MÍNIMO EXISTENCIAL, RESERVA DO POSSÍVEL E O PAPEL DO ESTADO E DO PODER JUDICIÁRIO.

Álvaro Mota Florência Filho

RESUMO

No presente trabalho, busco compreender de forma esclarecedora o conceito de mínimo existencial para uma vida digna e seu alcance. Além disso, buscaremos encontrar a essência de sua aplicação no caso concreto e quais os limites de sua utilização quando colocado em confronto com os princípios da reserva do possível e os demais direitos fundamentais elencados no art. 5º da Constituição Federal da República Federativa do Brasil.

Palavras-Chaves: Princípio, mínimo existencial, direitos fundamentais.

SUMÁRIO

1. Introdução 2. Conceito 3. O mínimo existencial e a reserva do possível 4. Referências.

1. INTRODUÇÃO

O mínimo existencial está diretamente ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana pois ambos buscam assegurar ao jurisdicionado as condições mínimas que possibilitem uma vida digna. Diante disso, surge o papel do Estado como garantidor/efetivador dessas condições essenciais a vida do ser humano.

A dignidade da pessoa humana, na condição de instituto jurídico, deve ser entendida como o arcabouço de direitos e prerrogativas que garantem ao homem uma existência digna, baseada nos princípios da liberdade e da igualdade. Assim sendo, o princípio da dignidade humana consistiria no próprio fundamento das democracias sociais. (OLIVEIRA, 2016)

Fica clara a relação entre os institutos da dignidade humana e o mínimo existencial conforme exposto acima. Dessa forma devemos mencionar como esse princípio vem ao longo dos últimos anos ganhando cada vez mais destaque na jurisprudência do STF.

O princípio do mínimo existencial ganhou notoriedade na jurisprudência pátria recentemente, começando a ser aplicado mais efetivamente pelo STF a partir de 2004, sendo fato que a maior incidência se dá no tratamento de saúde, seja com o fornecimento de medicamentos ou alimentos, o paciente muitas vezes por não possuir condições financeiras de arcar com os custos, recorre ao Estado. Este na maioria dos casos nega e o paciente recorre ao judiciário para conseguir o fornecimento.

Diante do exposto é necessário analisar o princípio do mínimo existência sob duas óticas: a primeira refere-se à necessidade, a qual deve ser comprovada no caso concreto e a segunda possibilidade do Estado, estamos aqui diante de outro princípio a saber: o da reserva do possível. Em face disso, nos perguntamos é possível a garantia das condições mínimas de sobrevivência ao cidadão pelo Estado?

A resposta à pergunta levantada acima não é tão simples, afinal, ao destinar parte de seus recursos para garantia de direitos individuais o Estado acaba prejudicando o orçamento que seria destinado as políticas públicas coletivas. Dessa forma, é necessária cautela para que direitos individuais não se sobreponham aos direitos coletivos prejudicando a coletividade.

2. CONCEITO

A definição do princípio do mínimo existencial é sem dúvidas matéria de muito discursão, no entanto concordamos com definição dada por Antônio Pires conforme expomos abaixo:

O mínimo se refere aos direitos relacionados às necessidades sem as quais não é possível “viver como gente”. É um direito que visa garantir condições mínimas de existência humana digna, e se refere aos direitos positivos, pois exige que o Estado ofereça condições para que haja eficácia plena na aplicabilidade destes direitos. (PIRES, 2013)

Portanto, vemos que o mínimo existencial diz respeito ao mínimo necessário para que uma pessoa tenha uma vida considerada como digna. Nesse ponto relembramos a relação direta que existe entre o princípio da dignidade da pessoa humana e o princípio do mínimo existencial. Sendo que ambos garantem ao ser humano os direitos fundamentais, os quais, destaca-se saúde, alimentação, educação e moradia. 

Já no que diz respeito ao princípio da reserva do possível existe a dificuldade não talvez na sua definição pois o mesmo diz respeito aos recursos públicos disponíveis para arcar com gastos sociais, os quais, tem sua destinação definida em lei. O problema é que apenas uma porcentagem desses recursos pode ser destinada para gastos extraordinários, entre estes, estão os com tratamentos de saúde.

