Mitos

A primeira coisa que temos de entender é, o porquê da existência dos mitos ? tanto no Egito na Grécia ou em Roma, é que os povos de modo geral eram analfabetos. E aqueles que sabiam ler e escrever ? não detinham conhecimentos científicos que pudessem compreender os fenômenos na natureza nem o comportamento humano, nem os seus sentimentos. Os que sabiam ler e escrever, faziam parte de uma classe superior, que também se valiam dos deuses e seus mitos e para explicar os fenômenos naturais. E através desses mitos o povo em geral se relacionava com as forças da natureza, com os acontecimentos e seus sentimentos.

Assim, os fatos e as crenças são ensinados ? com a criação de deuses e mitos, de modo que possam ser transmitidos oralmente às pessoas buscando normatizar e regular moral e comportamentalmente o modo de vida em sociedade e facilitar a compreensão dos fenômenos da natureza e a lidar com os sentimentos e crenças dos humanos.

Por exemplo, o Império romano domina a Grécia e, surpreendentemente, incorpora a sua cultura, com o cuidado de batizar os deuses gregos com outros nomes, mas com funções semelhantes; são eles: Júpiter ? rei dos deuses, representante do dia. Apolo ? Sol ? patrono da verdade. Vênus ? deusa do amor e da beleza. Marte ? deus da guerra. Minerva ? deus da sabedoria e do conhecimento. Plutão ? deus dos mortos e do mundo subterrâneo. Netuno ? deus dos mares e oceanos. Juno ? rainha das deusas. Baco ? deus do vinho e das festas. Febo ? deus da luz do sol, poesia, da música, beleza masculina. Diana ? deusa caçadora. Ceres ? colheira e agricultura. Cupido ? deus do amor. Mercúrio ? mensageiro dos deuses, protetor dos comerciantes. Vulcano ? metais, metalurgia, fogo. Saturno ? tempo e Psique ? alma.

Para cada fato, ato ou sentimento é criado um deus e sua história, de modo que possam ser transmitidas informações e formas de comportamento ? vinculando sempre um comportamento a uma crença ? a um deus ? é um tempo mitológico, que se estendeu por diversos séculos e abrangeu vários povos ? principalmente, Egipícios, Gregos e Romanos, que chegam até nós, por representarem os mais evoluídos.

Apesar do desenvolvimento dito cientifico, ocorrido a partir do iluminismo ? onde a maioria os fenômenos na natureza foram desvendados, supostamente explicados e devidamente entendidos ? como outros ramos do saber humano; o que propiciou ao nosso século XX ? um avanço tecnológico alarmante ? em cem anos aconteceram mais descobertas tecnológicas do que nos dezenove séculos passados ? transformando toda forma de viver na terra.

Mas, isso significou alteração no interior dos homens, ou ele ainda, continua a cultuar em seu interior os seus deuses e mitos? Seus medos, sua ignorância e sua animalidade?

A igreja católica ? reinou por séculos ? chegando a dominar e gerenciar toda forma de conhecimento, encarregando-se de monopolizar o saber e dar suas razões como as "verdades absolutas", para o viver do homem na terra. Gerando um obscurantismo que durou séculos até a revolta da razão que provocou o aparecimento de um período conhecido como "iluminismo" onde ocorreu o desvendamento dos mistérios que governavam a vida do homem, e da natureza, através da ciência. E do pensamento lógico.

Esse comportamento da igreja, incluí a intenção de demonizar as crenças, baseadas em deuses e mitos, ditas pagãs e desacreditar todo conhecimento oriundo múltiplos deuses.
Buscando firmar sua ideologia em um deus único que ensinava tudo quando o homem pudesse vir a precisar, segundo sua ideologia. Entretanto, junto com esse deus único e verdadeiro, surgiram novos mitos ? os santos da igreja. E assim, inicia-se uma nova era cultuando-se não os mitos Gregos ou Romanos ? mas sim os mitos católicos, com as mesmas características e funções. São Pedro ? guardião das Chaves do céu, S. Antônio ? Santo casamenteiro, S. Francisco, guardião dos animais. Santa Luzia ? Protetora da vista - etc. Aliais, como acontece em quase toda fé praticada pelo homem ? na Umbanda no Candomblé e seus santos, que procuram se identificar com as forças da natureza, por exemplo.

