MÍMESE NA POÉTICA E A FRUIÇÃO DO BELO

*Por Sebastião Vieira Maia Filho
Arte-educador pela FA7
Pedagogo pela UFC

 

A MUSA APAIXONADA DOS LÍRICOS MONÓDICOS
(VII A V séc. a.C.)
Por Guida Nedna Barata Parreiras Horta 

 

O ofício do poeta não é descrever coisas acontecidas, ou ocorrência de fatos. Mas isso quando acontece, é segundo as leis da verossimilhança e da necessidade. [...] A diferença entre historiador e poeta é a de que o primeiro descreve fatos acontecidos e o segundo fatos que podem acontecer. Por isso que a poesia é mais elevada e filosófica que a história; a poesia tende mais a representar o universal, a história, o particular. A idéia de universal é ter um indivíduo de determinada natureza, em correspondência às leis da verossimilhança e da necessidade. (ARISTÓTELES. Poética,1451a 36 – b 11)

RESUMO 

A diversidade das experiências estéticas singulares e o ato simples de criação pedem silêncio e segredo, pois a despeito disto, por debilidade ou deferência, a arte se torna irredutível ao crivo da linguagem e às formas variadas de conceituação. A filosofia da arte, nesta perspectiva, surge como uma dimensão do conhecimento humano capaz de tornar relativo e problemático as questões ligadas à essência do fazer estético. Desta forma, a filosofia da arte não está na cabeça do filósofo como algo absoluto. Ela vem a ser requerida pelo devir do processo histórico que se formou e se forma em torno da definição das “belas artes” e do prazer “estético”, ou melhor, em torno do que é sensível e subjetivo, que uma obra de arte pode suscitar. É tarefa deste artigo, pois, estabelecer uma relação entre o fazer estético e a filosofia, no intuito de conceituar a arte. Isto, numa concepção de arte enquanto mimese à arte enquanto capacidade de criação sensitiva do homem no seu modo de ser e viver a sua percepção poética da vida.         

PALAVRAS CHAVE 

Arte, artista, belo, catarse, criação, crítica, cultura, desejo, espetáculo, espectador, estética, filosofia, mídia, mimese, poesia, prazer, produção, sentido, sentimento.

INTRODUÇÃO 

Se a história nos mostra que a filosofia da arte surge com Platão, significa dizer que ela começa, paradoxalmente, por uma crítica que condena as “belas artes” e a poesia. Seria um tanto impossível admitir a idéia de uma crítica elogiosa em Platão de uma arte centrada na concepção de beleza em si mesma, pois, este, via no conjunto dessas artes apenas a técnica (tékhnê), a qual não expressava a essência verdadeira das coisas e, sim, uma imitação, uma reprodução mimetizada do absoluto.

Esta concepção de arte voltada para a contemplação do absoluto, no mundo das idéias, pode ser visto e analisado a partir do estudo do texto capital da República (livro X), o qual nos possibilita definir, por sua interpretação, o lugar que ocupa as artes na fundamentação feita por Platão: 

“... Por conseguinte, a arte de imitar está bem longe da verdade, e se executa tudo, ao que parece, é pelo fato de atingir apenas uma pequena porção de cada coisa, que não passa de uma aparição...” (598 c). 

É baseado nessa perspectiva clássica de arte que este artigo buscará articular algumas teorias acerca do conceito, apropriação do conhecimento artístico e desenvolvimento da arte ao longo da história, numa tentativa de estabelecer um paralelo entre a visão de arte enquanto mimese e arte como fonte de prazer sensitivo, ou seja, uma atividade que se justifica apenas em função daquilo que aparece no fim.

A proposta investigativa que aqui se apresenta é a de se partir de uma concepção radicalmente racional do conceito de arte, fundamentada na filosofia platônica, para ir mostrando, ao longo do tempo, as transformações que aconteceram no pensamento histórico-filosófico que influenciaram as modificações acerca do mesmo, até se estabelecer à definição de arte centrada na percepção do fruidor de obras artísticas, para o qual as artes não precisam apresentar-se em função de coisa alguma a não ser elas mesmas e a alegria que fazem nascer.

