MODELO DE POLÍCIA NO BRASIL E DESACATO: CRIME OU ATOS DE RESISTÊNCIA
Por Ana Cássia Rodrigues da Silva e Márcia Regina Mourão da Silva | 28/06/2016 | DireitoMODELO DE POLÍCIA NO BRASIL E DESACATO: CRIME OU ATOS DE RESISTÊNCIA? - Autoridade policial sujeito passivo do crime de desacato no cumprimento de sua função¹
Ana Cássia Rodrigues da Silva²
Márcia Regina Mourão da Silva³
João Carlos da Cunha Moura4
RESUMO
O presente trabalho aborda a questão do crime de desacato sofrido por Policiais Militares no exercício de suas funções. Será feita uma abordagem principiológica acerca dos conflitos existentes entre os direitos fundamentais envolvidos na atuação do policial militar e os atos praticados pelo cidadão, levando-se em consideração à resistência que este poderá expor quando a ordem for manifestadamente ilegal. Para tanto, será utilizada a teoria da ponderação de princípios envolvidos nessa relação de autoridade e cidadão.
Palavras-chave: Policial Militar. Desacato. Resistência. Ponderação de Princípios.
1 INTRODUÇÃO
A presente pesquisa tem como finalidade demonstrar a problemática existente na plena efetivação, da realização do cumprimento do dever legal exercido pelo funcionário público, o Policial Militar. Que muitas das vezes é vitimado pelo crime de desacato, desobediência e resistência, ao zelar pela Ordem Pública almejada por toda sociedade.
O policial militar, é um funcionário público, como conceitua para efeitos penais o art. 327, é aquele que embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública. E como tal ao exercer sua função pública deve fazê-la dentro do seu devido exercício legal, para assim manter a ordem pública.
Para que haja o cumprimento da ordem pública é necessário que a pessoa emanada a realizar tal incumbência o faça de forma tranquila, sem desembaraço. Mas há situações que tal ato é quase impossível de se realizar, devido à desobediência e até resistência da pessoa que cometera o delito. Por ser tão corriqueiro esse tipo de situação, o legislador a contemplou o rol das infrações penais, tipificando no art. 329 do Código Penal o delito de resistência. Assim comete-se o crime de resistência, quem opor-se a execução de ato legal, mediante violência ou ameaça, a funcionário competente para executá-lo ou quem lhe esteja prestando auxilio. A resistência deve ter como característica o uso da ameaça ou violência. Há no decorrer da história, correntes que melhor explicara em que situações se davam a ocorrência deste crime. Durante o absolutismo, predominava a corrente que presumia legal todo o ato praticado pelos funcionários públicos, então poderia arguir qualquer direito de resistência. Ao admitir o contrário, argumentam, é ensejar a desordem e a anarquia é favorecer o espírito rebelde e desordeiro, desprestigiando o funcionário. Hungria (p. 411) Apud Greco (2009, p. 484). Com o final do absolutismo e o inicio do Iluminismo, impera o espírito liberal, ou seja, o direito de resistência surge, ato incentivado pelo art. 11 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1793, que diz: Todo ato exercido contra um homem fora dos casos e sem formas que a Lei determina é arbitrário e tirânico; aquele que sequer exercer pela violência tem o direito de rechaça-la pela força. E por fim surge a terceira corrente que possibilita o direito de resistência. Segundo essa corrente, que é a adotada pelo Código Penal, a pessoa só resistirá quando este estiver diante de um ato manifestamente ilegal. Não importando se o ato é formal ou materialmente ilegal, desde que manifestamente contrário às disposições, caberá o direito de resistência, o sujeito que o repele é amparado por uma causa de justificação como na legítima defesa (GRECO, 2009, p. 485).
Além da resistência outras formas de infração podem ser vivenciadas pelo policial militar no exercício de sua função, é o caso do crime de desobediência, presente no art. 330 do Código Penal e desacato, reações que às vezes ocorrem no momento da abordagem realizada por tal funcionário público.
No decorrer da pesquisa é conceituado o crime de desacato, explicando de forma minuciosa como o desacato pode ser realizado contra o Policial Militar. Em seguida serão expostas as formas de polícias existentes no território brasileiro. Enfatizar-se-á como a instituição do crime de desacato é vista no sistema jurídico do Brasil. Concluindo com a ponderação existente entre a posição dos policiais e cidadão como sujeitos.
