MEMÓRIAS DE UMA COMUNIDADE QUILOMBOLA

Por Marciano Vieira de Araújo | 21/11/2016 | Educação

Resumo

Nos últimos anos têm-se observado que tanto as expressões culturais do povo negro como os seus modos e costumes, estão sendo focalizados em nosso estado. Esse novo olhar está sendo possibilitado devido à ação de movimentos sociais e também pela atuação do governo que atualmente exige que as escolas do nosso país transmitam a cultura negra e indígena para os seus alunos. Vale ressaltar, que em nosso estado ainda existe uma concepção erronia de que no Ceará não existe negros, porém os fatos históricos ressaltam a presença negra no estado e a sua contribuição na formação do povo cearense. Com base nisso, acredito ser relevante à discussão sobre a existência de Comunidades Quilombolas no Ceará, já que segundo o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) em nosso estado existem aproximadamente 84 comunidades Quilombolas, porém apenas duas destas estão regularmente reconhecidas.

Introdução

A partir da disciplina de cultura afro brasileira despertou-se uma intensa sede de aprofundar o conhecimento sobre a realidade das comunidades negras no Ceará, onde nus deparamos com a comunidade do alto alegre que é remanescente dos quilombos. Diante de tanta dificuldade enfrentada pela sociedade afro podemos encontrar relatos de espinhos do preconceito e racismo que a sociedade sempre usa para nos sacrificar, furando até à alma. Cansada, indignada diante das injustiças contra a população negra, nos nus deparamos na busca de dar formas e visibilidade às memórias das histórias de resistência e lutas por uma vida com dignidade. Também queremos manter o elo com os nossos ancestrais enveredando quilombo adentro, pisando a negra terra de pretos, onde nus encontramos homens e mulheres negros lutando sobrevivência de raízes histórias de nossa comunidade. Então porque não devemos querer ver a história ser contada de forma positiva dando valor e visibilidade à história afro-brasileira tanto quanto a europeia. A nossa metodologia pressupõe o conhecimento da dinâmica econômica, política e social da região. Também recolhemos e datamos os documentos materiais, máquinas de costura, utensílios, imagens de santo e fotografias. Estes documentos patrimoniais refletem aspectos da cultura e complementa a documentação de outra natureza, como também serve de forma de suscitar as lembranças. Quanto à documentação oral trabalharemos de três formas, uma com entrevistas semi estruturada, outra com depoimentos e a terceira participando de atividades que invade a noite a aparecem os contadores de caso. Esta pesquisa tem relevância para o reconhecimento da presença da população negra no estado Ceará, pois denuncia a existência de uma comunidade centenária, com a história atravessando desde o escravismo criminoso até o século vinte e um. Trata-se de uma entre centenas de outras comunidades existentes no estado, mas que esta com a particularidade da localização numa cidade muito próxima da capital cearense e mesmo assim não se dilui na modernidade urbana e industrial.

