UNIVERSIDADE ESTADUAL VALE DO ACARAÚ – UVA

CENTRO DE LETRAS E ARTES

CURSO: LETRAS HAB. EM LÍNGUA PORTUGUESA

DISCIPLINA: LÍNGUA GREGA I

PROFESSOR: KLÉBER ROCHA

Mito e Literatura em: Mulher Serpente¹

Susana Ramos de Vasconcelos Batista ²

RESUMO: Este trabalho mostra que o mito é utilizado para exteriorizar a maneira comopercebemos o mundo e o sentimento daquilo que nós não conhecemos, tenta explicar o sobrenaturale se utiliza de metáforas para fazer comparações. Mostra a inseparável conexão estabelecida entre ohomem, o mito e a literatura. O objeto de estudo foi a história da Mulher Serpente, mito da cidade deVarjota. O estudo foi feito por meio de pesquisa bibliográfica e de campo. Como base para a pesquisa foram utilizados os autores: CASSIRER (1972), ELIADE (2002), TODOROV (1975).

PALAVRAS-CHAVE: Mulher Serpente. Mito. Homem. Literatura. Gênero Fantástico.

¹ Artigo científico elaborado na disciplina de Língua Grega I, ministrada pelo professor Kleber Rocha esolicitado como requisito parcial para conclusão da disciplina, acima citada, no Curso de Letras Hab. em Língua Portuguesa da Universidade Estadual vale do Acaraú.

² Susana Ramos de Vasconcelos Batista, Acadêmica do 2° Período do Curso de Letras da Universidade Estadual Vale do Acaraú-UVA.

1 INTRODUÇÃO

Esse artigo foi elaborado como requisito fundamental para obtenção de nota referente à segunda avaliação parcial. Tem por maior objetivo a tentativa de encontrar uma definição para esse fenômeno cultural chamado mito. Busca elucidar e estabelecer as conexões existentes entre mito e literatura.

 A relevância deste estudo está na tentativa de reconhecimento e valorização das narrativas orais que são transmitidas através dos tempos. Destacar sua importância na formação da identidade cultural popular da região do mito A Mulher Serpente.

A pesquisa bibliográfica teve como principais autores estudados: CASSIRER (1972), ELIADE (2002), TODOROV (1975), através dos tópicos presentes Conceituação de Mito; A Narrativa Mítica em Mulher Serpente; Literatura em Mulher Serpente. O presente artigo vem a acrescentar os conhecimentos e a relação entre mito e literatura, além de servir como base para outros estudos na área das narrativas orais.

2 CONCEITUAÇÃO DE MITO

O mito apesar de ser um conceito não definido de modo preciso e unânime, constitui uma realidade de reflexão a cerca do ser humano de caracter fundamental, pois ele não só representa uma explicação sobre as origens do homem e do mundo em que vive, como traduz através de simbologia o modo como um povo ou civilizalização tenta entender e interpretar a sua existência. Pois ele é uma narrativa tradicional de conteúdo religioso ou sobrenatural, que procura explicar os principais acontecimentos da vida por meio do sobrenatural. 

O mito é uma realidade cultural extremamente complexa, que pode ser abordada e interpretada através de perspectivas múltiplas e complementares [...] Em outros termos, o mito narra como, graças às façanhas dos Entes Sobrenaturais, uma realidade que passou a existir, [...]. É sempre, portanto, uma narrativa de uma “criação”: ele relata de que modo algo foi produzido e começou a ser. O mito fala apenas do que realmente ocorreu,[...].(ELIADE, p.11 ,2002).

O mito só fala daquilo que realmente aconteceu, do que realmente se manifestou, as suas personagens principais são seres sobrenaturais, conhecidos devido aquilo que fizeram no tempo da criação. Os mitos revelam a sua atividade criadora e mostram a sobrenaturalidade ou a sacralidade das suas obras. Em suma, os mitos revelam e descrevem as diversas e frequentementes eclosões do sagrado ou do sobrenatural no mundo. É esta “aparição” do sagrado ou do sobrenatural, que funda, que dá origem ao mundo tal como ele é hoje. Sendo também graças à intervenção de seres sobrenaturais que o homem é o que é hoje. Pois é através do mito que se funda a tradição de um povo. É o acontece com a historia da mulher serpente, que é a maior forma de identificação cultural do povo que a conta.

O mito, por ser uma história de cunho oral, a medida que é contada, assume várias versões. Toda vez que um mito é contado, ele pode ser recriado por quem o conta, mas, isso não diminui o aspecto verdadeiro do mito, são apenas formas diferentes de se contar a mesma história. 

A história Mulher Serpente apresenta outras versões, sendo a mais difundida na região a que não se atribui a face de mulher à serpente, sendo ela, de grande tamanho. Nessa outra versão conta que o açude, quando está no período de “sangria”, se na madrugada se ouvir uma espécia de “roncar” oriundo do açude, é a serpente anunciando que nos próximos dias acontecerá morte nas águas do açude, e no máximo depois de três dias, a morte pré anunciada acontece.

