipamentos públicos: A moradia deve ser conectada às redes de água, saneamento básico, gás e energia elétrica; em suas proximidades deve haver escolas, creches, postos de saúde, áreas de esporte e lazer e devem estar disponíveis serviços de transporte público, limpeza, coleta de lixo, entre outros.

Custo acessível: O custo para a aquisição ou aluguel da moradia deve ser acessível, de modo que não comprometa o orçamento familiar e permita também o atendimento de outros direitos humanos, como o direito à alimentação, ao lazer etc. Da mesma forma, gastos com a manutenção da casa, como as despesas com luz, água e gás, também não podem ser muito onerosos.

Habitabilidade: A moradia adequada tem que apresentar boas condições de proteção contra frio, calor, chuva, vento, umidade e, também, contra ameaças de incêndio, desmoronamento, inundação e qualquer outro fator que ponha em risco a saúde e a vida das pessoas. Além disso, o tamanho da moradia e a quantidade de cômodos (quartos e banheiros, principalmente) devem ser condizentes com o número de moradores. Espaços adequados para lavar roupas, armazenar e cozinhar alimentos também são importantes.

Não discriminação e priorização de grupos vulneráveis: A moradia adequada deve ser acessível a grupos vulneráveis da sociedade, como idosos, mulheres, crianças, pessoas com deficiência, pessoas com HIV, vítimas de desastres naturais etc. As leis e políticas habitacionais devem priorizar o atendimento a esses grupos e levar em consideração suas necessidades especiais. Além disso, para realizar o direito à moradia adequada é fundamental que o direito a não discriminação seja garantido e respeitado.

Localização adequada: Para ser adequada, a moradia deve estar em local que ofereça oportunidades de desenvolvimento econômico, cultural e social. Ou seja, nas proximidades do local da moradia deve haver oferta de empregos e fontes de renda, meios de sobrevivência, rede de transporte público, supermercados, farmácias, correios, e outras fontes de abastecimento básicas. A localização da moradia também deve permitir o acesso a bens ambientais, como terra e água, e a um meio ambiente equilibrado.

Adequação cultural: A forma de construir a moradia e os materiais utilizados na construção devem expressar tanto a identidade quanto a diversidade cultural dos moradores e moradoras. Reformas e modernizações devem também respeitar as dimensões culturais da habitação. (CAZALIS)

Todos esses fatores são necessários para que a pessoa tenha uma vida digna, integrando assim, o direito à moradia ao direito a um padrão de vida adequado. Entretanto, esse contexto de padrão de vida adequado no Brasil está longe do ideal, e São Luís infelizmente representa bem essa realidade, pois enfrentamos diversos problemas, como a pobreza, ensino de péssima qualidade em diversas instituições, falta de atendimento médico com Hospitais superlotados, e também falta de segurança em diversas regiões.

2.1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PROPRIEDADE

Maria Helena Diniz (2002, p. 99-100) lembra que a propriedade surgiu na era romana, segunda a qual “preponderava um sentido individualista de propriedade, apesar de ter havido duas formas de propriedade coletiva: a da gens e da família”. Com o passar do tempo a propriedade do geno fora desparecendo, restando apenas a da família, que também foi desaparecendo com o tempo, tendo em vista o crescimento da propriedade privada. Hahneman Guimarães (apud DINIZ, 2002, p.100) divide em quatro etapas a substituição da propriedade coletiva pela privada:

1º) propriedade individual sobre os necessários à existência de cada um; 2ª) propriedade individual sobre os bens de uso particular, suscetíveis de serem trocados com outras pessoas; 3º) propriedade dos meios de trabalho e de produção; e 4º) propriedade individual nos moldes capitalistas, ou seja, seu dono pode explorá-la de modo absoluto.

Quanto aos dias atuais, lembro Maria Helena Diniz (2002, p. 101) que “nos países do Ocidente subsiste a propriedade individual, embora sem conteúdo idêntico de suas origens históricas, pois a despeito de seu caráter absoluto vem sofrendo certas restrições”.

Uma dessas restrições é a função social da propriedade, no Brasil presente nosso Constituição Federal, segundo a qual, pelo o que pode ser deduzido pelo próprio nome, a propriedade não pode se limitar a seu dono, ela tem de dar algo em retorno a sociedade. Nesse sentido, assinala Miguel Reale (apud DINIZ, 2002, p. 101) que “a propriedade é como Janus Bifronte: tem uma face voltada para o indivíduo e outra para a sociedade. Sua função é individual e social”.

2.2. DIREITO A PROPRIEDADE EM SÃO LUÍS

No censo demográfico realizado pelo IBGE no ano de 2010 ficou constatado que o município de São Luís possui 1.014.837 habitantes. Nesse mesmo censo também foi verificado que corresponde a mais de 230 mil a quantidade de pessoas que reside em domicílios particulares ocupados em aglomerados subnormais. Os aglomerados subnormais são na verdade, de acordo com o próprio IBGE, favelas, invasões, grotas, baixadas, comunidades, vilas, ressacas, mocambos, palafitas, entre outros assentamentos irregulares. Isso significa que mais de 1/5 da população residente em São Luís vive em “barracos” que mal garantem seu direito constitucional à moradia. E para piorar a situação, muitos desses aglomerados subnormais encontram-se em locais nos quais não poderiam estar, como na margem de rios ou em outros locais que possuem proteção ambiental. (IBGE, 2010).

Contudo, não há somente população mais pobre vivendo em locais ambientalmente protegidos. Vários prédios residenciais foram construídos nas proximidades das praias em locais que originalmente eram dunas, e, portanto, eram ambientalmente protegidos. Esse é um retrato da situação em que se encontra o município de São Luís: desrespeito às áreas ambientalmente protegidas.

  1. A SOLUÇÃO DE ACORDO COM O MÉTODO DE ALEXY

O método adotado por Robert Alexy em sua Teoria dos Direitos Fundamentais para a solução de conflitos advindos desses direitos fundamentais é o da proporcionalidade. Esse método utilizado por Alexy se subdivide em três etapas, sendo elas a etapa da adequação, a da necessidade e a da ponderação ou proporcionalidade em sentido estrito, existindo entre eles a regra da subsidiariedade, ou seja, uma etapa posterior só poderá ser analisada se o conflito não puder ser resolvido na etapa anterior.

Porém, antes de começar a decidir, passando primeiramente pela etapa da adequação, é necessário realizar a identificação dos elementos prévios de análise para poder entender a colisão de direitos, sendo eles o fato no qual reside o conflito, P1e P2, os princípios, e logo também, direitos envolvidos, T1 e T2, os titulares dos respectivos direitos, R1 e R2, os resultados respectivamente objetivados pelos direitos, e M1 o meio a ser escolhido.

O fato que deu origem ao conflito é a ocupação de espaços ambientalmente protegidos para sua utilização como moradia. P1 é o princípio afetado, que nesse caso é o direito a um meio ambiente saudável, e P2 é o princípio com amparo no qual o fato ocorreu, no caso, o direito à moradia. O titular do direito afetado, T1, é na verdade não apenas um indivíduo, mas sim uma coletividade, visto que todos têm direito a um meio ambiente saudável, enquanto que T2, que representa os titulares de P2, são as pessoas que, como todos, têm direito à moradia, contudo essas por algum motivo “exercem” esse direito em áreas ambientalmente protegidas.

O resultado almejado por P1 é que o direito a um meio ambiente saudável prevaleça sobre a moradia, enquanto que o resultado visado por P2 é o inverso, ou seja, que o direito à moradia prevaleça sobre o direito a um meio ambiente saudável. E por fim é preciso adotar um meio M1 que sirva como uma possível solução para o caso a ser analisado nas etapas da proporcionalidade, sendo esse meio adotado para o caso a desapropriação dos terrenos em locais ambientalmente protegidos e a consequente realocação dos moradores para outro local. Havendo identificado os elementos prévios da análise será possível então utilizar o método da proporcionalidade, a começar pela etapa da adequação.

3.1. ADEQUAÇÃO

Na etapa da adequação é realizada uma análise consequencialista, verificando se o meio adotado é adequado para garantir ou ao menos fomentar P1. Ao analisar então o meio escolhido, percebe-se que ele é sim adequado para garantir ou ao menos fomentar o princípio afetado, pois através de desapropriação e realocação dos moradores para outro local o terreno desapropriado poderá voltar a ser, de fato, uma área protegida ambientalmente. Sendo então o meio adequado passa-se a analisar se o meio também é necessário.

3.2. NECESSIDADE

Já no subnível da necessidade é feita uma análise de forma a verificar se o meio adotado, dentro de um conjunto de outros meios alternativos, é o que se mostra mais apto a garantir ou ao menos fomentar P1 afetando menos P2. Dentre meios alternativos ao adotado pode-se citar a simples desapropriação dos terrenos com moradias irregulares ou um simples pagamento financeiro a ser pago pelos moradores irregulares aos órgãos públicos para ajudar compensar pelo dano ambiental.

Diante dos outros meios é possível afirmar que o meio M1 é necessário no caso, pois ele consegue garantir que o direito a um meio ambiente saudável seja efetivado, afetando o em menor quantidade o outro direito colidindo com o meio ambiente, o direito à moradia.

3.3. PONDERAÇÃO/ PROPORCIONALIDADE EM SENTIDO ESTRITO

Nesta última etapa da proporcionalidade, é verificada a importância de cada direito no caso em questão e a esses direitos é atribuída uma numeração para simbolizar seu grau de importância no caso. No final o direito que possuir a numeração maior deverá prevalecer sobre o outro direito no caso em questão.

Nesse conflito entre a moradia e o meio ambiente saudável na cidade de São Luís será atribuído à moradia, dentro de uma escala de 1 a 3, o número 2, visto que trata-se de um direito muito importante à própria subsistência de uma pessoa. Contudo, mesmo com a importância que possui a moradia nos dias atuais, o meio ambiente saudável deverá receber, baseado na mesma escala do direito anterior, o número 3, e, portanto, prevalecer sobre a moradia, pois como lembra Alex Santiago (2011, p. 636):

o sacrifício do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado será definitivo, pela vinculação situacional – a área de preservação permanente sofrerá dano que não permitirá volver ao estado anterior – enquanto que, se rechaçado o direito à moradia, o sacrifício não será definitivo, porque segue sendo possível edificar em outro lugar.

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O meio ambiente, diferentemente do que pensa a opinião popular, corresponde a não apenas o espaço natural, mas a este e também ao meio artificial, o meio que foi desenvolvido pelo próprio homem. Foi elevado a status de direito fundamental pelo constituinte de 88, contudo, antes disso já havia legislação federal como a lei 6.938/81, lei esta que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, que tratava sobre a importância do meio ambiente e sua preservação de sua qualidade.

A moradia também é um direito fundamental ao ser humano garantido pela Constituição Federal, sendo de extrema importância, pois no caso de não haver esses outros direitos também fundamentais e importantes podem não ser garantidos como a dignidade da pessoa humana e saúde. No município de São Luís uma parte da população ao exercer seu direito de moradia acaba por infringir áreas de proteção ambiental, o que acaba gerando um conflito entre esses direitos.

Com isso, para resolver o conflito foi realizado o método proposto por Robert Alexy para a resolução de colisões de direitos fundamentais, o método da proporcionalidade. Tendo sido realizadas as etapas da proporcionalidade, foi possível concluir que no caso da moraria invadindo espaços protegidos ambientalmente na cidade de São Luís, os espaços protegidos ambientalmente devem prevalecer e, logo, também prevalece o direito a um meio ambiente saudável. 

REFERÊNCIAS

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2011.

ALVEZ, Carina da Cunha; MAINARDI, Jucelma de Cássia Tolotti; POMPÉO, Wagner Augusto Hundertmarck; ROSA, Carlos Djalma Siva da. O Direito fundamental a um meio ambiente sadio e a necessária sustentabilidade. Disponível em:< http://www.ufsm.br/revistadireito/eds/v3n3/a6.pdf>. Acesso em: 12 nov. 2012

BELLO FILHO, Ney de Barros, LEITE, José Rubens Morato (orgs.). Direito ambiental contemporâneo. Barueri: Manole, 2004.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1998.

CAZALIS, Carlos. O que é direito à moradia?. Disponível em:<http://direitoamoradia.org/?page_id=46&lang=pt>. Acesso em: 12 nov. 2012

COSTA NETO, Nicolas Dino de Castro. Proteção Jurídica do Meio Ambiente: florestas. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 30-80.

CUSTÓDIO, Helita Barreira. Direito Ambiental e Questões Jurídicas Relevantes. Campinas: Millennium Editora, 2005.

CUSTÓDIO, Helita Barreira. Responsabilidade Civil por Danos ao Meio Ambiente. Campinas: Millenium Editora, 2005.

JÚNIOR, Nelson Saule. Direito à cidade: trilhas legais para o Direito às Cidades Sustentáveis. Editora Max Limonad, 1999.

GUERRA, Isabella Franco. O Direito Ambiental. Disponível em:<www.mackenzie-rio.edu.br/pesquisa/cade6/direito_ambiental.doc>. Acesso em: 12 nov. 2012.

IBGE, 2010. São Luís-MA. Disponível em:<http://www.ibge.gov.br/cidadesat/xtras/perfil.php?codmun=211130&r=2#>. Acesso em: 14 nov. 2012.

LANFREDI, Geraldo Ferreira (coord). Novos Rumos do Direito Ambiental nas Áreas Civil e Penal. Campinas: Millennium Editora, 2006.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 14 ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

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SANTIAGO, Alex Fernandes. O direito à moradia e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado: ocupação de áreas protegidas: conflito entre direitos fundamentais? . In: MILARÉ, Édis; MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental: fundamentos do direito ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 615-641.

SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional.6 ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

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[1] Paper apresentado à disciplina de Direito Ambiental da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco

[2] Aluno do 4º período do Curso de Direito da UNDB

[3] Aluno do 4º período do Curso de Direito da UNDB

[4] Professora orientadora