1. As Comunidades Quilombolas no Brasil

As causas principais da existência de alguns bolsões de pobreza são de origem étnica e histórica. O Brasil foi colonizado por povos selvagens e o africano importado das colônias portuguesas da África. Esses povos apesar da robustez física eram povos primitivos que viviam no estágio neolítico e por isso incapazes de se adaptarem a civilização industrial. São esses povos – índios, negros mulatos e caboclos – que constituem a grande massa da pobreza do Brasil, no campo e nas favelas. Imigrantes europeus, asiáticos, japoneses, oriundos de civilizações milenares que se dirigiram para as regiões litorâneas vivem muito bem no Brasil. Para que não fiquemos à deriva, já inicialmente desnorteados quanto ao assunto, definições sobre Quilombos e Quilombolas se impõem assim como segue: O Quilombo emerge como movimento indenitário nos anos 70 do século XX, fazendo referência à legislação e aos atos jurídicos que historicamente impossibilitaram os africanos e seus descendentes à condição de proprietários plenos. A inversão deste fato no plano dos direitos humanos, culturais e sociais, inscreve uma nova ordem na legislação brasileira dos anos 80, instaurando no plano do reconhecimento estatal novos sujeitos de direitos. Expressão e palavra amplamente utilizada em diversas circunstâncias da história do Brasil, “Quilombo” foi primeiramente popularizada pela administração colonial, em suas leis, relatórios, atos e decretos para se referir às unidades de apoio mútuo criadas pelos rebeldes ao sistema escravista, bem como às suas lutas pelo fim da escravidão no país. Em seguida, foi também expressão dos afrodescendentes para designar a sua trajetória, conquista e liberdade, em amplas dimensões e significados. O caso exemplar é o Quilombo dos Palmares, que resistiu à administração colonial por quase dois séculos. Após a abolição do sistema colonial em 1888, o quilombo vem sendo associado à luta contra o racismo e às políticas de reconhecimento da população afro-brasileira, propostas pelos movimentos negros com amplo apoio de diversos setores da sociedade brasileira comprometidos com os Direitos Humanos (Leite, 2000). Nessa direção os aspectos legais que normatizam e orientam direitos dos descendentes de africanos no Brasil. em especial dos grupos “reconhecidos” por “Terras de Preto”, Comunidades Negras Tradicionais, Comunidades Remanescentes de Quilombos, ou propriamente, “Comunidades Quilombolas”, sobretudo, colocaram parte significativa da sociedade brasileira em estado de alerta, pois reacenderam preocupações sempre emanadas de um imaginário que se retro alimenta de toda uma gama de conjecturas que perpassaram os séculos de escravidão como da pós-escravidão, atualizadas pela retomada da problemática do negro no Brasil. Isso está assustando, como na síndrome da “onda negra, medo branco.” As políticas de ações afirmativas com as suas medidas reparadoras colocaram de sobressalto as elites que insistem em proceder social e economicamente como no Brasil Colônia e, mais acintosamente, no Império. O temor secular persistente reside em um entendimento de que as lutas da população negra, entendida como uma “posição de resistência individual ou grupal correspondia à possibilidade de um projeto de nova ordenação social”. É esse o fantasma que ronda, persegue as elites e todos os segmentos comprometidos com os privilégios historicamente determinados. Os trabalhos acadêmicos ou ditos científicos se ressentem de abordagens que coloquem a população de africanos e, por conseguinte, de seus descendentes espalhados compulsoriamente pelo mundo, como sujeitos de pressupostos civilizatórios ontológicos e axiomas conceituais estruturais e estruturantes de pensamentos, de um modelo de sociedade, de um cotidiano com relações de totalidades holísticas e, portanto, de elaborações sociais complexas.

2. As Comunidades Quilombolas no Ceará

Baseado em fatos históricos acredito ser fundamental ressaltarmos um pouco da presença negra na História do nosso estado. Alguns documentos históricos afirmam que quando Pero Coelho veio ao Ceará mais precisamente na região da Ibiapaba, já existiam negros na região, porém esses eram confundidos com indígenas. A primeira prova inequívoca da existência do negro cativo no Ceará deve-se a Matias Beck, holandês que ao conquistar a capitania em 1649 trouxe 10 negros, um dos quais chamado Domingos, nascido na própria terra cearense e que falava com desenvoltura o abanheenga, língua indígena. Encontrou aquele capitão flamengo outros negros no Ceará, todos morando há algum tempo e servindo de escravos aos índios ( há indícios de que tinham sido capturados de um navio cuja tripulação foi assassinada pelos nativos ao atracar na capitania). (FARIAS, 2004, p. 200). A partir desse trecho podemos perceber que a presença negra no estado se deu de forma lenta e com um pequeno número de negros. Com o desenvolvimento da pecuária nos sertões cearenses, alguns negros também foram trazidos para trabalhar nas fazendas, porém como o trabalho com o gado garantia certa liberdade aos vaqueiros, os proprietários preferiam colocar os negros para auxiliarem nos serviços domésticos, pois assim dificultaria mais a fuga desses escravos.

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