MITOS, CRENÇAS, LENDAS E REALIDADES

Por Evanio Araujo | 17/02/2009 | Crônicas

Fui criado em meio a mitos, crenças, lendas e realidade. Lembro-me que nasci no interior de Mato Grosso, e a minha casa ficava numa rua chamada Curral de Açougue, e ali, vivi uma boa parte da minha vida. O nome em si já sugere, pois era um lugar onde se matava os bois para distribuir aos açougues da cidade, e esse lugar fazia, justamente, limites com o quintal da minha casa. Era algo sombrio, pois não havia energia elétrica na época, somente o brilho da lua e das estrelas iluminavam o ambiente, e nas  noites frias, olhavamos e dava para ver apenas manchas negras dos arbustos, que nos metiam medo. Muitos mitos e lendas corriam naquela região, "mula sem cabeça", "a carroça que passava a disparada a meia noite e sem cavalo", "porco espinho", "lobisomem" e "mãe d'ouro". Isso nos fazia durmir trêmulos diante dos contos de nossos pais, tios e avós, que nas noite de inverno, até altas horas ficavam conosco à beira de uma fogueira, assando mandioca, milho e batata doce, para espantar o frio. No meio daquela terra, que tornou-se abandonada com o passar dos anos, haviam muitos buracos, grutas esquisitas e sombrias, uns diziam que era ali que os escravos cavavam em busca de ouro e também corria um boato que alguém havia tirado um "enterro" e era um baú cheio de ouro.

Na sexta feira santa, as lendas e mitos emergiam com grande ímpeto, ninguém caçava, pescava, ninguém comia carne vermelha, ninguém limpava casa, poucos desafiavam sair depois das 19 horas, pois, tinham medo de encontrar com um desses personagens a meia noite. Essa onda de pavor, misturado com o terror, tremor, contos, lendas e mitos, durou até início dos anos oitenta, depois uma leva de garimpeiros chegaram à Poconé, imbuidos de ganância, arregaçaram as mangas e destemidamente começaram a explorar aquela região. Logo um povo com uma nova forma de vida, usos e costumes diferentes aos nossos foi se instalando naquele lugar; a cultura mudou, as lendas e os mitos não conseguiram sobreviver a essas transformações e foram aos poucos sendo extirpados. Hoje, longe daquela cidade e também daquele passado, trago essa vaga lembrança na minha mente, e posso entender que os antigos tinham razão, todos aqueles mitos e lendas representavam uma realidade que somente aquele povo sabia entender, guardar e respeitar, mas que com a aculturação não conseguiu subsistir. Percebo que esses mitos e lendas eram como que, lúdico, didático, uma forma de expressar a realidade do nosso povo. Pois, eram eles quem nos prendiam para não ficarmos até tarde da noite perambolando pelas ruas escuras; eram alguns deles que contribuiam no controle da caça e da pesca e com o desaparecimento deles, alguns animais hoje estão em extinção. Entre todos os mitos  e lendas, "a mãe d'ouro",  foi uma que, entre muitos se destacou, pois foi ela quem representou a realidade da vinda dos garipeiros para aquela cidade, sim, e foi por trás de uma dessas crenças, que estavam escondidas toneladas de ouro, que contribuiram, e muito, com a riqueza de alguns naquela pacata cidade, e também com a economia do Estado de Mato Grosso.