Há quem vá advogar que as Igrejas ditas protestantes não cultuam os santos ou mitos, mas na pratica do dia a dia, estão a cultuar os seus pastores e oficiantes como milagreiros e a demonizar os ritos e práticas de outras crenças. Enfatizando a sua crença no deus "dinheiro" como a maior benção a ser alcançada, na vida terrena. Dando assim origem ao capitalismo selvagem que vivemos hoje. Que se caracteriza fortemente pela ausência de freio moral que impeça a o ganho financeiro e o acumulo de bens materiais.

Não podemos aqui julgar essa ou aquela ideologia como a mais correta ou eficaz. Todas são boas na medida que preserve a amorosidade do homem e o faça evoluir espiritualmente. Onde houver homem e práticas diversas haverá conflitos ideológicos. O que se nota é que não houve mudanças nas crenças, apenas uma substituição e atualização de mitos.

Assim, ao cruzarmos a faixa do século vinte, chegamos ao século XXI, conhecendo os mitos e deuses do passado ? que permaneceram vivos com suas histórias ? para uma elite intelectual e estudiosos, como também vivo está o culto ao deus único, para as igrejas e para os crentes que infestam todos os bairros de todas as cidades. Por isso, a questão a ser respondida se torna de crucial importância: Essa profusão de crenças, essa evolução tecnológica cientifica, fez o homem de hoje melhor do que aquele que viveu no passado?

Os jornais, a televisão, as revistas, os livros, e o rádio: a mídia em geral, me dizem: tecnicamente é outro homem ? porque lida com um profundo conhecimento e sabe tirar dos materiais e das inteligências, coisas que no passado eram consideradas como impossíveis. Mas, como ser humano essa evolução ainda não foi sentida. O espírito do homem de hoje ainda se revela o mesmo bárbaro que no passado invadia cidades e matava todos em busca de enriquecimento e prazer. O homem de hoje se revela o mesmo do passado, infelizmente.

Nos dias de hoje, vemos contristados que existem o surgimento de outros deuses, a governar os homens ? que como os deuses Gregos ou Romanos, mantém a característica de encarnar todos os defeitos humanos e agregar uma função fundamental distinta daqueles. A qual precisamos conhecer, para compreender o seu comportamento.

Como sabemos, vivemos sob a égide de uma ideologia capitalista ? uma onda globalizada que tomou conta não de um país, mas sim de todos os povos da terra ? onde o deus a ser cultuado é o deus "dinheiro" ? a sua crença é lucro, as suas catedrais são as lojas de departamentos, os Shopping Center. A profissão de fé se baseia, unicamente em acumular bens materiais e gozar os benefícios dados pela posse do dinheiro. Sem qualquer senso de moralidade a impedir ou a obedecer, que possa normatizar ou humanizar as relações entre os homens.

A busca sob a égide dessa ideologia ? é uma só: fazer sucesso, enriquecer. Sem se importar com o seu semelhante ? constitui um modo de vida onde o individualismo, o egocentrismo se fazem presentes e necessários. E como corolário desse comportamento temos a hipocrisia como companheira ? porque o que se diz é justamente que nós trabalhamos para o bem geral e a nossa principal preocupação é o próximo, mas a realidade buscada é apenas e tão somente o meu prazer e meu bem estar, independentemente, se o meu irmão africano, ou do interior do Estado, ou meu vizinho de porta vá sofrer com e por conta de minha riqueza, ou do meu comportamento.