Tentar articular esse universo teórico sobre arte, enquanto atividade essencialmente humana e suas implicações educativas, políticas, econômicas e religiosas, é o propósito deste trabalho, o qual, ao dialogar com textos de Platão, Aristóteles, Rousseau, Schiller, Goethe, Hegel, Baudelaire, W. Benjamim, Theodor Adorno e, finalmente, Guy Debord, busca, na verdade, mais do que delimitar no tempo o pensamento sistematizado destes filósofos, mas, condensar as variadas posições acerca da arte dentro de um prisma intelectivo de cunho filosófico, histórico e cultural de modo a conduzir o leitor a uma reflexão mais profunda acerca da arte, onde este descubra de uma forma mais apropriada o que seja essa atividade “inútil” que nos fala aos sentidos, provocando em nossos sentimentos, desta maneira, uma certa catarse diante do belo artístico, o qual todos dizem ser esteticamente universal. 

DA POESIA ENQUANTO MÍMESE À FRUIÇÃO DO BELO 

Abordaremos neste artigo: a arte como mimese – distante da realidade das ideias; a arte como expressão da realidade – um meio através do qual se expõe o que há de útil na vida humana; ou, ainda, a arte como uma atividade com um fim em si mesma – onde a justificativa para a sua existência reside naquilo que aparece no final. São estas as três linhas de raciocínio que será articulado neste trabalho, o qual, de forma sintética, tentará mostrar os caminhos percorridos pelos pensadores filosóficos, citados anteriormente, na construção conceitual de arte, enquanto atividade expressiva do homem, ao longo da história.

Nesta perspectiva, iniciaremos por Platão, o qual em sua obra a República, no livro X (595 a), analisa a arte do ponto de vista da mimese. Neste livro, Platão diz que a arte é uma fantasia que nos fala aos sentidos e, por isto, ela é enganosa. Apesar dela conseguir se aproximar e até tocar um pouco da essência verdadeira, no mundo das idéias, ela torna-se estranha aos nossos propósitos quando se coloca no mundo sensível, através das “belas artes”, definindo-a, desta forma, por uma inferioridade ontológica, pelo ponto de vista estético. Talvez a decadência moral grega tenha sido o motivo central das críticas platônicas sobre a arte, sobre as quais devemos ter o entendimento de sua abordagem acerca da regulamentação das belas-artes, pelo fato dos sofistas e artistas empregarem a arte da ilusão: “ A arte exerce sobre o corpo e as paixões uma influência que o legislador deve regulamentar” (Platão. As Leis, 797d, e).

A poesia em Platão, definida pela mimese (imitação), como fora dito anteriormente, não deve ser confundida, de forma imediata, com uma concepção naturalista e realista da arte. A definição da arte como mimese liga-se, de maneira mais profunda, à concepção do ser e da verdade. Quando estamos, por exemplo, diante de uma mesa, dizemos, isto “é uma mesa” (mesmo que ela esteja em desenho), esta afirmação para Platão quer dizer que essa mesa é, pois reconhecemos nela uma identidade e um ser. É justamente esse ser que ele designa por “essência”, “forma” ou idéia.

Ao distanciar-se dessa “essência”, dessa “forma” ou idéia, a arte coloca-se como um análogo da verdade, ela apaga o brilho original da idéia, falseando e obscurecendo, desta forma, a verdade tal como ela é. Eis aí a razão pela qual é praticamente impossível conceber a idéia de arte como expressão da realidade ou com um fim em si mesma em Platão, pois tais concepções exigem a admissão da arte com um papel social de mostrar a verdade das coisas como são e ou admiti-la como uma atividade cuja verdade reside no prazer sensitivo, sem nenhuma interferência extra sensível, respectivamente.

Já a análise dessa temática em Aristóteles, apesar de colocar a poesia também como produção mimetizada da verdade, se diferencia de Platão ao afirmar que essa imitação é o que diferencia o homem dos demais animais, pois, segundo ele, é através dessa representação do real que ele é capaz de chegar a verdade absoluta, ou melhor, é relativizando as suas experiências concretas, formulando e analisando variadas hipóteses acerca da realidade que o cerca, que o homem pode chegar ao “belo”.

De maneira simplificada, Platão e Aristóteles passaram à história como pólos fundadores e opostos do pensamento ocidental porque o primeiro se aproximou do idealismo (voltado primordialmente para o campo das idéias), já o segundo, identificou-se com o realismo (com atenção principal às coisas). Platão se voltou para a vivência interior, a primazia do indivíduo, do sujeito e da vontade, onde a verdade pode ser apenas contemplada, já Aristóteles voltou-se para a experiência prática, a primazia do coletivo, do objeto e da inteligência, onde a verdade pode ser construída Essa relação entre as concepções platônicas e aristotélicas poder ser apreciadas na segunda e terceira estrofes do poema “A Temporalidade da Vida”, do poeta Sebastião Vieira:  

Tempo platonicamente transcendental,
Onde os aspectos sensíveis da vida
São o reflexo do mundo das ideias.
Tempo de uma eternidade imutável, estanque,
Simultaneamente transcendente
À dimensão temporal da realidade.
 
Tempo de acontecimentos concomitantes,
O antes, o agora e o depois,
Já residem na alma, na consciência do homem.
A subjetividade humana,
Já consegue abstrair de um ciclo natural
O dia e a noite, o começo e o fim,
Eis aí o pensamento aristotélico! 

 

Veio, então, o Iluminismo e com ele o conceito de modernidade, cuja característica marcante é ter no centro de sua preocupação o ser humano enquanto ser individual. É a época que consagra os direitos civis, isto é: a liberdade, a privacidade, a propriedade e, sobretudo, a face da igualdade que impede toda a sorte de descriminação. É o momento da defesa do ir e vir e da igualdade de oportunidades. A sociedade moderna seria aquela em que se acreditava que as luzes da razão viriam se ascender em cada indivíduo, a fim de que este pudesse usufruir a igualdade de oportunidades e colher os frutos do mérito alcançado.

Para os pensadores desse momento histórico, leis racionais devem ser desenvolvidas tanto para poder realizar o interesse de todos quanto para evitar que o indivíduo se submeta ao universo passional. É neste contexto sócio-cultural que surge Rousseau com o seu estudo voltado para o sentimento e a afetividade humana. Esta valoração sensitiva do homem em Rousseau ficar-se-á efetiva quanto da apreciação e análise da arte que ele faz no ensaio “Carta a D’Alembert Sobre os Espetáculos”: 

“Perguntar se os espetáculos em si mesmos são bons ou maus é fazer uma pergunta demasiadamente vaga, é examinar uma relação antes de fixar os termos. Os espetáculos são feitos para o povo e somente pelo seu efeito sobre ele se poderão determinar suas qualidades absolutas” (Rousseau, 1958, p.347). 

É neste trabalho que Rousseau vai tratar das relações de conflito que existem entre a natureza e a cultura, mostrando, desta forma, a vida humana como ela realmente é, ou seja, uma oposição de forças antagônicas e contraditórias, onde a natureza humana é corrompida pelas desigualdades estabelecidas pelo meio social.

Nesta perspectiva, Rousseau coloca a construção racional num plano menos determinante, do ponto de vista da importância para a construção de sentidos na vida humana, pois para ele, o que de fato tem valor neste aspecto é a dimensão sensitiva, a qual leva o homem a dar sentido as coisas, dando-lhes, assim, significados simbólicos. Este é o ponto central através do qual Rousseau faz a sua crítica aos espetáculos, a simulação, a representação daquilo que não pode ser feito na práxis.

Desta forma, a essência do espetáculo em Rousseau é projetar para fora de si aquilo que não se pode fazer no cotidiano. O espetáculo, portanto, é prejudicial do ponto de vista dos valores, porque ao apresentar-se desta maneira, o homem deixa de ser ele mesmo para incorporar um papel que, na maioria das vezes, distorce a realidade de sua essência, forja uma pessoa fictícia, onde parte da subjetividade do homem afasta-se do seu eu. Para ele, quanto mais as sociedades tornam-se complexas, mais distantes de si mesmos os homens vão ficando.

Foi baseado nesta análise do espetáculo como simulacro, enganação, que Rousseau colocou o estético e o sensível em um lugar de destaque, pois, para ele, somente o fazer artístico, ligado às raízes culturais de uma sociedade, é capaz de falar ao homem do valor essencial de sua vida. Essa dimensão sensitiva do homem em Rousseau se estabelece a partir da sua compreensão de que a história humana é o progresso da desigualdade e da corrupção do homem e que este, somente através de uma dinâmica que o coloque em sintonia com sua memória e imaginação criativa, poderá aproximar-se da sua verdadeira essência, do seu eu verdadeiro e, a partir daí construir uma vida mais harmoniosa.

Baseado nessa análise de arte e cultura por Rousseau, podemos dizer que a concepção de arte em Schiller sofreu influências significativas da sua experiência contextualizada de vida, pois, de uma forma particular, as relações de poder que permeavam a sociedade de sua época afetaram-no a ponto dele direcionar parte de suas produções à denúncia do despotismo. O autoritarismo de que foi vítima levou-o a fazer do uso e abuso dessa temática na maioria de suas obras. Pioneiro de um período áureo da literatura alemã, Schiller imprimiu a sua obra, que se caracteriza pela modernidade e relevância para a vida atual, a marca do amor à liberdade.

Nesta direção, Schiller escreve a obra “Cartas sobre a Educação Estética da Humanidade”, na qual ele faz uma crítica à modernidade e a concepção de Estado existente em sua época. A crítica da modernidade está ligada a fragmentação do indivíduo que é imposta pelo Estado de uma forma totalitária, onde não há espaço para a subjetividade humana e nem para a liberdade de escolha, pois, no seu entendimento, onde existe a carência e o medo latentes, não sobra muito espaço para o impulso lúdico.

Baseado nisto é que Schiller vem defender a criação do Estado Estético, pois, segundo ele, somente uma formação pela arte é capaz de libertar o homem das investidas dos déspotas esclarecidos que se valem do poder para aprisionar os indivíduos. Somente um Estado, centrado numa concepção de formação estética, será capaz de garantir ao povo a liberdade subjetiva de cada indivíduo, dizia ele. Isto se dava porque Schiller acreditava na perfeição estética, pois, para ele, o sentido teleológico da história humana residia justamente na idéia de arte como veículo de emancipação. Desta forma, apresentava-se nele a visão de um papel social para a arte no mundo moderno. Sobre a liberdade que arte proporciona ao homem dizia ele que “a arte é filha da liberdade e quer ser legislada pela necessidade do espírito, não pela privação da matéria” (Schiller, 1990, p. 25-26).

Instintivamente, ou seja, naturalmente o homem socializou-se, antes mesmo disto lhe ter passado pelo plano racional, afirmava Schiller, mostrando, assim, o conflito existente em sua obra entre razão e sensibilidade. Contudo, ele vem colocar mais adiante que razão e sensibilidade formam uma unidade e que a junção entre valores e sentimentos só é passível de acontecer se for intermediada pela arte, fundamentada, portanto, numa educação estética que vislumbre a interligação entre o que há de singular e plural no homem que possa suscitar o nascimento de um ser universal e livre.

A influência de Schiller fez com que outros pensadores de sua época seguissem a escola romântica, como é o caso de Goethe. Esta influência foi decisiva para que este passasse a partilhar a idéia segundo a qual a obra de arte não deve apenas retratar a beleza do mundo e a interioridade do autor, mas também oferecer ao homem um modelo de vida, já que, para Goethe, a vida é um caminho de contínuo progresso intelectual.

Fruto de uma vida inquieta e de uma inteligência sem limites, a obra de Goethe abrange tudo o que o precedeu e tudo o que se anunciou em seu tempo, sintetizando sentimento e razão, homem e natureza. Isto se evidencia no seu primeiro romance “Os sofrimentos do jovem Werther” (1774), no qual o protagonista se mata após o fracasso de sua pretensão sentimental.

Já em Hegel, o belo é a expressão da verdade, do absoluto, portanto, apresenta-se enquanto tal no campo das idéias, como afirmara Platão, mas distancia-se, ao mesmo tempo deste pensador, quando se coloca como sendo não estática, imutável. Na visão hegeliana a idéia se desenvolve numa linha de estrita necessidade. A dinâmica dessa necessidade não teria sua lógica determinada pelos princípios de identidade e contradição, como visualizava Rousseau, mas sim pela “dialética”, realizada em três fases: tese, antítese e síntese. Assim, toda realidade primeiro “se apresenta”, depois se nega a si própria e num terceiro momento supera e elimina essa contradição.

Nesta perspectiva, Hegel afirma que o espírito humano se desdobra em “subjetivo”, “objetivo” e “absoluto”, onde o subjetivo é a essência de cada indivíduo (a natureza divina), o objetivo é a manifestação da idéia na história (a natureza humana) e o absoluto é a síntese de ambos. Esta relação dialética, para Hegel, se torna cada vez mais perfeita quando do contato com a arte, com a religião e a filosofia, como afirma ele na sua obra “Cursos de Estética” (volume I, pág.51): “... Pois tudo o que é espiritual é melhor do que qualquer produto natural. Aliás, nenhum ser natural expõe ideais divinos, como a arte o faz...”. É através destas três formas de expressão que o homem pode atingir o máximo do conhecimento de si mesmo, pois é somente desta forma que o espírito chega a se compreender como tal no homem, já que existe “unidade e identidade entre natureza divina e natureza humana”, sentencia ele.

Se Hegel procurava a beleza na liberdade do herói individual e constatava que essa autonomia era impossível na sociedade moderna, Baudelaire já reivindicava uma beleza moderna e procurava definir uma concepção de “heroísmo na vida moderna”.  Nesta perspectiva, ele criou a poesia moderna, concedendo a toda realidade o direito de ser submetida ao tratamento poético.

Neste sentido, Baudelaire inventa uma nova estratégia da linguagem. Os críticos modernos observavam que sua poesia foi a primeira a incorporar a matéria da realidade grotesca à linguagem sublimada do romantismo. Foi por conta desta visão que ele dedicou-se a examinar sua consciência secreta de uma relação impossível com um mundo social. Suas obras tinham uma preocupação de procurar uma razão determinante para a obra de arte, fundamentando, assim, um ideário estético coerente, embora fragmentário, e aberto às novas concepções.

Em contraposição ao pensamento de Baudelaire se apresentava a crítica centrada nas relações históricas de Walter Benjamim, o qual filosofava contra a filosofia, tentando subtrair-se ao pensamento classificatório. Esta contraposição, por sua vez, se desnuda na obra de sua autoria “O Narrador”, onde ele traça a diferenciação que existe entre o romancista e o narrador: “... O que distingue o romance de todas as outras formas de prosa _ (...) _ é que ele nem procede da tradição oral nem a alimenta. (...) O narrador retira da experiência o que ele conta: a sua própria experiência ou a relatada pelos outros...” (pág. 201). A coletânea da obra de Benjamim só ganhou difusão depois de incluídos por Adorno na edição póstuma “Textos Reunidos”, 1955.

Foi Theodor W. Adorno que veio a desenvolver mais tarde o que se constituiu como o núcleo de linha original do pensamento filosófico-político desenvolvido por Benjamim. A teoria crítica proposta por Adorno e outros pensadores da Escola de Frankfurt, se opõe à teoria tradicional, que se pretende neutra quanto às relações sociais. Ela toma a própria sociedade como objeto e rejeita a idéia de produção cultural independente da ordem social em vigor. Surge daí o conceito de “indústria cultural”, em 1978.

Este conceito – Indústria Cultural – foi criado por Adorno para designar a exploração sistemática e programada dos bens culturais com finalidade de obter lucro. A obra de arte produzida e consumida segundo os critérios da sociedade capitalista se rebaixa ao nível de mercadoria e perde sua potencialidade de crítica e contestação. Desta forma, não pode existir a autonomia na obra de arte, já que ela, na construção simbólica capitalista perde o seu sentido verdadeiro e puro, para adquirir uma roupagem artificial de produto cultural, ou melhor, mercadoria. Como nas suas palavras:

“Atualmente, a atrofia da imaginação e da espontaneidade do consumidor cultural não precisa ser reduzida a mecanismos psicológicos. Os próprios produtos (...) paralisam essas capacidades em virtude de sua própria constituição objetiva” (ADORNO & HORKHEIMER, 1997:119).

Esta breve excursão pela história do pensamento filosófico desde a Antigüidade clássica aos dias modernos, vasculhando os escritos de vários autores que se debruçaram sobre o estudo da arte, teve como objetivo primeiro articular, minimamente, os conceitos construídos em torno deste tema e tentar sintetizá-los numa perspectiva de fundamentar a necessidade de se estabelecer uma vertente histórico-filosófica capaz de traduzir a noção do belo pela ótica do fruidor de obras de arte.

A intenção deste artigo não foi apenas apresentar um panorama cronológico da história filosófica que girou em torno do tema Arte, e, sim, estabelecer paralelos entre as várias correntes teóricas que se aprofundaram na pesquisa e no debate das questões reclamadas pelo processo de construção do fazer estético ao longo do tempo.

Partir da concepção de arte enquanto mimese, distante da realidade sensível, avançar para o estágio onde ela é tida como a representação do real, do plano sensível que origina a concretude da vida humana, até chegar no período em que a arte passa a ser vista com um fim em si mesma, sem nenhuma necessidade imediata de explicações racionais ou sensíveis, não é uma tarefa fácil, mas, contudo, chega-se ao fim deste trabalho exatamente no ponto onde se queria chegar, ou seja, na confirmação de que a arte, enquanto atividade expressiva de sentimentos, enquanto sistema simbólico que permite o conhecimento de regiões humanas não-alcançáveis, por meio da razão e do pensamento lógico, tem um valor em si mesma, no qual brota todo e qualquer sentido da existência humana. 

Fortaleza, 25 de janeiro de 2016. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

ADORNO, T. W. – A industria cultural, ed. Nacional, 1978, p.93 – 99.

ARISTÓTELES – Poética, ed. Abril Cultural, p. 443 – 459.

BAUDELAIRE, CHARLES – Obras estéticas: filosofia da imaginação criadora, ed. Vozes, 1993, p. 217 – 251.

BENJAMIM, W. – O narrador, 1936, p. 197 – 221.

GOETHE – Os sofrimentos do jovem Werther.

HEGEL, G. W. – Cursos de estética (Introdução) e (A idéia do belo artístico ou ideal), Edusp, p. 46 – 75 e 107 – 119.

HORKHEIMER, M., e ADORNO, T. W., Dialética do Esclarecimento: fragmentos filosóficos. Trad. Guido Antônio de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997:119).

ROUSSEAU – Carta a d’Alembert sobre os espetáculos, ed. Globo, p. 335 – 439.

SCHILLER – Cartas sobre a educação estética da humanidade, ed. Pedagógica e Universitária LTDA, p. 34 – 151.

VIEIRA, SEBASTIÃOA Temporalidade da Vida, disponível na página: https://www.facebook.com/sebastiaovieiramaiafilho/?ref=bookmarks. Acesso em 25 de janeiro de 2016.