Eu gosto de sentir que o tempo está deixando as marcas dos seus pés em volta dos meus olhos, e detesto que o chamem de galinha, pois o tempo é um sábio, um marcador divino, um trabalhador e "o senhor da razão".

Gosto que as minhas pálpebras registrem o desgaste das vezes incontáveis que se abriram e fecharam, desde que nasci; e quem mais poderia fazer este belo trabalho, senão o tempo? Também gosto que ele vá marcando a trilha da sua passagem no brilho dos meus olhos, na pele do meu rosto, no meu pescoço e quase imperceptivelmente em todo o meu corpo, até nos meus pés. Assim me dou conta de que minha aparência mudou, mas eu não fui como um livro novinho em folha, mas abandonado numa estante e esquecido de ser lido.

 Minhas rugas sempre me darão conta de que eu sou como aquela velha fôrma super usada, arranhada, meio amassada e sem brilho, que já perdeu a conta de quantas vezes entrou em um  forno quente, mas se sente orgulhosa de sempre ter sido a preferida para assar o bolo da festa! Assim me darei conta de que eu realmente vivi; e que não vivi inutilmente.

 As rugas podem mostrar o ocaso da juventude, mesmo numa vida feliz, mas às vezes elas mostram a tristeza de uma alma ferida pelas procelas de uma vida amargurada. No entanto, sem elas seríamos como as estátuas: inertes, apesar de terem as aparências perfeitas desde o dia em que foram esculpidas. Mas nós humanos temos vida, e a vida começa com o relógio do tempo oscilando o seu pêndulo, no quase imperceptível tique taque de um coração, marcando cada segundo da nossa existência até o desgaste da corda. Mas é ao som dessas batidas que o tempo vai registrando em nosso rosto, em nossos olhos e no cabelo desbotado, cada impacto recebido e cada acontecimento alegre ou triste por que passamos.

 Até no brilho dos nossos olhos estão marcados cada momento de alegria e de amor que nos fizeram felizes, mas neles, também estão registradas cada lágrima caída pelas ilusões perdidas, pelas decepções vividas, pelas sonhos desfeitos e pelas dores que sofremos. Por isso eu amo as minhas queridas rugas, retratos da minha vida.

 Eu gosto das minhas rugas porque ao olha-las no espelho, elas me lembram de quem eu realmente sou agora. Me fazem cair na verdadeira realidade da minha vida, me lembrando que minha mocidade, a cada dia vai se distanciando de mim, e também que, cada dia que se aproxima, infalivelmente estou chegando mais perto do dia em que terei de entregar ao professor a minha prova.

 Eu quero terminar os meus dias com as marcas da minha história gravadas no meu rosto, por isso pouco me importam as linhas de expressão, as rugas e os famosos pezinhos - pegadas do tempo - que me rodeiam os olhos,  avisando de que estou pra lá do meio da estrada, pois eles mostram a todos que eu tenho vivido e enfrentado o próprio tempo e também o vento, claro, mas que estou de pé continuando a lutar. Por isso eu nem ligo para os arranhões no rosto que a vida está me deixando.

Junia - 21/6/2015