Podemos exemplificar como mitos vivos de hoje figuras como, por exemplo: os magistrados. São como novos deuses ? que convivem e trabalham para supostamente formar uma sociedade justa e progressista, mas na realidade está muito longe de ser sequer sonhada.

Esses deuses tem assegurado constitucionalmente (artigo 95) prerrogativas que nenhum ser humano jamais teve, como: vitaliciedade ? adquirida após dois anos, nenhum juiz perderá seu título ? inamovibilidade ? nenhum magistrado pode ser movido de seu cargo e irredutibilidade ? nenhum juiz perde seu salário. E ainda, pode ser alçado a um grau superior ? isto é, podem ser nomeados Desembargadores ou Ministros ? que lhe asseguram poderes cumulativos inimagináveis.

Esses deuses tem o poder de criar justiça e dar ou não liberdade aos homens, mas o que vemos: se transformam em meros leitores de lei, coisa que qualquer bacharel medianamente formado, pode fazer com sucesso.

Esclarecendo: esses deuses são homens preparados com os mais refinado e profundo conhecimento de legislação, sociologia, psicologia, lógica etc, são selecionados exaustivamente dentre os melhores de sua geração, para exercer essa função e o que vemos na prática são decisões que nada tem a ver com visão humana ou social, se prendem a "ler" a lei, embasam suas decisões em leis que foram promulgadas a sessenta anos. Retrogradas, portanto.

E sabemos nós que a sociedade e seu comportamento sempre avança no tempo adiante da lei escrita, então perguntamos: como julgar casos e fenômenos atuais com leis antigas? Simples os novos deuses da justiça não estão focados na ideologia e regular de normatizar a sociedade, mas estão somente focados no seu umbigo, no seu cargo, no seu bem estar material e financeiro.

Aqui p´ra nós, para "ler" a lei e "dizê-la", não precisaríamos de um super deus.

Outro deus que surge em nosso meio ? é o senhor da vida e da morte ? falamos dos homens de branco ? aqueles que se acham superiores aos demais, pelo argumento de terem eles estudados por seis anos e mais dois de residência, a um custo mensal de três mil e quinhentos reais de prestação, ou feito uma especialização qualquer. São homens que a sociedade premia com a possibilidade de se estabelecer com bens materiais sonhados, rapidamente. Enquanto outras profissões são somente alcançáveis em trinta ou quarenta anos de trabalho. Os homens de branco tem a faculdade, se conhecerem sua profissão, conseguir nos cinco ou seis anos de desempenho ? sua casa ou apartamento, seu carro do ano, e outros bens que fazem a vida moderna um paraíso de facilidades, nunca antes sonháveis.

E apesar desses prêmios proporcionados pela sociedade ? esses deuses, se lamentam e prestam um serviço de quinta categoria aos seus clientes. Vejam as filas nos hospitais, clinicas, postos de saúde, laboratórios, consultórios ? são movidos apenas e tão somente pelo desejo de riqueza e seus benefícios. Vejam o descaso com que somos atendidos.

Mesmo aqueles que trabalham para os planos de saúde, não tem em conta a obrigação de atender bem a seus pacientes. Qualquer deles quando instados por uma consulta, só tem vaga para noventa ou cento e vinte dias, como se a infecção pudesse ser paralisada e a dor possa esperar. Buscando com esse procedimento, obrigar o paciente a pagar uma consulta particular quatro ou cinco vezes o valor pago pelo plano de saúde.

Tudo, absolutamente tudo, é conduzido pela sociedade para tratar o médico como um deus da vida e da morte. Com isso o enriquecimento é garantido, seja por vias de consultas, procedimentos operatórios ou por benefícios auferidos por via de laboratórios de exames e/ou laboratórios de produção de medicamentos.

Esqueceram de validar na consciência dos homens de branco o julgamento de Hipócrates.