3 A NARRATIVA MÍTICA EM MULHER SERPENTE

Para muitos, quem conta um mito não fala a verdade, porém, a verdade, está na sua Interpretação, vai depender de quem ouve o mito, e na identidade cultural de quem o preserva, nesse sentido, a verdade se torna relativa. 

O mito é considerado uma história sagrada e, portanto, uma “história verdadeira”, porque sempre se refere a realidades. O mito é “verdadeiro” porque a existência do Mundo aí está para prová-lo; o mito da origem da morte é igualmente “verdadeiro” porque é provado pela mortalidade do homem.(ELIADE, p.12, 2002).

O mito verbaliza a tradição de um povo, narra histórias de acontecimentos de cunho superior, que são de fundamental significado para determinada comunidade ou sociedade. 

Ainda que de forma mais reduzida, por motivos que advém da modernidade que se faz presente na atualidade, a oralidade e credulidade são fatores que ainda existem na história Mulher Serpente. Pois, ainda encontra-se quem conte e quem escute esse mito.

“Um grupo preparou suas canoas e saiu para tentar descobrir o que era aquilo que vinha acontecendo. Após vários dias de espera, uma canoa com alguns homens, retornou à nova vila. Os homens apavorados, disseram que viram uma enorme serpente que tinha o rosto da mulher pescadora, encontrada morta à beira do açude”. (LINO, depoimento, em anexo).

Pode-se afirmar que em Mulher Serpente, está presente o mito, pois está presente o aspecto sobrenatural. Através da transmissão oral, de uma história considerada como verdadeira, para os moradores da região onde se deu os acontecimentos dos fatos, tenta-se explicar, o desaparecimento de vários pescadores na época da criação do açude Araras (Paulo Sarasate), município de Varjota – CE, que se deu a partir da morte de uma mulher que vivia com os pescadores e que se sustentava com o que conseguia pescar. O sobrenatural se evidencia na transformação da mulher em uma serpente que mantêm o rosto humano.

A principal função do mito consiste em revelar os modelos exemplares de todos os ritos e atividades humanas significativas: tanto a alimentação ou o casamento, quanto o trabalho, a educação, a arte ou a sabedoria. Essa concepção não é destituída de importância para a compreensão do homem das sociedades arcaicas e tradicionais. (ELIADE, p. 13, 2002).

O mito tem o papel fundamental de identificação entre o homem e história mitíca. Retrada através de imagens as características do povo que o conta. O mito tem o poder, enquanto linguagem, de revelar o sentido real e verdareiro de um grupo social.

Em Mulher Serpente se revela a posição do homem e o seu trabalho, e das dificuldades que devem ser superadas todos os dias para se conseguir vencer na vida. Nessa história se atenua o fator medo, pois, os pescadores daquela região eram acostumados em pescar em pequenos rios ou em açudes de pequeno porte. Ao se depararem com o gigante Araras, perceberam o grande desafio que seria o ato de trabalhar e que ao sair de casa para a pescaria estariam arriscando a própria vida. O medo era exteriorizado por eles de maneira abstrata. 

O homem, quisesse ou não, foi forçado a falar metaforicamente, e isto não porque não lhe fosse possível frear sua fantasia poética, mas antes porque devia esforçar-se ao máximo para dar expressaõ adequada às necessidades sempre crescentes de seu espírito. (CASSIRER, p. 103, 1972). 

O homem se utiliza da linguagem metafórica, para se referir a aquilo que não consegue ver, não consegue pegar, e não consegue entender, e usa apenas para aquilo que consegue sentir. Sempre que se fala de algo que não é palpável, usa-se a metáfora e é através dela que o homem exterioriza e tenta explicar seus medos, angústias, dentre outros sentimentos.

4 LITERATURA EM MULHER SERPENTE

Segundo Todorov (1975), “o estranho como um tema da teoria literária, o qual vai avizinhar-se do tema do fantástico e do tema do maravilhoso”. Refere-se à Literatura Fantástica, como um gênero literário específico, que se constitui diante de uma hesitação entre a realidade conhecida e uma realidade de leis que divergem do mundo, por assim dizer, empírico, ou seja, Todorov (1975) “o conceito de fantástico se define, pois com relação aos de real e de imaginário”,. Assim, o gênero fantástico é fruto de uma hesitação que não pode ser esclarecida ao longo da narrativa, com o risco de “escorregar” ou para a narrativa do estranho, ou para a narrativa do maravilhoso, gêneros que o rodeiam, mas que o excluem, quando de sua presença. É o que acontece em Mulher Serpente, o real e o imaginário se fundem a ponto de não poderem mais ser separados.