2 O DESACATO REALIZADO CONTRA AUTORIDADE POLICIAL
O código penal brasileiro não foi omisso quanto à preservação da integridade física e mental do funcionário público. Tal fato pode ser constatado na contemplação no Código Penal do artigo 331, que dispõe acerca do crime de Desacato, delito praticado por particular contra a Administração Pública em geral, ou seja, não há uma pessoa específica. Assim, qualquer Funcionário Público poderá ser vítima do desacato, desde que esteja no exercício de sua função ou em razão dela.
Como acima mencionado qualquer funcionário pode ser vítima do crime de desacato, a autoridade policial não é diferente, isso é verificado pela sua própria função que ele exerce que o torna responsável pela ordem pública. E no exercício de sua função ao abordar uma pessoa que esteja transgredindo a lei, é comumente observada a efetivação do crime de desacato. Quando essa determinada pessoa por desobediência ou até mesmo resistência, utiliza palavras de baixo calão, com o intuito de humilhar a autoridade policial. Isso se dar em virtude de o policiamento ser ao mesmo tempo ostensivo/ preventivo e muitas vezes repressivo. Assim para manter a ordem pública e proteger a coletividade ao tentar solucionar conflitos de terceiros acaba tendo que restringir a liberdade e direitos individuais de determinados indivíduos que se ver na liberdade de cometer o crime de desacato. E tal prerrogativa é verificável no Código de Processo Penal, no artigo 244, que ocorrerá quando diante de fundada suspeita de uma pessoa esteja portando arma proibida, objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou no curso de busca de prisão domiciliar a autoridade policial pode fazer a busca pessoal ou abordagem, independente de mandado. Assim tem-se:
Art. 244. CPP- A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar.
O crime de desacato surge primeiramente em Roma, precisamente no Direito Romano. Em relação ao Brasil, é verificada sua presença nas Ordenações Filipinas, durante o Brasil Colônia (DA SILVA, 2014).
Ainda segundo Da Silva (2014), a preocupação quanto ao surgimento de tal crime deve-se a presteza e zelo pela integridade da atividade estatal, principalmente no que se refere ao agente estatal vítima de tal delito. Resguarda-se o bom exercício da função pública, para que o agente munido de certa proteção possa atender os anseios sociais e prestar seu exercício de forma tranquila e eficaz. Quem bem fundamenta tal afirmação é Bittencourt (2012, p. 256), senão vejamos:
Protege-se, na verdade, a probidade de função pública, sua respeitabilidade, bem como a integridade de seus funcionários. Objetiva-se, especificamente, garantir o prestígio e a dignidade da “máquina pública” relativamente ao cumprimento de determinações legais, expedidas por seus agentes. É considerado crime pluriofensivo, atingindo tanto a honra do funcionário como o prestígio da Administração Pública.
Nucci (2015, p. 1110) por sua vez, leciona que a conduta criminosa do desacato recai sobre a pessoa do funcionário público, bem como sobre sua honra. Entretanto, conforme exige à lei, o funcionário público deve estar exercendo suas atividades quando a palavra ofensiva ou ato injurioso seja procedido, ou ainda, estando o funcionário público fora das atividades, basta tão somente que o sujeito ativo faça alusão à atividade pública.
O desacato e a resistência não devem ser confundidos como explana Calhau (p. 64) Apud Greco (2009, p. 491):
O desacato difere da resistência, já que nesta a violência ou a ameaça direcionada a funcionário visa a não realização de ato de oficio, ao passo que, naquele eventual, a violência ou ameaça perpetra contra funcionário público tem por finalidade desprestigiar a função por ele exercida.
Ainda sobre os crimes acima, há outra divergência, no que se refere ao concurso entre os delitos de desacato e resistência. Na qual a primeira corrente entende que o delito de desacato absorveria o crime de resistência, conforme se verifica na decisão do TJRJ:
Se o agente desacata, desobedece e ameaça servidor publico no exercício de suas funções, só responde pelo delito mais grave, que e o crime de desacato, uma vez que os demais ilícitos ficaram absorvidos por este. (ACr. 1450/97, Petrópolis, Reg. 030998 - 2 a C. Crim. Rel. Des. Afrânio Sayao).
Já em sentido contrário, outra corrente posiciona que mesmo o crime de resistência possuindo uma pena menor que a do desacato, quando tais atos forem realizados nos mesmos episódios, a resistência absorveria o crime de desacato. Entendimento observado no julgado do Tribunal de Justiça do Paraná:
O crime de resistência absorve os de desobediência, ameaça e desacato, quando praticados em um mesmo episodio, e também a contravenção de vias de fato, mas não o de lesões corporais, mesmo leves. (CP, art. 129, § 2Q). (ACr. 12410-7, Rel. Edson Malachini, julgamento em 27/9/90).
- FORMAS DE POLÍCIAS NO BRASIL
Para a abordagem desse tópico, serão utilizados os dados constantes do site do Ministério da Justiça, o qual disponibiliza os órgãos de segurança que compõe a segurança pública brasileira, destacando as formas de polícias.
Pois bem. As polícias existentes no Brasil estão divididas em Civil, Militar e Federal. A Polícia Civil com sua função judiciária tem como competência zelar pelo cumprimento da legislação e investigar os crimes cometidos contra as pessoas e contra o patrimônio. Originou-se na época do Império. Valendo-se para diferenciar as atribuições policiais eminentemente investigativas (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2015).
A Polícia Militar se faz presente desde a visita da Família Real portuguesa ao Rio de Janeiro, em 1808. Cada Estado da Federação possui sua força de segurança, a qual compete realizar um policiamento ostensivo e preservar a lei e a ordem pública. Ela é subordinada aos governadores e compõem uma reserva às Forças Armadas. Sua estruturação organizacional é semelhante a do Exército Brasileiro, ou seja, dividem-se em regimentos, batalhões e companhias, todos organizados por hierarquias nos postos de comandos. Quanto a Polícia Federal ela é subordinada ao Ministério da Justiça, sua função é apurar infrações penais cometidas contra a União e suas empresas públicas, reprimir o tráfico de drogas e o contrabando no âmbito nacional e cumprir com o papel de agente oficial nos aeroportos e portos no País. Ela foi criada no governo de Getúlio Vargas, e sua sede é em Brasília, mas estão presentes em vários postos avançados, delegacias e superintendências em todo território nacional (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2015).
E por fim a Polícia Rodoviária Federal que tem como incumbência fiscalizar 61 mil quilômetros de rodovias e estradas federais do País. Suas ações estão baseadas no Código de Trânsito Brasileiro e pelo Decreto 1.655/95. Ela é integrada ao Ministério da Justiça, prevenindo e punindo violações de trânsito que ocorra na malha rodoviária. Além de cooperar com a segurança pública do País, nas estradas e fronteiras, reprimindo o tráfico de drogas, armas e pessoas, furtos, trabalho escravo entre outros crimes (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2015).
4 PONDERAÇÃO DA POSIÇÃO DE POLICIAIS E CIDADÃOS COMO SUJEITOS DE DIREITOS
A abordagem que a maioria dos policiais fazem muitas das vezes coloca em conflito dois princípios, que é o da legalidade e o da dignidade da pessoa humana. Dessa forma tal abordagem deve ser feita de forma legal, objetivando o fim a que se destina que é assegurar o bem da coletividade, para que não lese direitos individuais e nem constranja o cidadão. Direitos esses elencados na Constituição Federal de 1988, no artigo 5º: presunção de inocência, inc. LVII; o direito de ir e vir, inciso XV; o respeito à vida, à honra, à imagem das pessoas, inc. X; E no artigo I: o direito a dignidade humana, inc. III (ALVES, 2011). O próprio caput do art. 5º é claro quanto ao direito tanto do cidadão quanto do funcionário público, o policial militar, quando emana que:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, à propriedade nas formas da lei.
Para que seja legitimado o procedimento, que foi atribuído ao policial, representante do Estado, é necessário a inteira obediência aos padrões assegurados pela sociedade. Nesse contexto os direitos da coletividade prioriza em face dos individuais, como fundamenta o julgado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
EMENTA: Constitucional. Processo Penal. Direito de livre locomoção. Busca forçada. Revista. Possibilidade, quando no interesse da segurança coletiva. O direito individual à liberdade deve ser combinado com medidas preventivas de defesa da incolumidade pública e da paz social. A revista, ante suspeita séria de irregularidade que possa causar distúrbio à vida, à saúde ou à segurança das pessoas, é defensável quando efetivada em estado de necessidade coletiva.
