Mensagem- análise dos poemas: D. Sebastião, Rei de Portugal e O Quinto Império.

Por Luciana Luiza de França | 16/04/2019 | Literatura

MENSAGEM: ANÁLISE DOS POEMAS:

D. SEBASTIÃO, REI DE PORTUGAL E O QUINTO IMPÉRIO.

por

Luciana Luiza de França

 

 

 

UERJ

2004

 

Os primeiros anos do século XX:

 

    Os primeiros anos do século XX, em Portugal, são marcados pelo entrechoque de correntes  literárias que vinham agitando os espíritos desde algum tempo,como o Decadentismo, Simbolismo, Impressionismo entre outros. Eram denominações da mesma tendência geral que impunha o domínio da Metafísica e do Mistério no terreno em que as ciências se julgavam exclusivas e todo-poderosas.

    E é nessa atmosfera de emaranhadas forças estéticas, que se sobrepõem à inquietação trazida pela  Primeira Grande Guerra,que um grupo de rapazes formados por: Mario de Sá-Carneiro, Luis de Montalvor, Santa Rita Pintor, Ronald de Carvalho, Raul Leal e o nosso grade poeta a ser estudado, Fernando Pessoa,fundam a revista Orpheu.

   Procuravam romper com a estética tradicional, da qual surgiram várias correntes estéticas, conhecidas por vanguardas, assim incorporando esses valores vanguardistas,ou seja,uma temática referente ao mundo do desenvolvimento , do mundo novo .Surge assim, nos primeiros anos do século XX, um movimento literário chamado Modernismo.  Pessoa foi o introdutor das vanguardas em Portugal, de caráter experimental e inovador, opõe-se ao racionalismo e objetivismo e valorizando o Simbolismo, que viria para dar um fim no marasmo  em implantar o inconformismo.

    É a presença das vanguardas européias (que vêm do francês, e significa extremidade dianteira dos exércitos em luta) na poesia portuguesa a partir da revista Orpheu, que vai desencadear uma reação contra o conservadorismo e a estagnação presente vivida em Portugal. E a literatura de vanguarda foi realmente combativa, polêmica, desbravadora e irreverente. Os vanguardistas da época valiam-se do deboche, da ironia e da luta verbal com o objetivo de substituir a arte passadista pela arte moderna.

    Desta maneira, o início do  Modernismo em Portugal se dá em um período em que o panorama mundial estava muito conturbado.Além da Revolução Russa,  eclodiu a Primeira Guerra Mundial entre 1914 até 1918, favorecendo assim a  afirmação dos Estados Unidos da América no cenário internacional. Em Portugal, este período foi muito difícil, porque, com a guerra estavam em jogo as colônias africanas, que já vinham sendo cobiçadas pelas grandes potências desde o final do século XIX.

    

 

  

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     Essa situação conturbada em que vivia o povo português gerou um certo saudosismo, ou seja, um desejo de ver Portugal grandioso como era  na época das grandes navegações. Ressurge assim o Sebastianismo, e as saudades das glórias vividas no passado ,como por exemplo, exaltadas em os Lusíadas de Camões .No caso dos escritores,o objetivo era contrabalançar o pessimismo pela arregimentação do espírito cívico  em torno da tarefa de reconstruir

Portugal, à imagem e semelhança do grande império erguido na época dos descobrimentos.

     Foi um período de grandes e inúmeros golpes militares, eleições e destruições. Isso só termina em 1928, quando Antonio de Oliveira Salazar estabelece as diretrizes do chamado Estado Novo.Em 1932, Salazar, então ministro das finanças, assume oficialmente o   governo, consolidando a vitória do Integralismo lusitano e dando origem a uma das mais longas ditaduras da história, que só cairia em 1974 com a Revolução dos Cravos.

    Assim, a concepção do livro Mensagem começou a se estabelecer no espírito de Fernando Pessoa, exatamente nessa altura conturbada em que vivia Portugal.

 

 

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Fernando Pessoa:

 

    Além de seus heterônimos, Fernando Pessoa também publicou em 1934, seu único livro em língua portuguesa, chamado Mensagem, com o qual teve um prêmio oficial do regime de ditadura que apoiou segundo uns, e que ironizou segundo outros, do qual enfocaremos uma análise pequena e singela de alguns poemas da obra.

    Mensagem é uma obra de poemas organizados de forma a compor uma epopéia fragmentária, em que o conjunto dos textos líricos acaba formando um elogio de teor épico a Portugal, há também uma tentativa de superar a realidade, e de afirmação da literatura nacional como um intelectual moderno e do futuro. Pessoa envereda por um nacionalismo místico de caráter sebastianista.

