Acredito que não há mais nenhum lugar no mundo em que a violência não faça parte do dia a dia das pessoas, principalmente nas grandes cidades. Já se foi o tempo em que apenas os condenados viviam atrás das grades porque hoje, as oficinas de ferragens mal podem dar conta das encomendas de portões e grades de ferro, e nunca se fabricou tantas fechaduras de alta resistência, tantos ferrolhos possantes e cadeados blindados, a fim de que a população viva com mais segurança. No entanto nunca vivemos tão desprotegidos como nos nossos dias. Em casa ou na rua e até dentro dos próprios veículos, particulares ou coletivos, a violência está em todo lugar, ninguém mais está seguro.

Minha filha e eu vínhamos por uma tranqüila rua do bairro de Copacabana, no Rio de Janeiro, num sábado pela manhã. Eu acabava de falar com uma pessoa pelo celular e ainda estava com o telefone na mão quando o sinal vermelho acendeu e paramos o carro. Foi quando percebi o rapazola moreno, magrinho, debruçado na janela próxima ao volante me olhando, apontando para o meu telefone, visivelmente nervoso mas falando com firmeza:

- Me dá isso aí dona! Agora! Abre a bolsa e me passa também o dinheiro rápido. Tô brincando não!

Não deu para percebermos se ele estava armado, porque nesses momentos a tensão é imensa, e tudo pode se esperar de um elemento desses. Numa fração de segundo eu pensei que minha filha iria reagir, talvez mais por isso eu tenha ficado ainda mais tensa. Balbuciei alguma coisa nervosamente enquanto tentava abrir a bolsa e encontrar a carteira com dinheiro. Foi quando a vi tranqüila, com as mãos sobre o volante,  com um  leve sorriso olhando amavelmente nos olhos daquele meliante e falar-lhe com voz bem calma:

- Meu filho, estamos com pouco dinheiro, mas ela vai lhe dar o que você está pedindo, tá? Ela vai lhe dar o telefone também. Fique calmo que ela está pegando a carteira, meu filho.

O rapaz olhou bem para ela e repetiu:

- Meu filho!... Você falou “meu filho”... Me chamou de meu filho! 

E falava consigo mesmo: ela me chamou de meu filho...

Olhou para mim e perguntou:

- É sua filha? Ela é muito bonita. E me chamou de meu filho! Ela me chamou de meu filho!...

Olhou para ela novamente e disse: você é bonita...  e me chamou de meu filho. Pode ir, pode ir. E foi-se embora.

Tudo aconteceu no curto espaço de tempo em que o semáforo esteve fechado e quando ele abriu nós saímos dali ilesas, leves como se estivéssemos flutuando, tamanho foi o alívio que sentimos. Ficamos sem palavras, e só me veio à mente o texto bíblico de Provérbios 15:1.  “A palavra branda desvia o furor, mas a palavra dura suscita a ira”.

E quantas vidas já foram ceifadas por causa de uma resposta áspera, por causa de uma palavra impensada!

Talvez ele não estivesse armado, talvez fosse o seu primeiro assalto, talvez não tenha uma má índole. E quem sabe se um anjo do Senhor estava ali ao nosso lado e nos livrou do mal que ele poderia ter nos causado? Podíamos ter gritado e chamado a polícia e o rapaz poderia ter sido preso, ter apanhado muito ou ter sido morto com um tiro nas costas, mas preferimos ir embora também. Deus sabe do que é e do que poderá vir a ser a vida daquele pobre e infeliz rapaz, que com certeza nunca ouviu alguém o chamar carinhosamente de meu filho. E Deus nos deu um grande livramento, e talvez a ele também. Quem sabe se algum dia ele virá a ser um servo do Senhor? - “O que Eu faço não o sabes tu agora, mas saberás depois”. Jo: 13:7

Graças a Deus chegamos em paz à nossa casa, e com certeza essa foi uma lição maravilhosa para nós. Aprendemos vivenciando que, com um olhar compassivo, um simples sorriso e uma palavra branda podemos não somente salvar a nossa vida, como até mesmo podemos dar oportunidade para que alguém possa, algum dia encontrar Jesus. Sempre que me lembro, oro a Deus por aquele rapaz.

Júnia - 2011