Número do processo: 1.0000.00.283122-0/000(1) Número CNJ: 2831220-15.2000.8.13.0000 Relator: ALMEIDA MELO Data do Julgamento: 27/11/2002 Data da Publicação: 14/02/2003
Como o Estado é responsável pela elaboração das normas incriminadoras, ele sempre será sujeito passivo de crime. O sujeito passivo pode ser primário ou imediato e secundário ou mediato. Formalmente, o Estado é sempre sujeito, passivo mediato; de forma material. Ele é sujeito passivo imediato, direto como nos casos dos crimes contra a Administração Pública. O policial militar no crime de desacato é um sujeito passivo secundário, vitima, pois é ele que vivencia constrangimento e humilhação. Cabendo reparação moral em forma de indenização, como forma de compensação pela lesão à sua honra. Como assegura o art. 927 do Código Civil, no qual expressa que aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo; sendo o dano moral uma modalidade de dano e o desacato um ato ilícito, é cabível a indenização por parte do autor do desacato, no caso em questão o policial militar (MENDES, 2012).
Mas, como mencionado acima, se a autoridade policial se utilizar de medidas fora do padrão de abordagem, infringindo a legalidade, os direitos individuais preponderam em relação aos direitos coletivos, devido ao excesso e a ilegalidade. Atos que fere um dos princípios fundamentais mais importantes resguardado a qualquer pessoa, que é o princípio da dignidade humana. Princípios fundamentais como bem assinala Alexy (2012), são mandamentos de otimização, ou seja, são normas que ordenam que algo seja realizado na maior e medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Tais princípios são traduzidos em valores (a intimidade, dignidade, liberdade, moral, honra entre outros) inseridos na ordem jurídica devendo ser respeitados e protegidos. Mas diferentes das regras que consiste no tudo ou nada, os princípios podem ser relativizados.
É comum adentrar nas repartições públicas e ver estampadas em murais e paredes, avisos que expressam o crime de desacato, juntamente com sua pena. Há quem afirme que tais avisos funcionam como uma cultura da intimidação, do medo. É uma arma psicológica que se valem os tiranos, os exploradores, os violentos opressores do cidadão. Se valendo de tal intimidação, muitos se prevalecem de tais prerrogativas, como no caso de alguns policiais que atuam de forma despreparada e se acometem de abusos de autoridade. Retornando assim o Estado, arbitrário, inquisitivo, no qual prevalece o efeito intimidativo. Como forma de conter tal abuso criou-se a Lei nº 4.898/653, art.3.
Art. 3º. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado:
- a) à liberdade de locomoção;
- b) à inviolabilidade do domicílio;
- c) ao sigilo da correspondência;
- d) à liberdade de consciência e de crença;
- e) ao livre exercício do culto religioso;
- f) à liberdade de associação;
- g) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício do voto;
- h) ao direito de reunião;
- i) à incolumidade física do indivíduo;
No momento que se relativiza os princípios fundamentais, torna-se necessária, a aplicação da ponderação, que se assenta em três critérios: o da adequação, a necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Eles são “parcelas” dos princípios da proporcionalidade, na qual a necessidade implica dizer se dentre os princípios em foco há um peso maior que o outro em determinada situação, conforme as circunstâncias da situação tornem o valor que ele tutela ou promove mais ou menos necessário. Quanto à adequação, um princípio deve ser aplicado a uma situação quando é adequado para ela, e no que se refere a proporcionalidade em sentido estrito, onde “os ganhos devem superar as perdas” (ALEXY, 2012).
No que se refere ao caso em questão, a adequação exige que os atos realizados pelo agente do Estado devem ser condizentes com os objetivos almejados. A necessidade, ou exigibilidade, corresponde à escolha, dentre as existentes, que seja a menos gravosa ao sujeito que será abordado pela autoridade estatal. Quanto à proporcionalidade em sentido estrito diz respeito ao juízo definitivo da medida sobre o resultado objetivado. Dessa forma quando o agente se utiliza desses critérios assegurando a todos os cidadãos um agir estatal eficiente no âmbito da Segurança Pública e a dignidade da pessoa humana, consegue garantir respeito aos direitos fundamentais (ALEXY, 2012).
Neste sentido é imperioso utilizar-se de um Juízo de ponderação em cada caso concreto, na medida em que a conduta supostamente delituosa pode ser refutada pela parte contrária, não configurando o crime em comento, qual seja desacato. Nesse sentido foi o entendimento jurisprudencial do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, quando do julgamento do seguinte recurso de apelação.