Podemos exemplificar ainda ? outro deus ? criado modernamente em nossa sociedade, aqueles jornalistas que se "acham" os donos da verdade e da razão. Podem através de seus escritos, de suas entrevistas ofender, bisbilhotar, afrontar leis e direitos e julgam-se acima do bem e do mal.

Com a ideologia de hoje, buscam o escândalo e toda sorte de confrontos e opiniões diversas, para criar "notícias" e assim fabricar sucesso e audiência para suas emissoras, rádios, jornais e televisões. Na busca, naturalmente, de faturar mais com anúncios e publicidades. Não existe nem por sombra um preocupação de informar ou educar, com isenção.

Poderemos ainda exemplificar como deuses modernos ? os grandes comerciantes, donos de grandes conglomerados empresariais, que juntamente com seus pares políticos, agregam uma formidável conjugação de poderes. Transformando-se em deuses supremos a conduzir pessoas como gados, por caminhos que resultem sempre em maiores ganhos, para si e suas respectivas empresas, independentemente, do sofrimento geral ou particular de quem quer que seja.

É assim, pensamos estar vivendo uma ausência de deuses e mitos e cremos estar vivendo um tempo cientifico tecnológico, mas cada vez mais nos atolamos na crença de que somos livres e cada vez mais nos enredamos nas teias da exploração. O homem nunca vai abandonar suas crenças, seus mitos e os deuses que habitam seu espírito. Pode mudar de nome, de imagem ou de forma, mas sempre haverá um a quem possamos nos agarrar para confortar nossas ignorância.

Hoje, vivemos em meio a grandes grupos de deuses, como exemplificado acima, que somente se preocupam na sua realização e muito pouco na prestação de serviços e crescimento da sociedade como um todo, esperamos seja até que um novo iluminismo surja, até que sonhemos na possibilidade de gerir nossa vida com uma verdadeira educação e saber, onde o conhecimento signifique a medida da escolha.

É claro que nisso não temos nenhuma dúvida ? não haverá um socialismo onde todos sejam iguais e tenham acesso a benefícios igualitários, porque os homens são diferentes, e diferente será a recompensa, por seus feitos. O que ansiamos e pregamos é que possamos atingir um grau de menos animalidade e mais compreensão entre os homens, onde aquele que se dispõe a fazer justiça ? mantenha o foco nisso, aquele que se dispõe a curar doenças, se dedique a isso precipuamente e não a enriquecer desmesuradamente; e aquele que visa informar tenha em mente a distinção que criar tumultos não significa melhor informar. Enfim, buscamos sonhar uma sociedade onde a busca da riqueza tenha por limite a moral e o respeito à vida e, principalmente, se possa dar ao menos afortunado em seus talentos pessoais, uma forma digna de sobrevivência sem as agruras que hoje submetemos indiscriminadamente a todos.

Aspirar que haja justiça a todos igualmente, onde não há, não é ser revolucionário. Aspirar haver profissionalismo e atendimento humanitário, onde reina cobiça e ganho fácil, não é ser revolucionário. Aspirar ser informado, de fatos comprovados e ser orientado diariamente para o bem, sem essa preocupação doentia e belicista reinante, não é ser revolucionário. Constitui apenas um desejo legítimo de quem ama seu país e não quer ver aprofundar nele as desigualdades, e se sente doente ao cruzar nas esquinas com crianças maltrapilhas e famintas, jogando um limão p`ra cima e pedindo um trocado, porque é de nossas responsabilidade que não seja assim.

Porque um país sadio, não se faz com velhos doentes e crianças maltrapilhas, mas sim com profissionais responsáveis que possuem dentro de si um deus de bondade e de consciência, que o faz irmão dos seus irmãos, pais de seus país, e amigo de seus amigos. Porque é crendo nos deuses e no bem, no belo e no justo que seremos seres humanos melhores do que aqueles que viveram no passado. Afinal em alguma época haveremos de crescer como gente.

Apolinario de Araujo Albuquerque Rio, 25 abr 2011.