O fantástico ocorre nesta incerteza; ao escolher uma ou outra resposta, deixa-se o fantástico para se entrar num gênero vizinho, o estranho ou o maravilhoso. O fantástico é a hesitação experimentada por um ser que só conhece as leis naturais, face a um acontecimento aparentemente sobrenatural. (TODOROV, 1975, p. 31).

Em Mulher Serpente, o acontecimento sobrenatural, faz a conexão entre mito e literatura. Nessa perspectiva, a narrativa mítica, se deixasse de ser ouvida para ser lida, ou seja, se passasse da oralidade para a escrita, assumiria o gênero literário da literatura fantástica. 

[...] uma mulher, que vivia, como os homens, da pesca, assim como o meu pai, morreu e foi enterrada naquele cemitério poucos dias antes de ele ficar debaixo d`água. Depois de algum tempo, começaram a desaparecer vários pescadores, [...] Um grupo preparou seus barcos e saiu para tentar descobrir o que era aquilo. Meu pai conta que todos voltaram se tremendo de medo, pois disseram que viram uma enorme serpente que tinha o rosto da mulher pescadora [...](www.literaturafantastica.pro.br/serpente.html)

De acordo com Todorov (1975) “o fantástico se define como uma percepção particular de acontecimentos estranhos”, ou seja, a leitura de um conto fantástico suscita diferentes conclusões, cada leitor faz sua própria interpretação.

Dentro da história Mulher Serpente o fantástico, a metáfora e a realidade se misturam dando origem a literatura. O foco do gênero fantástico parece estar sobre um presente contínuo, diversamente do seu vizinho estranho, que remete ao um tempo passado, de fatos já conhecidos, ou ainda do maravilhoso, que coloca seu mundo num devir, no futuro, visto que trata de fatos que poderão acontecer, mas que até o presente momento não se realizaram no mundo empírico.

Dessa forma, tem-se o estranho, quando o leitor e/ou a personagem decide pela permanência das leis da realidade, sendo possível a explicação do fenômeno estranho; e tem-se o maravilhoso, quando o leitor e/ou a personagem opta pela admissão de novas leis da natureza, pelo qual, o fenômeno pode ser explicado.

5 CONCLUSÃO

Conclui-se que o mito faz-se presente em A Mulher Serpente, e que essa narrativa de aspecto sobrenatural, é uma forma dessa sociedade exprimir suas dúvidas, crenças, medos e paradoxos. E que com todos os meios de comunicação que permeiam na sociedade, ainda é contada oralmente na região de onde a referida história se origina.

Nesse contexto essa história possui características plausíveis para se tornar literatura escrita, pois se encaixa no gênero fantástico.

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CASSIRER, Ernest. Linguagem e Mito. Trad. J. Guinbung e Mirian Schnaiderman. São Paulo: Perspectiva, 1972.

ELIADE, Mircea. Mito e Realidade. Trad. Póla Civelli. São Paulo: Perspectiva, 2002.

TODOROV,Tzvetan. Introdução à Literatura Fantástica. São Paulo: Perspectiva,1975.

(www.literaturafantastica.pro.br/serpente.html).

ANEXOS

A Mulher Serpente ³

“Quando o açude começou a pegar água pela primeira, todos os moradoresdo Antigo Araras Velho, vila de pescadores que deu origem a atual cidade deVarjota, tiveram de abandonar suas casas, pois tudo seria coberto pelas águas doAçude.

Naquele tempo vivia uma mulher, pescadora, que se sustentava através doseu próprio trabalho e que servia de companhia aos homens que ali pescavam, eque não trouxeram suas esposas.

 Um dia, aos primeiros raios do sol, acharam essa mulher nas proximidades da vila, já sem vida. A mulher estava às margens do açude, com o corpo coberto pelas águas, só com a cabeça fora da água. Não se sabia ao certo o motivo de sua morte. Os pescadores, os que ainda não tinham se mudado para o novo local de moradia, ficaram bastante assustados e resolveram enterrá-la no cemitério da própria vila, que já estava quase todo submerso. Algumas horas depois do enterro a cova da mulher já estava completamente submersa. 

Depois de algum tempo, começaram a desaparecer, vários pescadores que saiam para pescar no açude e não voltavam mais. Todos os moradores da nova vila de pescadores ficaram com muito medo.

Um grupo preparou suas canoas e saiu para tentar descobrir o que era aquilo que vinha acontecendo. Após vários dias de espera, uma canoa com alguns homens, retornou à nova vila. Os homens apavorados, disseram que viram uma enorme serpente que tinha o rosto da mulher pescadora, encontrada morta à beira do açude.

Ela atacou uma das embarcações e matou os homens que nela estavam. Até hoje, os pescadores evitam ir pescar na região onde se encontra a antiga vila Araras, na época em que o açude renova suas águas.”

______________

³ História contada oralmente por Manoel Ferreira Lino, morador da cidade de Varjota - CE e coletada pela acadêmica Susana Ramos de Vasconcelos Batista, 2º período do Curso de Letras da Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA.