Metamorfose Avessa

Por Marcelo Paradyse | 06/09/2006 | Poesias

Todos aguardavam ansiosos olhando para o chão. Olhares atentos miravam a terra que já se remexia e logo podia-se ver as mãos brotando do solo coberto por fina grama. Os ânimos se exaltavam a medida em que o corpo se erguia e ouvia-se murmúrios diante da aparição daquele novo ser. A pequena multidão de jovens senhores e velhas crianças abraçava-se diante de mais um parto do planeta Arret. Esoj nascera tossindo, cabelos grisalhos, pele enrugada ,gozando de péssima saúde como qualquer ancião normal.

A natureza então logo se encarrega das transformações que trariam um pouco mais de vitalidade, o suficiente para começar o longo caminho que seria percorrido. Os olhos traduziam melhor as imagens, os sons já poderiam ser captados com mais clareza e as pernas já sustentavam com mais eficiência o corpo de pele um pouco mais viva.

Solidão era o caos. Airam a salvação. A imagem perfeita daquela que deveria seguir seus passos até a hora exata. Momento ideal de dar e receber. Perguntar e responder. Crescer.

O tempo passava lentamente para os olhos de quem tem em seu âmago a sensação de que é o momento ideal para refletir sobre o futuro e apenas aguardar os muitos momentos que virão. Incomensurável é a satisfação da certeza de que o futuro o aguarda com os braços abertos para acolher um ser que contará com uma fonte progressiva de condições físicas favoráveis para aproveitar de forma muito mais propícia todas as realizações próprias acumuladas.

Constrói-se então com toda calma o que se consumirá com fervor.

Airam se foi. Muitas viriam. Juventude, disposição, sensação de poder que rege as ações daqueles que se apegam ao prazer de não se prender a nada. Anos se passam entre o total descompromisso com tudo aquilo que foi construído e a certeza de que logo não se lembrará.

Mente enferma em corpo são. Os diversos sentimentos interiores acumulados durante todas as etapas de uma existência se conflitam com o vigor intrínseco da adolescência. O corpo pede, a mente nega e o tempo passa.

O espelho já refletia os sinais do tempo. Não mais podia observar os pêlos em seu corpo e a pele agora estava lisa como seda. Os olhos contemplavam atônitos as pequeninas mãos e logo começaria a engatinhar.

O mundo parece engolir o corpo que perde massa. O pouco de consciência que permanece é sustentada por uma interessante condição de lembrança dos tempos mais recentes de total gozo da vida, perdendo-se nos vácuos da memória toda uma história de vida dedicada às responsabilidades e obrigações de tempos remotos.

Onze dias numa incubadora.

O cortejo seguia os corredores da construção envolto em uma atmosfera de profunda angústia em direção à sala do dia final. Todos de branco, olhavam tristes para o centro do cômodo repleto de flores. Mãos firmes, sujeito de preto, sete palmadas e o choro estridente que guiaria o pequeno bebê à eternidade.