 

 “Náuseas.Vontade de nada.Existir para não morrer.Como as casas têm fachada,tenho este modo de ser.”(Fernando Pessoa- Um Místico sem Fé.1994)

 

 

 

“Mal sei como conduzir-me na vida,como esta mal estar a fazer-me pregas na alma.”(Fernando Pessoa-Um Místico se Fé.1994)

    

 

     É neste contexto psicológico que surge Mensagem. Exprime a contradição entre a apatia e a inércia do povo português, saudoso dos tempos da

monarquia, desconfortado com a anarquia dos primeiros anos, com a pobreza e as dificuldades econômicas,assim resignado à reconstrução da República.

    Mensagem exalta o passado, promete e exige o futuro. É a busca de um sentido para a antiga grandeza e a atual decadência. O poeta procura um caminho para entender o momento em que vivia Portugal, a mentalidade do

povo, a estagnação e a si mesmo. Portanto, podemos entender a obra como um chamamento, um clamor ao povo, para sair da estagnação, do marasmo e buscar esse despertar, essa força nas glórias vividas no passado.

 

 “Fernando Pessoa é um agente espiritual mal contido, ambíguo (...)  Num processo de constante busca esotérica sobre si mesmo,sobre Portugal e sobre o Universo.”                ( Dicionário Cronológico de autores Portugueses,Eugenio Lisboa, 1990. pág. 367).

 

“ Fernando Pessoa é em si,mesmo genial,autor de obras primas,personalidade Universal, e porta voz da contradição intrínseca do ser humano, como criatura terrena de Deus. Um desassossego de alteridade.” (Gilbert Durand.Imagens e reflexos do imaginário Português. 1997.pg. 174)

 

 

    Estrutura de Mensagem:

 

    Mensagem foi elaborada ao longo de anos, de 1913 a 1934, e a sequência cronológica dos poemas não corresponde à sua ordenação no livro.Isto nos sugere que o poeta foi escrevendo poemas avulsos, e só a certa altura percebeu que todos tratavam da mesma matéria.  O livro está dividido em três partes:

    O Brasão, aonde é contada a história das glórias portuguesas, ou seja, retrata a fase em que o país define sua nacionalidade e em seguida expande seu território, primeiro no continente europeu depois mar afora. Esta primeira parte de Mensagem, que se estrutura  como o brasão português, é formada por dois campos: um apresenta sete castelos, e as outras cinco quinas. No topo do brasão estão a coroa e o timbre, que apresenta o grifo, um animal mitológico que tem a cabeça de leão e as asas de águia.

    Esta primeira parte versa sobre as grandes figuras da história de Portugal, desde D.Henrique (fundador do Condado Portucalenses), passando por Dona Tareja (sua esposa), pelo seu filho primeiro rei de Portugal, D. Afonso Henriques vão ainda até o infante D. Henrique (fundador da escola de Sagres e

da expansão ultramarítima), Afonso de Albuquerque (dominador português do Oriente), até o mito de Ulisses que teria fundado a cidade de Lisboa.

    A segunda parte do poema  intitulado  Mar Português, mostra-nos a fase de apogeu e domínio, corresponde a uma espécie de patamar sobre o qual se alteia o espírito heróico dos portugueses, ou seja, a expansão ultramaritima, que levou Portugal a ocupar um lugar de destaque no mundo durante os séculos XV e XVI.

    A terceira e última parte do poema é a fase de desencontro, incerteza e expectativas, por isso O Encoberto. Apresenta o misticismo em torno da figura do rei D. Sebastião, cuja frota foi dizimada em ataque aos mouros em 1578.

    Contudo, muitas previsões como a do sapateiro Bandarra e do Padre Antônio Vieira prevêem o retorno do rei Dom Sebastião para salvar a pátria da estagnação criando o Quinto Império e devolvendo o lugar de apogeu merecido a Portugal.

    Podemos dizer que os poemas de Mensagem sugerem uma interpretação da História de Portugal em três fases: ascensão, apogeu e declínio. E que além desta interpretação convencional, contém também uma interpretação hermética, isto é, enigmática, metafísica e esotérica da condição humana em

geral. É um percurso histórico de um povo, não só o dos portugueses, mas de qualquer povo que luta para atingir um ideal, para sair do marasmo,da cegueira e da inconsciência.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Poema: Dom Sebastião,Rei de Portugal.