Também devemos conceituar o princípio da dignidade da pessoa humana para melhor nos situarmos ao objeto do presente trabalho. Esse princípio pode ser entendido como um garantidor e efetivador do princípio do mínimo existencial. Afinal a dignidade humana passa por um núcleo mínimo de direitos e deveres que configuram uma vida digna.

3. O MÍNIMO EXISTENCIAL E A RESERVA DO POSSÍVEL

 

            Cabe ao Estado o dever de prestação dos direitos sociais, os chamados direitos de segunda geração. Esses direitos encontram-se dispostos no art. 6º da Constituição Federal de 1988, os quais caracterizam-se como direitos positivos do cidadão. Entre os direitos mencionados estão a saúde, educação, moradia e alimentação. Tais direitos são indispensáveis para que o indivíduo tenha a efetivação do supraprincípio da dignidade da pessoa humana, o qual restaria prejudicado sem a disponibilização desses direitos pelo Estado.

            É nesse momento que se discute a coalisão entre os dois princípios em analise quais sejam o da reserva do possível versus o do mínimo existencial. Para sabermos qual será aplicado devemos analisar cada caso concreto, afinal não se pode utilizar de um ou de outro ilimitadamente.

            Estabelecer os limites de aplicação dos princípios talvez seja uma das maiores dificuldades enfrentadas pelo Judiciário brasileiro, pois todos os dias o mesmo é colocado diante de casos em que os jurisdicionados não tem condições de arcar com as despesas de um tratamento médico-hospitalar e dessa forma precisam que o Estado custei com o dinheiro público seus tratamentos.

            Diante do exposto, podemos falar no conflito também do princípio da reserva do possível com o princípio da dignidade da pessoa humana, pois é verdade que este possibilita ao cidadão as condições mínimas para se ter uma vida digna, e não há que se falar em vida digna sem que se garanta um tratamento de saúde a que dele precisa.

            Voltando-se os olhos para o princípio da reserva do possível. Pois, nas palavras de MACHADO:

“Verificam-se que as normas constitucionais, por serem normas de direito público, no mais das vezes, exigem dispêndio de dinheiro. A existência de recursos configura uma limitação econômica e real à eficácia jurídica dessas normas”.

            E é justamente por depender de dinheiro público que deve ser analisado caso a caso qual princípio deve prevalecer, pois muitas vezes a aplicação de verbas públicas na prestação de direitos individuais prejudicará a prestação de direitos coletivos, sendo necessário sopesar qual é mais urgente no dado momento.

            Se se optar por aplicar o princípio da mínimo existencial o judiciário muitas vezes utiliza como fundamentação a hipossuficiência do paciente em face do poderio econômico do Estado. Se o princípio a ser utilizado for o da reserva do possível encontra-se como fundamentação a limitação imposta pela lei a gastos fora da previsão legal.

            Portanto, fica clara a dificuldade em se determinar qual princípio deverá ser aplicado e talvez por ser também nossa intenção com o presente trabalho deixamos para os leitores que buscam uma solução para o conflito principiológico em analise tentar decifrar uma resposta viável de qual dos princípios deverá prevalecer.

            No nosso humilde entendimento, não há como se falar em uma solução definitiva, pois o que rege essa coalisão de princípios é o caso concreto, e somente diante de cada caso é que será dada uma resposta, sendo que essa nem sempre será a melhor ou a mais justa.   

 

REFERÊNCIAS

 

MACHADO, Ivja Neves Rabêlo. Reserva do possível, mínimo existencial e direitos prestacionais. Disponível em http://www.iuspedia.com.br. Acesso em: 14 out 2018.

OLIVEIRA, Antônio Ítalo Ribeiro. O mínimo existencial e a concretização do princípio da dignidade da pessoa humanaRevista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, Ano , 25 jul. 2016. Disponível em: . Acesso em: 10 out. 2018.

SILVA, G. M. O MÍNIMO EXISTENCIAL NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. São Paulo. Ano 2016. Disponível em: . Acesso em: 11 out. 2018.