MONTEIRO LOBATO E A QUESTÃO DO SANEAMENTO

João Evangelista de Melo Neto

No momento atual, quando a falta de saneamento constitui um dos fatores mais importantes para a proliferação de doenças, incluindo-se aí a dengue, chikungunya e zika, esta última que resulta na malformação de cérebro, é bom lembrar que há mais de um século o Brasil já se encontrava nessa luta, embora com outras doenças transmitidas por insetos e outros vetores, uma batalha inglória que segue a provocar inúmeras baixas na população.

O princípio básico para se combater e, antes, evitar essas doenças tropicais é o saneamento básico, condição em que o país encontra-se muitíssimo atrasado e quase que totalmente carente, inclusive na periferia dos grandes centros urbanos, daí se estendendo para as comunidades isoladas país adentro.

A chamada Primeira República, ou República Velha, compreende o período da nossa história situado entre 1989, quando se deu a Proclamação da República, e a Revolução de 1930.

Nesse interregno histórico, o problema da saúde pública adquiriu uma posição de destaque. Deu-se a divulgação de relatórios médicos advindos das expedições científicas, os quais traziam dos mais distantes pontos do país uma realidade chocante, com o abandono e esquecimento das populações interioranas.

Na década de 1910, Euclides da Cunha retratou e denunciou a carnificina havida na Campanha de Canudos. Os Sertões revelou para as elites dominantes das cidades litorâneas a existência das vastas regiões interioranas, na qual não havia a ideia de nacionalidade.

Nessa mesma década foi divulgado o relatório dos médicos sanitaristas Belisário Penna e Arthur Neiva, documento que revelou para o país a realidade do nosso vasto interior, no qual a população vivia infestada por doenças de toda ordem. No relato há críticas à falta de higiene, alimentação deficiente e à precariedade das moradias no interior, fatores predisponentes ao adoecimento da população.

Ambos, as expedições promovidas pelos sanitaristas da equipe de Oswaldo Cruz e o relato dramático de Euclides da Cunha, estamparam para o país a existência nitidamente distinta de duas realidades, a do litoral desenvolvido, e a do sertão atrasado e doente.

Como hoje se dá com a dengue, chikungunya e zika, o país ganhava fama internacional como terra de doenças endêmicas, com surtos de febre amarela, varíola, peste bubônica e malária.

O relatório Neiva e Penna foi divulgado em jornais e revistas e alcançaram grande repercussão no país e contribuiu para promover o debate em torno das questões de saúde pública.

Mesmo com as críticas que recebeu por ter retratado de forma tão degradante o nosso caboclo, na figura do Jeca Tatu, Monteiro Lobato, influenciado pelas ideias dos sanitaristas, passou a perceber que o estado precário de saúde da população era decorrente de um único problema, a falta de saneamento.

O escritor taubateano escreveu e divulgou uma série de artigos nos quais enaltecia e ampliava a divulgação do trabalho dos sanitaristas da equipe de Oswaldo Cruz. Com isso, Lobato contribuiu em muito para alimentar os debates em prol do saneamento.

Os artigos de Lobato, mas tarde enfeixados no livro intitulado “Problema Vital” soaram como um grito de alerta que ecoou de norte a sul do país, provocou agitações intelectuais e debates sobre as primeiras tentativas mais sérias que se fizeram em matéria de saneamento.

Eis dois trechos de artigos de Lobato:

“O higienismo dormia o sono das crisálidas, apesar do movimento científico universal determinado pelas teorias pasteurianas. Em torno de Oswaldo Cruz, um pugilo de estudiosos se cerrou em Manguinhos para varrer as mazelas do país.”

“O que nos campos a gente vê, deambulando pelas estradas com ar abobado, é um lamentável naufrago da fisiologia, a que chamamos de homem por escassez de sinonímia. Feíssimo, torto, amarelo, cansado, exangue, faminto, fatalista, geófago – viveiro ambulante do verme destruidor.”

O último dos artigos de Lobato intitula-se “Jeca Tatu: a ressurreição”, no qual o autor descreve o personagem tal qual o pintara originalmente, mas promove nele a mudança decorrente da cura do amarelão, transforma-o em homem forte e trabalhador, completamente redimido dos defeitos que traçara como aspectos degradantes da raça brasileira.

Os debates em torno do saneamento levaram a que o Código Sanitário fosse transformado em lei e que se consolidasse no país os princípios da saúde pública.

 Em um século muita coisa mudou, mas a questão do saneamento continua a ser um problema vital,  que ainda não recebeu do governo a devida atenção e os cuidados necessários.