 

Situado na primeira parte do livro,O Brasão (nas quinas):

   

Quinta/Dom Sebastião,Rei de Portugal.

 

 

Louco,sim,louco porque quis grandeza

Qual a Sorte a não dá.

Não coube em mim minha certeza;

Por isso onde o areal está

Ficou meu ser que houve,não o que há.

 

Minha loucura,outros que me a tomem

Com o que nela ia.

Sem loucura o que é o homem

Mais que  a besta sadia,

Cadáver adiado que procria?

 

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Análise do poema:

 

     Este poema nos remete ao rei de Portugal D. Sebastião, que morreu e o corpo desapareceu no areal, na batalha em Alcácer-Quimbir. Não se sabe ao certo o que foi feito do corpo do rei. Vale ressaltar que Bandarra foi também o inspirador do mito do Quinto Império, projetado por Fernando Pessoa. As Trovas foram interpretadas como uma profecia ao regresso do Rei D. Sebastião após o seu desaparecimento na Batalha de Alcácer-Quibir em Agosto de 1578. Assim, o rei estaria para voltar e salvar o povo da estagnação vivida na época. Surge então o mito, de que o rei voltaria um dia. Foi um rei desejado mesmo antes de nascer, porque  com a velhice do avô e as sucessivas doenças do pai, pairava sobre o reino o risco do trono vir a ser herdado por outro.

 

“ Louco, sim, louco porque quis grandeza.”

 

       D. Sebastião, foi um rei que quis grandeza, teve a ambição de prosperar, de crescer, deixou sua vida pessoal de lado para avançar buscar algo maior, por isso é tido como herói para o poeta. Trata-se de uma concepção da História, que sublinha a pequenez, as limitações e a inconsciência do ser humano,por contraposição a algum modelo ideal (Deus), almejado pelo homem mais inatingível. E esta ambição toma ares de loucura, pois para Fernando Pessoa sem a loucura o homem é apenas um cadáver que procria, ou seja, é um morto em vida. E a loucura de querer avançar leva o homem a uma condição maior,de um ser dotado de virtude e grandeza.

 

“Ser que houve, não o que há.”

 

    Metaforiza a morte do ser político de Portugal, daquela parcela histórica que com dor, sacrifício e desgraça fez a grandeza da Nação.

     É o regresso da loucura empreendedora, da megalomania realizadora heróica que,transubstanciada em novos seres,deve ser ressuscitada.

 

“Sem a loucura que é o homem”.

 

    Mostra uma loucura concebida como dádiva, dotes naturais, isto é, uma febre do Além (homem descontente que obedece a um impulso incontrolável,que vem de dentro) de querer lutar  e de não se conformar, e é

esta febre que Fernando Pessoa espera ver ressuscitar no povo lusitano. Uma imagem de Portugal lançada para o futuro.

 

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  Um homem metade humano, metade divino. Enquanto a metade humana definha e morre, vítima de sua fragilidade, a metade divina move

horizontes, descobre novos mundos e impele a História.  Pessoa não hesita em dar à sua idéia de herói, ou melhor, à sua idéia de homem verdadeiramente  humano, a designação adequada: loucura.Sem ela, pergunta D. Sebastião:

 

 

“(...) que é o homem mais que a besta sadia, cadáver adiado que procria?”

 

    Loucura como decorrência do querer grandeza, maior que o permitido pela Sorte, D. Sebastião, é o mito maior de Portugal e da Mensagem, e, pois, transtemporal e onipresente em todo o texto.

 

 

 

 

 

 

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Poema: O Quinto Império.

 

Situado na terceira parte do livro,O Encoberto (os símbolos):

Segundo/O Quinto Império.

 

Triste de quem vive em casa,

Contente com o seu lar,

Sem que um sonho,no ergue de asa,

Faça ate mais rubra a brasa

Da lareira a abandonar!

 

Triste de quem é feliz!

Vive porque a vida é dura.

Nada na alma lhe diz

Mais que a lição da raiz-

Ter por vida a sepultura.

 

Eras sobre eras se somem

No tempo que em eras vem.

Ser descontente é ser homem.

Que as forças cegas se domem

Pela visão que a alma tem!

 

E assim,passando os quatro

Tempos do ser que sonhou,

A terra será teatro

Do dia claro,que no atro

Da erma noite começou.

 

Grécia,Roma,Cristandade,

Europa—os quatro se vão

Para aonde vai toda a idade.

Quem vem viver a verdade

Que morreu D.Sebastião?

 

 

 

 

Análise do poema:  

 

   O quinto império foi um império sonhado, abstrato,existiu no plano do desejado,do sonho, mesmo não tendo sido alcançado,” sonho das eras português”.

 

“Triste de quem vive em casa, contente com o seu lar.”

 

    Percebemos neste trecho o homem como um ser imperfeito, e que o verdadeiro valor do ser humano consiste em não se conformar com isso e perseguir obstinadamente a perfeição, mesmo sabendo ser inatingível. O que Pessoa quer dizer é: triste de quem se acomodar, de quem se sentir feliz e satisfeito consigo mesmo e não lutar para superar as imperfeições. E o homem satisfeito e feliz é norteado pela razão e pelo bom senso, pela fidelidade ao real imediato e pelo desejo de autopreservação, ditados pelo medo de perder a “metade de nada” que conquistou.

 

“ Da lareira a abandonar!”

 

 

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  Por isso, ele se recusa a abandonar a “lareira”, isto é, o calor e a proteção do lar. Já o homem insatisfeito é guiado pela irracionalidade e pelo desejo irrefreável de aventura. Para o poeta, à vontade de superação é que distingue o herói do homem comum, e ele abre mão desta segurança para buscar novos desafios.

  Este é um dos paradoxos de Mensagem: a aspiração máxima do homem é deixar de ser humano para se tornar divino, ou seja, para desenvolver ao máximo as suas potencialidades pois só assim será homem caso contrário:

 

“Terá por vida a sepultura”.

 

    Ou seja, um homem morto em vida. Para o poeta viver contente com o pouco e não sonhar com o mais é ter por vida a sepultura, é  morrer em vida, pois:

 

                                                                                                 “Ser descontente é ser homem”.

 

 

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  Novamente nos remete a idéia de  “Febre do Além” idéia da qual indivíduos comuns ignoram,assim ignoram também suas potencialidades, pois a história só progride porque alguns, sentindo em si esta febre, de que fala Diogo

Cão, arremetem contra o desconhecido e elevam a condição humana acima da pequenez de todos os dias.

                                                            “A terra será teatro”.

 

    É movida pela anomalia do herói, como vimos, a História será palco de uma luta constante entre forças contrárias: glória e desgraça, apogeu e declínio, e morte e vida.

 

“Grécia, Roma, Cristandade”,

 Europa — os quatro se vão

    Para aonde vai toda a idade.

   Quem vem viver a verdade

Que morreu D.Sebastião?

 

   

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  Com base nas associações feitas a partir das profecias de Daniel na Bíblia, Padre Antônio Vieira, associa o Sebastianismo ao Quinto Império, aquele que vinha logo depois de Babilônia, Pérsia, Grécia e Roma. O Quinto Império seria Portugal.

                                                               “Que morreu D. Sebastião? ”

 

    O rei que foi e não voltou, e consigo levou a independência e a integridade do próprio reino, que por vezes toma uma dimensão transcendental, por outras esotéricas e por outras do próprio Deus Cristão.

    Para o poeta, o Quinto Império resultaria da criação de uma sociedade formada por homens capazes de realizar a plenitude de suas potencialidades, quer enquanto indivíduo, quer enquanto ser coletivo. Para Pessoa este império poderia ser entendido como regresso às origens autenticamente cristãs e pagãs da nossa civilização.

   A Mensagem de  Fernando Pessoa pode ser interpretada e  aplicada não só a Portugal, mas a todas as civilizações. E é neste rumo, que a obra desenvolve especulações filosóficas, para um rumo maior, que é o  Universal.

 

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Referências bibliográficas:

 

 

FERNANDO, Pessoa. Mensagem. Editora: Martin Claret. Coleção: A obra Prima de cada autor. São Paulo.2003.

 

MOISÉIS, Carlos Felipe. Roteiro  de  leitura:  Mensagem   de   Fernando Pessoa.  Editora: Ática.  1996.

 

SARAIVA, Antônio José. Iniciação à Literatura Portuguesa. Editora: Companhia das Letras. 2001.

 

Ordenes, Andrés. Fernando Pessoa: Um Místico sem Fé. Editora: Nova Fronteira. Tradução: Sonia Regina Cardoso.1994.

 

MARTINS, Patrícia e LEDO, Teresinha de Oliveira. Manual de Literatura: Guia Prático da Língua Portuguesa. Editora: Difusão Cultural do Livro. Brasil. SP. 2001

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