APELAÇÃO CRIME. DESACATO. ARTIGO 331 DO CP. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA MANTIDA. A existência de duas versões conflitantes para o fato, de um lado a do réu, negando o desacato e imputando aos policiais a prática do delito de lesões corporais, e de outro a palavra dos policiais, um deles pai da namorada do réu, com quem já possuía desavenças, impede o juízo condenatório, mormente por estarem ambas corroboradas por prova testemunhal. Hipótese em que se mostra adequada a absolvição, em obediência aos ditames do princípio do in dubio pro reo. RECURSO IMPROVIDO. (Recurso Crime Nº 71005139464, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Ivortiz Tomasia Marques Fernandes, Julgado em 23/02/2015).
(TJ-RS - RC: 71005139464 RS , Relator: Ivortiz Tomasia Marques Fernandes, Data de Julgamento: 23/02/2015, Turma Recursal Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 02/03/2015)
APELAÇÃO CRIME. DESACATO. ARTIGO 331 DO CP. SENTENÇA CONDENATÓRIA REFORMADA. Circunstâncias específicas do caso que criam dúvida sobre a efetiva ocorrência do delito, em razão de divergência nos depoimentos dos policiais inquiridos. Além disso, não restou comprovado o dolo do agente em ofender a honra dos milicianos, levando a crer que o uso de palavras grosseiras, sem intenção de menosprezar a função pública, decorreu de irritação pela abordagem. Absolvição com base no princípio in dubio pro reo. APELAÇÃO PROVIDA. (Recurso Crime Nº 71004742987, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Edson Jorge Cechet, Julgado em 12/05/2014) (TJ-RS - RC: 71004742987 RS , Relator: Edson Jorge Cechet, Data de Julgamento: 12/05/2014, Turma Recursal Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 16/05/2014)
Em entendimento diverso:
CRIME DE DESACATO. PROVA. DOLO. APENAMENTO. Réu que, ao ser abordado por policiais militares, passou a proferir ofensas contra estes. Fatos dessa forma reconstituídos pela prova oral. Alegado abalo emocional do agente que, além de não ter sido comprovado, não tem o condão de afastar o elemento subjetivo do tipo. Crime de desacato configurado. Processos penais em curso não se prestam para considerar como desfavorável a personalidade do agente, na forma da Súmula 444 do STJ. Redução do apenamento para 06 meses de detenção, com a a alteração da pena substitutiva, de prestação de (...) (TJ-RS - ACR: 70044272003 RS , Relator: Marcelo Bandeira Pereira, Data de Julgamento: 15/09/2011, Quarta Câmara Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 06/10/2011)
Deste modo, a depender das circunstâncias em que o fato ocorre, poderá o policial tanto ser sujeito passivo do crime de desacato quanto estarmos diante de um outro crime, como lesão corporal, não configurando, portanto, crime de desacato, ocasião em que deverá ser analisado a adequação e proporcionalidade da medida a ser imposta, adequando-o ou não ao tipo penal insculpido no art. 331, do Código Penal Brasileiro.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em face do que foi exposto ao longo do presente trabalho, o crime de desacato cometido em desfavor da autoridade policial é uma realidade recorrente e motivo de vários questionamentos acerca de sua conduta, eis que temos de um lado a atuação de um funcionário público cujo objetivo é salvaguardar a ordem pública, e de outro, o cidadão, que muitas vezes invoca seu direito de resistência a fim de se esquivar das ordens impostas para manutenção da referida ordem.
Contudo, faz-se necessário uma análise minuciosa da conduta que é tida como delituosa na medida em que esta mesma conduta poderia ser um simples ato de resistência (e nesse caso, não configuraria crime algum), como poderia se amoldar ao tipo penal insculpido no art. 331 do Código Penal Brasileiro.
Assim, a discussão, poder-se-ia dizer, gira em torno de uma análise mais acurada acerca da ponderação de valores tais como o bem da coletividade, segurança pública, direitos individuais, entre outros. A conduta do funcionário público, quando revestida de manifesta legalidade, nesse sentido, não incorre em violação a direitos individuais, tampouco constrange o cidadão que por sua vez tem direito de resistir se a ordem for manifestamente ilegal, mas apenas se assim o for, pois do contrário poderá o mesmo estar diante da prática de um ilícito penal que a depender das circunstancias tanto poderá ser o crime de resistência quanto desacato.
Por fim, impede destacar que o tema, de grande relevância, não se esgota aqui. Ao contrário, merece ser pensado, refletido e discutido adiante, dada a reiteração da prática que ocorre em função do desenvolvimento da atividade policial.
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